Duas viradas e Mbappé incandescente: velocidade da França mandou Argentina para casa em um jogaço de sete gols

Luiz Henrique Zart
Popytka
Published in
12 min readJun 30, 2018
Kylian Mbappé estana turbinado e levou o caos aos defensores argentinos (Getty Images)

Um épico para a história das Copas. O primeiro jogo das oitavas de final pode ser um retrato do que nos espera. Na Arena Kazan, um embate entre duas campeãs mundiais: França e Argentina protagonizaram um duelo de duas viradas, com a Albiceleste jogando com o coração e os Bleus mais organizados. Kylian Mbappé foi o nome da partida. Foi dele a arrancada de velocista que levou ao pênalti, convertido por Griezmann, abrindo o placar. No fim da primeira etapa, Di María conseguiu mandar uma linda bola no ângulo de Lloris e, na volta do intervalo a virada aconteceu, quando Messi bateu de fora e Mercado desviou, meio sem querer, às redes.

Então, a França decidiu jogar. E quando fez isso, passou por cima. Aproveitando o caos defensivo da Argentina de Sampaoli, Pavard empatou com uma chicotada de fora e Mbappé pegou a sobra e foi mais rápido para vencer Armani. Depois de virar, os Bleus resolveram em uma consciente jogada coletiva que acabou na arrancada do camisa 10, mandando às redes. Aguero ainda descontou nos acréscimos, mas era tarde demais: 4 a 3. A Argentina volta para casa com muitas feridas a curar, e a França avança, esperando Uruguai ou Portugal nas quartas de final.

Os times

Depois de poupar parte de seus jogadores no modorrento empate sem gols com a Dinamarca na rodada de encerramento, o técnico Didier Deschamps tinha à disposição o que tem de melhor. A opção da escalação foi por um 4–5–1. Hugo Lloris retornava à meta, assim como Benjamin Pavard, improvisado na lateral direita, e Samuel Umtiti, substituído por Presnel Kimpembe na última partida. O companheiro de miolo de zaga é o madridista Raphaël Varane, com Lucas Hernández mantido do lado esquerdo da defesa. Com um centro de defesa bastante técnico e laterais que são zagueiros de origem, as poucas subidas pelos lados do campo devem ser supridas pelos meio campistas, com mais movimentação.

Assim, quem se posicionava na faixa central eram o dínamo N’golo Kanté, apoiado pela dinâmica de Paul Pogba, retornando ao time. Com o camisa 13 se multiplicando para cobrir espaços, o jogador do Manchester United era liberado para qualificar a saída de bola e apoiar os meias, que, na formação dos Bleus, eram três. Matuidi, a opção pela esquerda, é mais um jogador móvel que recompõe bem, com o veloz e técnico Kylian Mbappé pela ponta direita. Antoine Griezmann aparecia centralizado como principal homem de criação e movimentação atrás de Olivier Giroud, o camisa 9.

Do lado argentino, não havia como poupar. Era vida ou morte contra a Nigéria. Em um duelo cardíaco, a Argentina se classificou no fio da navalha e buscava, portanto, outro rumo a partir dos mata-matas. Para o choque das oitavas, os bicampeões do mundo eram escalados, na prancheta, em um 4–3–3. Franco Armani tomava para si a vaga no gol, em meio ao questionamento depois da falha grotesca de Willy Caballero. A linha de quatro defensores era a mesma. A aposta na transição oferecida por Nicolás Tagliafico e Gabriel Mercado, referendados por temporadas interessantes em seus clubes, poderia se mostrar interessante diante do adversário, que não explorava tanto os flancos com os alas. A grande questão, neste sentido, eram os pontas, que exigiam mais atenção. No miolo, o defensor do Manchester City, Nicolás Otamendi, com muita força física, ao lado do autor do tento salvador, Marcos Rojo.

A mudança de formação colocava três jogadores no meio: Javier Mascherano era o cabeça de área, mais preso à marcação, ainda que sem o mesmo vigor de tempos atrás. Assim, soltava um pouco mais Enzo Pérez e Éver Banega para apoiar a criação. Já no ataque, Ángel Di María, vindo de uma péssima partida, era avançado à ponta esquerda. Christian Pavón ganhava a vaga na ponta direita, depois de boas participações vindo do banco de reservas, substituindo Gonzalo Higuaín, que não foi tão bem contra os nigerianos. Sem a figura do centroavante, Lionel Messi se movimentava em todos os espaços do meio para a frente, mas se posicionava mais próximo do gol.

O campinho de França x Argentina (Fifa.com)

O jogo

O clima era de apreensão na partida que abriu as oitavas. E assim os primeiros minutos rolaram, com os times procurando seus espaços e tentando a pressão na marcação. Até que Mbappé começou a dar suas cartas pala ponta direita. O camisa 10 afunilou um pouco mais pelo meio e superou Mascherano na velocidade. O volante argentino não deixou barato e chegou duro, cometendo a falta. Na cobrança de Griezmann, o primeiro grande susto: O atacante do Atlético de Madrid cobrou de curva, por cima da barreira, e carimbou o travessão de Armani, que ficou estático.

Dois minutos depois, a Argentina estava no ataque, tentando responder, mas se descuidou na defesa. Então, um passe equivocado sobrou pelo meio. No deixa que eu deixo, Enzo Pérez errou o domínio no ataque argentino. Mbappé apareceu para ficar com a bola, ainda atrás do meio de campo. Aí, o atacante engatou a quinta marcha. Arrancou lá de trás e foi passando como um raio pelos marcadores: um, dois, três. Deu o tapa na frente e ia superando Rojo na velocidade. Então, o zagueiro poderia ter cercado o atacante, já sem ângulo. Perdendo na corrida, decidiu partir para o safanão e cometeu a penalidade aos 12. Quem foi para a cobrança foi o camisa 7, Antoine Griezmann. De perna esquerda, ele tomou pouca distância, e apenas esperou que Armani caísse para mandar do outro lado, mais para o meio do que para o canto da baliza.

Placar aberto, e a Argentina precisaria lidar novamente com a adversidade e a pressão. A França se aproveitava desta condição para explorar as costas da defesa — que errava ao se posicionar em linha, bastante adiantada. Foi assim em belo lançamento de Pogba, com Mbappé saindo atrás e chegando à frente dos defensores. Sofreu a falta novamente, perto da risca da área. Mas Pogba bateu forte demais, mandando por cima. No campo, era claro que a França se reposicionava em um 4–4–2, com Giroud e Mbappé à frente, com Griezmann de um lado e Matuidi pelo outro, deixando o miolo da cancha para Kanté e Pogba. Nos primeiros trinta minutos de jogo, Argentina tinha 70% da posse de bola, mas era improdutiva ofensivamente — não conseguia fazer a bola chegar a Messi. O time, sem referência na área, não poderia mandar a bola para lá e, por isso, ficava rodando a bola. Pavón e Di María não conseguiam infiltração nem jogada de fundo, bem marcados pelos defensores franceses. Enquanto isso, os Bleus davam campo à Albiceleste. Quando tinham a posse, eram verticais.

A estratégia de não usar um centroavante não funcionava. Kanté ficava colado em Messi, sempre cercado por dois ou três. Sem chutes a gol em meia hora, os comandados de Sampaoli, mesmo com três jogadores velozes na frente, não conseguiam passar pela marcação. Aí, a Argentina começou a trocar passes pelas pontas e conseguiu uma boa jogada: Pavón recebeu o lançamento e bateu para o meio, sem ninguém para concluir. Os sul-americanos pouco ou nada criaram. E então, o futebol apareceu com o costumeiro improvável. Tagliafico foi ao ataque e, depois de trocar passes, encontrou Di María com liberdade pelo meio. O camisa 11 foi irretocável: Com Kanté atrasado na marcação, o ponta do PSG dominou, teve tempo de ajeitar, olhar para o gol e colocar a bola na parede da rede, um torpedo na gaveta. Mesmo com Lloris se esticando todo, foi impossível alcançar. Um golaço. O jogo era todo da França, que não aproveitou o momento para ampliar. Aí, veio o gol da Albiceleste. Depois do empate, os europeus acusaram o golpe. E o primeiro tempo acabou assim: a Argentina ganhava ânimo e voltava para a partida, mesmo que sofrendo atrás, com defensores amarelados e muitos outros pendurados.

A linda batida de Di María foi inalcançável, mas não bastou (Getty Images)

Essa condição, inclusive, fez com que Sampaoli tirasse o amarelado Rojo para a entrada de Federico Fazio. E com um minuto de jogo na segunda etapa, a Argentina já era mais incisiva. Di María recebeu na ponta esquerda e, marcado por dois, conseguiu uma bela finta. Agarrado escandalosamente por Pavard, e a falta foi marcada. Banega cobrou para a área e a bola ia para Mercado, mas Kanté rebateu. Messi pegou a sobra pela direita, cortou para o meio e arriscou o chute. No meio do caminho, o próprio Mercado estava completamente livre e deu um leve desvio, que tirou Lloris da jogada: 2 a 1.

A virada Albiceleste veio num intervalo curto de tempo. E deu ao jogo um novo cenário. Depois do segundo gol argentino, a França precisaria jogar, com o ponto positivo de que os sul-americanos cometiam várias faltas e poderiam receber punições. E, para isso, a França buscava a posse. A primeira chegada francesa não parecia oferecer tanto perigo. Depois de um toque de letra francês, a bola ia sobrando tranquila. Fazio fez a proteção e Armani saiu do gol. Mas quando o arqueiro foi à frente, o camisa 5 decidiu tocar a bola, complicando as coisas. Griezmann quase alcançou. Esse susto seria um prenúncio: Foram dez minutos até que o empate francês, e que empate. Aos 12, Matuidi deu um belo passe em profundidade, vendo a passagem de Hernández. O lateral cruzou para a área e a redonda passou por todo mundo. Otamendi deu um leve desvio e a bola quicou até chegar em Pavard. O lateral foi cirúrgico. Ajeitou o corpo e emendou de primeira, de perna direita e de três dedos, com uma chicotada na bola. A redonda foi girando e girando até encontrar o ângulo de Armani. Mais uma pintura.

O jogo era elétrico no segundo tempo. E os Bleus, que levaram a virada antes do intervalo, deram o troco. Aos 18 minutos, chegaram à frente e foram letais, mais uma vez. Hernandéz apareceu pela linha de fundo e bateu rasteiro. No meio da área, Matuidi tentou o chute, mas foi travado. A bola sobrou nos pés de Mbappé. Ele cortou a marcação e bateu cruzado, por baixo, de perna esquerda. Armani até tocou a bola, mas não impediu a virada.

Sampaoli tentou ousar. Tirou Enzo Pérez e mandou Sergio Aguero a campo. A defesa já se lançava à frente, correndo muitos riscos. Então, depois de virar o jogo, bastaram mais quatro minutos para a França ampliar o placar. A jogada trabalhada foi um primor coletivo e de objetividade. Saiu dos pés de Lloris, passou rapidamente por Umtiti, que encontrou Kanté na esquerda. Matuidi recebeu e acionou Giroud. O camisa 9 viu muito bem a passagem de Mbappé pela direita. O camisa 10 bateu de primeira, no cantinho de Armani, para marcar o quarto. Com três gols em 11 minutos, a França saiu de um 2 a 1 contra para um 4 a 1 a favor.

Eram muitos erros e desatenções da defesa argentina. E a França aproveitava. Pogba limpou a marcação e encontrou Giroud pela lado direito. O camisa 9 invadiu a área e arriscou o chute. Estufou a rede, mas do lado de fora. Então, trocas para os dois lados. Na Albiceleste, Maximiliano Meza veio na vaga do inoperante Pavón. Do lado francês, em tempos diferentes, Matuidi, Griezmann e Mbappé deixaram o campo para as entradas de Corentin Tolisso, Nabil Fekhir e Florian Thauvin. Em meio a essas mudanças, a Argentina ainda chegou mais uma vez: Mascherano recuperou a bola no meio e tocou para Messi. Com os defensores pela frente, o camisa 10 conseguiu driblar dois, mas quando chutou de perna direita já estava desequilibrado. Lloris defendeu tranquilo.

A Albiceleste ainda conseguiu descontar aos 47: Messi recebeu pela direita e deu um passe na cabeça de Sergio Aguero e o camisa 19 cabeceou para as redes. Quando a seleção sul-americana poderia sair jogando rápido para tentar o milagre, Mercado tratou de acabar com as chances. Deu uma entrada dura no meio e fez a falta. Otamendi chutou a bola em cima dos franceses e iniciou a confusão. Os comandados de Sampaoli ainda tentaram a última cartada. Aguero recebeu na entrada da área e abriu o jogo para Tagliafico. Depois do cruzamento, Fazio conseguiu o desvio, mas mandou sem direção. Como foi a Argentina durante a fase de grupos e na última partida.

O cara da partida

Kylian Mbappé. O jovem de 19 anos destruiu a defesa argentina. Quando a França estava à frente, já aparecia bem, fazendo um salseiro com seus marcadores. Depois da virada no golaço de Pavard, foi letal para matar de vez os sul-americanos. Conseguiu um gol depois da bola travada, e em um contra-ataque de almanaque marcou seu segundo na partida.

O 10 honrou a camisa (Getty Images)

O caminho das seleções: a queda e o próximo passo

França

Os Bleus fizeram uma primeira fase bem discreta. Não pareciam ter demonstrado todo o seu potencial, afinal de contas. Derrotaram a Austrália em um jogo apertado, dependendo de um pênalti bem batido por Griezmann. Na partida seguinte, a vitória magra contra o Peru foi a demonstração de que os europeus, quando querem, põem em campo seus predicados. Conseguiram a vitória com alguns minutos de bola. Já classificada na partida final, a França fez várias alterações, e participou de um jogo fraquíssimo com a Dinamarca, e o empate soou bem para todos. Parecia estar mesmo se poupando.

Nas oitavas, não tinha a posse de bola no começo, mas ainda assim era bem mais incisiva e perigosa. Criava mais chances até que abriu o placar com a penalidade máxima. Sofreu o baque, sentindo os gols da virada Albiceleste, mas conseguiu por a bola no chão e desempenhar, finalmente, o que é capaz. Precisou de apenas 11 minutos para mandar três bolas às redes de Armani. A França segue em frente na Copa com algumas falhas coletivas a serem consertadas. Foi melhor e mereceu a vaga, por parecer mais com um time. É premiada por conseguir distribuir essas capacidades entre seu escrete. Nesta partida, por exemplo, fez mais gols que na primeira fase toda, quando assinalou três tentos.

Argentina

Na primeira fase, foi trôpega. Já na primeira partida, demonstrou nervosismo e jogou tudo em Messi para tentar superar a muralha da Islândia. Não conseguiu, ficando apenas com um pontinho. Depois, veio o começo da calamidade: A derrota para a Croácia foi acachapante. O meio de campo dos europeus regeu a ruína albiceleste. A Argentina estava em colapso, mas precisava se reerguer e derrotar a Nigéria para se classificar. Por isso, fez uma partida cardíaca. Deu o coração para vencer e ir às oitavas completamente desgastada e desordenada. E esse quadro se repetiu.

Os comandados de Sampaoli acharam seus gols. Conseguiram virar o jogo no começo do segundo tempo, mas na montanha russa sentimental, sofreram com a potência francesa. Deixam a Copa com um cenário de fim de ciclo — especialmente para jogadores como Mascherano, aos 34 anos, além de outros medalhões que, a depender do tempo, decidirão seu destino, como Aguero, Di María e mesmo Messi. A bagunça estava no time, que não revertia os bons valores técnicos em um time. O comando técnico foi falho. E jogar a Messi toda a responsabilidade serviu para mostrar que o futebol é um jogo coletivo. E, como coletividade, a Argentina foi bastante confusa.

Messi diz adeus à Copa (Getty Images)

Como fica o chaveamento

A França vai às quartas e espera Portugal ou Uruguai (Fifa.com)

Ficha Técnica

França 4 x 3 Argentina

Local: Arena Kazan, em Kazan

Árbitro: Alireza Faghani (IRA)

Gols: Griezmann, Benjamin Pavard e Mbappé, duas vezes (FRA); Di María, Mercado e Agüeiro (ARG)

Cartões amarelos: Matuidi, Pavard e Giroud (FRA); Rojo, Tagliafico, Mascherano, Banega e Otamendi (ARG)

França: Hugo Lloris; Benjamin Pavard, Raphaël Varane, Samuel Umtiti e Lucas Hernández; N’Golo Kanté, Paul Pogba, Blaise Matuidi (Corentin Tolisso), Antoine Griezmann (Nabil Fekir) e Kylian Mbappé (Florian Thauvin); Olivier Giroud. Técnico: Didier Deschamps

Argentina: Franco Armani; Gabriel Mercado, Federico Fazio (Marcos Rojo), Nicolás Otamendi e Nicolás Tagliafico; Javier Mascherano, Enzo Pérez (Sergio Agüero) e Éver Banega; Angel Di María, Cristian Pavón (Maximiliano Meza) e Lionel Messi. Técnico: Jorge Sampaoli

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