Intercâmbio em Crise #1: No Epicentro do Corona

A história de Verônica, que apesar do Covid-19, realizou intercâmbio na Itália durante o pico de transmissão no país europeu

Mariana Prates
QUARANTENADA
6 min readJul 30, 2020

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De visita a Veneza, cidade que sempre tivera sonho de conhecer, e que mais a encantou durante toda a mobilidade. Foto: Verônica Toledo/arquivo pessoal.

Dia 28 de março de 2020, em decorrência da pandemia do Novo Coronavírus, a Diretoria de Relações Internacionais (DRI) da UFMG tomou uma série de medidas com relação às mobilidades estudantis.

Medidas adotadas pela UFMG com relação à mobilidades internacionais no site da Universidade. Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais

Uma que já conhecemos foi a suspensão das mobilidades internacionais por tempo indeterminado. Em meio a um cenário de instabilidade, parece prudente não enviar membros da comunidade universitária para o estrangeiro. Diante da medida, os alunos que iriam realizar intercâmbio pelo programa Minas Mundi no segundo semestre de 2020 andam se mobilizando para solicitar o adiamento da oportunidade para 2021 — mas deixarei para falar disso outro dia.

Apesar de frustrados e ansiosos, nós, os “MM 2020/2” passamos por todos os estresses e reviravoltas ainda de casa, o que facilitou toda a experiência. À época do surgimento do Coronavírus nós ainda estávamos na fase burocrática; correndo atrás de documentos, traduzindo cartas de motivação, pesquisando sobre processos consulares e et cetera. Mas e quem já estava lá fora?

Com o ápice do Coronavírus, em fevereiro e março de 2020, muitas universidades adotaram o regime educação à distância, e medidas de isolamento social foram tomadas no mundo inteiro. Diante do novo cenário, a UFMG aconselhou os expatriados que avaliassem bem a possibilidade de retorno ao Brasil.

Busquei junto à DRI quantos estudantes haviam sido mandados para instituições parceiras no início de 2020 e quantos permanecem no estrangeiro, mas ainda não foi possível repassarem os dados. Só sei que parte deles realmente voltou — fosse por instabilidade no país em que estavam, por questões financeiras ou a pedido de familiares. Outros decidiram continuar apesar das dificuldades, se adaptando à realidade inesperada imposta em seu período de intercâmbio. Voltando ou ficando, todos tiveram seus planos modificados, de alguma forma, pelo surgimento da pandemia.

Apesar de não ter o número exato de intercambistas enviados pela UFMG, sei que o grupo “MM Europa 2020/1” conta com cinquenta e oito membros. Na última semana, perguntei se eles gostariam de compartilhar suas histórias durante a pandemia, e para minha surpresa, vários se mostraram abertos a partilhar as experiências, os aprendizados e as frustrações pelos quais passaram nos últimos meses.

Sendo assim, decidi convocar meus colegas do primeiro semestre para dividirem comigo seus relatos (nem tão) enclausurados, como parte de minha experiência como Ex-Pré-Intercambista. Começamos pela Verônica, estudante da Escola de Arquitetura e Design que me procurou para compartilhar sua história enquanto ainda estava no fuso horário europeu, poucos dias depois de retornar ao Brasil.

A História de Verônica

Estudante de Arquitetura e Urbanismo
Cidade anfitriã: Cesena, Itália
Duração da mobilidade: 5 meses (fevereiro a julho de 2020)

Rota da Verônica durante o intercâmbio

Depois de tentar o processo seletivo do Minas Mundi duas vezes, a Verônica via o intercâmbio mais como um sonho do que uma realidade — tanto que, segundo ela, a decisão de se candidatar pela terceira vez a uma vaga veio bem em cima da hora. E deu certo!

Localização de Cesena, Itália. Foto: reprodução/Google Maps.

Foi assim que, sem nunca ter visitado o continente europeu e ainda sem dominar o idioma italiano, a estudante Verônica embarcou no início de fevereiro para um semestre em Cesena (lê-se “tchezêna”), região de Emilia-Romagna, ao norte da Itália. A escolha pelo país veio por ser uma referência de sua área, Arquitetura e Urbanismo, além do interesse que tinha pela cultura local. Sua instituição anfitriã seria a Universidade de Bologna (UniBo), que além da cidade que lhe dá nome, possui campi em Cesena, Forlì, Ravenna e Rimini, e um campus internacional em Buenos Aires (Argentina).

Meados de fevereiro, ainda se adaptando à nova casa e à nova realidade, ela aproveitou para visitar uma amiga que estava em Madri, na Espanha. Naquela época, o Coronavírus já era uma preocupação, mas ainda não havia medidas restritivas com relação a viagens no Espaço Schengen, zona de livre circulação de pessoas por entre países da União Europeia.

Na semana seguinte, ao final do mês, os impactos daquela doença desconhecida começaram a afetar seus planos iniciais —depois do primeiro dia de Verônica ao campus, a UniBo suspendeu todas as suas atividades presenciais e anunciou os testes do regime à distância. Apesar disso, as pessoas ainda estavam descrentes sobre a gravidade da situação. A ficha só caiu no dia 8 de março de 2020, quando o governo de sua região decretou a famosa lockdown. Ela conta que estava passeando por cidades próximas, e ao voltar para Cesena, descobriu que não poderia mais sair de casa: era o início do isolamento social.

Famoso gelato italiano pelas ruas de Cesena. Foto: Verônica Toledo/arquivo pessoal.

Duas estudantes italianas que moravam com Verônica voltaram para suas respectivas cidades, e ela se tornou a única no apartamento. Pergunto como foi se ver sozinha em um país desconhecido em um momento tão delicado. “Olha, eu tinha medo de passar mal e ninguém nunca ficar sabendo (risos). Mas as meninas sempre mandavam mensagem para conferir se eu estava bem, porque ficaram preocupadas de me deixar sozinha. Elas foram muito atenciosas”, diz ela.

Morando no epicentro do Coronavírus, ela tentou não consumir notícias sobre a pandemia para não gerar (ainda mais) ansiedade. Não deu certo. “Eu tentei, mas no mês de abril já checava as métricas todos os dias”, afirma, dizendo que apesar de estar isolada, via claramente que não era a única aflita com a situação. “O clima estava bastante tenso, você via isso andando na rua. As pessoas estavam neuróticas, elas atravessavam para o outro lado quando viam alguém vindo da calçada”, conta.

Uma dúvida que surge, é por que ela decidiu continuar na Itália, um dos países que mais sofreram com o Coronavírus na Europa, em vez de seguir as recomendações de retornar ao Brasil. “Eu já tinha pagado o aluguel até o fim do intercâmbio, e não iria receber o dinheiro de volta se decidisse ir embora. Eu também teria que comprar outra passagem para o Brasil ou tentar remarcar a que já tinha, o que de qualquer forma sairia bem caro. Além de que eu gastava pouco estando dentro de casa sem poder sair ou viajar; só com comida, mesmo. Se eu voltasse, ia sair no prejuízo”, ela conta. Sua família ficou preocupada de início, mas sabia que ela estava seguindo todas as recomendações de segurança, o que ajudou a apoiar sua decisão de permanecer em solo europeu.

Dois meses depois, com a chegada de maio, o governo italiano decretou a segunda fase de quarentena e flexibilizou o isolamento social. Já estava permitido viajar dentro de sua região, e no mês seguinte, para todo o país. Mas era possível perceber os impactos que o período deixara nas cidades: vários estabelecimentos continuavam fechados, e as ruas permaneciam bem mais vazias de pedestres do que haviam estado em fevereiro.

“As pessoas estavam com uma visão muito ruim da Itália, mas ao final do intercâmbio eu já estava indo para a praia. Foi tudo muito organizado. Daí hoje a vida lá está voltando ao normal, porque eles fizeram com que a quarentena funcionasse de verdade ”, conta ela. Antes de voltar, seus amigos em Cesena fizeram um piquenique de despedida em um dos parques da cidade, o que ilustra bem a reabertura pelo qual o país está passando.

Verônica voltou ao Brasil dia 8 de julho, na mesma época em que havia planejado voltar antes da pandemia. Apesar de todas as reviravoltas, ela diz que o período de intercâmbio valeu muito a pena. “Não foi o que eu esperava no começo, né. Tiveram dois meses de isolamento… Mas eu aprendi muito nesse tempo e não me arrependo de nada. Continuou sendo uma experiência e tanto!”, afirma ela de sua casa no interior de São Paulo, passando novamente pelo regime de isolamento social.

Piquenique surpresa feito por seus amigos para sua despedida de volta ao Brasil, com vista para o pôr-do-Sol de Cesena. Foto: Verônica Toledo/arquivo pessoal.

Fonte:

Verônica Toledo, estudante de Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Entrevista em 15 de julho de 2020.

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Mariana Prates
QUARANTENADA

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