Metacrônica #3

Ou “reflexões enclausur(t)adas de uma workaholic

Mariana Prates
QUARANTENADA
8 min readJul 3, 2020

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Talvez seja hora de mudar este lembrete. Foto: arquivo pessoal.

Quando firmei o compromisso de trazer uma nova reflexão sobre meu intercâmbio virtual a cada semana, eu não imaginava que seria uma tarefa tão árdua quanto se mostrou.

A ideia veio das Primeiras A(paris)ções, pela já conhecida palavrinha francófona hebdomadaire. Porém, é preciso nos lembrar constantemente que não estamos em nossas condições normais de temperatura e pressão. O tempo aparentemente “livre” em casa está envolto em circunstâncias extraordinárias demais, que tornam qualquer rotina de trabalho remoto muito mais complexa do que um simples home-office.

Antes da pandemia a vida andava muito bem, obrigada. Depois de éons no sedentarismo preguiçoso, havia conseguido firmar uma rotina de atividades físicas que vinha se mostrando bastante proveitosa, me deixando mais animada para o semestre que começava. Estava ansiosa com o corre-corre da documentação para o intercâmbio na Sorbonne, que estava previsto para setembro deste ano, ao mesmo tempo em que me engajava nas aulas da faculdade e nas extracurriculares. Fiz várias metas para 2020, inclusive algumas que hoje em dia me soam absurdas, feito “visitar a Rússia”.

Com o advento das recomendações de isolamento e a suspensão das aulas pela universidade, eu pensei: vixe. E agora? Dizem que cabeça vazia é oficina do diabo, e eu não queria ficar parada nem um segundo, no sentimento de que estaria desperdiçando a vida naquele meio tempo. Por isso, decidi me ocupar o máximo o possível para manter a normalidade em uma rotina claramente atípica e fatigante.

Nos últimos três meses, além da tensão de toda a pandemia, eu:

Comecei (e ainda não terminei) o curso de Produtividade Concentrada;

Por indicação de meu irmão, iniciei um curso que em teoria te ensina a ser uma pessoa mais organizada e focada nos próprios objetivos, como vimos nas Provações do Home-Office. Apesar de os módulos durarem ao todo três horas, três semanas depois, estou apenas na metade das aulas. Mas um dia chego lá;

Idem para um curso de edição de fotografia pelo celular;

Desde antes da quarentena, venho acompanhando perfis de fotógrafos e blogueiros de viagens pelo Instagram, e me interessei por um curso ofertado pelo Júnior Oliveira, fotógrafo do Rio de Janeiro que faz todo o seu trabalho por ferramentas do próprio telefone. Assisti às três primeiras aulas e fiquei bastante entusiasmada, mas achei melhor terminar as aulas de Produtividade antes de começar mais um.

Fiz aulas de francês;

Apesar das reviravoltas quanto ao Minas Mundi, permaneço firme nas aulas online da Aliança Francesa, todos os sábados às nove da manhã. Ainda temos fé que o intercâmbio acontecerá após o Coronavírus, mas se não, ao menos poderei escutar as notícias de terras longínquas às quais não irei, pela Radio France International;

E de russo;

Em outubro do ano passado, o Idiomas Sem Fronteiras (programa do Ministério da Educação para ensino de línguas estrangeiras nas universidades federais) ofertou pela primeira vez o curso gratuito de Língua e Cultura Russa A1.1. Me inscrevi, e apesar do desespero para aprender o alfabeto cirílico, foi uma experiência interessante. Em maio de 2020 foi ofertado o segundo módulo à distância, e claro que me matriculei outra vez, apesar de todo o sofrimento envolvido no aprendizado de um idioma feito russo;

E de debates;

Em março, antes da suspensão das atividades presenciais na UFMG, o ISF ofertou a aula de Conversação e Argumentação de Temas Socioculturais — em francês. Apesar de já fazer aulas francófonas, eu estava à época apenas com uma matéria no campus, de forma que pensei “opa, vamos lá”.

Foi um espaço muito interessante para, bom, debater, mas a experiência não acabou bem. Na última semana de aula, com a convergência de diversas tarefas diferentes, me esqueci de enviar as duas atividades finais para o professor. Algo que não teria sido grave, não fosse o fato de que ambas, juntas, valiam metade da nota total. Resultado: reprovei. C’est triste, quoi.

Nota final: 50 em 100. Fonte: arquivo pessoal/site do iUFMG.

Me tornei revisora freelancer de artigos acadêmicos;

Há cerca de três semanas, em um grupo de Whatsapp, me deparei com uma amiga pedindo contatos de revisores textuais para um conhecido. Depois de quatro anos sendo a boa-samaritana de Humanas que corrige os trabalhos alheios a 0800, mandei a seguinte resposta:

O início de minha carreira de freelancer. Foto: arquivo pessoal/Whatsapp.

Assim comecei minha jovem, porém bem-sucedida carreira de revisora, sendo contratada para ajeitar um artigo de vinte páginas sobre Agronomia. Considerando os avanços do mercado jornalístico e as oportunidades de freelancer, decidi continuar com os jobs, que vêm se mostrando proveitosos.

(Se alguém quiser me contratar, por sinal, favor entrar em contato);

Recebi (e aceitei) um convite para me tornar repórter da Galaxy;

A Revista Galaxy é uma mídia independente sobre moda, música e entretenimento idealizada por uma colega das Relações Públicas, Júnia Cardoso, em seus anos de Ensino Médio. O projeto andava parado até o final de 2019, quando as atuais membros decidiram se dedicar novamente a ele. Em fevereiro deste ano fui chamada para contribuir com o núcleo de redação, e aqui estamos desde então!

O último post por lá sobre o rock nacional Foto: revistagalaxy.com.br

Aceitei ser a escritora não-tão-fantasma do travel book de meu irmão:

Após três meses preso em São Paulo, o pobre de meu irmão Felipe conseguiu voltar para Belo Horizonte, de onde continua tocando seus projetos de marketing digital. Um dia nós estávamos conversando sobre o Classe Econômica, um ebook sobre as experiências histórico-turísticas de um carioca no Leste Europeu, quando Felipe disse que deveríamos escrever um livro.

A verdade é que meu irmão possui relatos interessantes de suas peripécias pelo mundo. Ele já ficou perdido em um cemitério no interior da Alemanha em plena madrugada ao procurar um ponto de ônibus, por exemplo. No entanto, Felipe é o estereótipo das Ciências Exatas e não tem muito apreço pelas palavras; já eu não tenho relatos, mas tenho o apreço para fazê-los. Em outras palavras, sobrou para mim;

A ideia inicial era ser a escritora fantasma, não resisti a um prelúdio. Fonte: arquivo pessoal.

E por último mas não menos importante: voltei a escrever a ficção que citei nas Provações, que andava parada desde o início da faculdade.

Um belo dia, decidi dar uma olhada em minha pasta do Google Drive presunçosamente intitulada “Futuros Best-Sellers”, na qual estão todos os projetos que já tive de escrita criativa. Acabei caindo em uma ficção que comecei em 2018, “A Divina Tragédia”, cuja trama gira em torno de uma universitária que descobre estar sendo perseguida por um Encosto espiritual.

Depois de dois anos, o enredo me pareceu inédito. Mal pude acreditar. Estava completamente envolvida na trama, ansiosa pelo que viria a seguir, quando sem qualquer aviso prévio, a narrativa acabou no meio de uma frase. Jamais me senti tão atacada por um abuso que eu mesma cometi.

Percebi que para terminar de ler a história, vou precisar escrevê-la primeiro, o que é um ultraje. Adoraria pedir para outro escritor fazer isso por mim, mas temo que não seja possível. Infelizmente. Sendo assim, coloquei a escrita criativa de volta na lista de tarefas importantes.

A primeira página do arquivo no Docs. Foto: arquivo pessoal.

Além, claro, do intercâmbio virtual.

Acho que este não demanda grandes explicações.

Tudo isso ao mesmo tempo. Em outras palavras: surtei.

Depois de fazer tantas coisas, decidi que não faria mais nada. Desisti! Mandei em todos os grupos do Whatsapp que não me procurassem por uma semana, pois não ia responder nada que não fosse de vida ou morte. Passei sete dias comendo, dormindo, procrastinando tarefas e assistindo a séries da sessão clichê adolescente da Netflix, como se todas as minhas responsabilidades fossem de qualquer outra pessoa que não eu. Desinstalei os aplicativos de redes sociais, apesar de o desejo real tenha sido de desativá-las de vez por todas, sem querer notícia nenhuma do mundo lá fora.

A pausa não melhorou o sentimento de ansiedade perante as várias coisas que demandavam minha atenção, mas serviu para mostrar que alguma coisa estava errada por ali. Fui me aprofundar sobre, e descobri que o sofrimento mental nos brasileiros subiu durante o período da quarentena. Pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade de Yale (EUA) colheram depoimentos de aproximadamente duas mil pessoas das cinco regiões do país, em março e abril, para medir possíveis oscilações de humor neste período.

As métricas do segundo mês mostram alta de 50% nos casos de depressão e 80% de estresse e ansiedade nos entrevistados, em comparação ao primeiro mês de isolamento. Ainda de acordo com os pesquisadores, o aumento foi mais significativo em mulheres. Diversos fatores contribuem para o agravamento, dentre eles a alimentação desregrada, o sedentarismo e a ausência de acompanhamento psicológico durante a pandemia.

No mesmo tópico, a Organização Mundial da Saúde lançou, no início de março, uma cartilha intitulada Considerações psicossociais e de saúde mental durante o surto de COVID-19. No penúltimo tópico das recomendações, lemos: “permaneça conectado e mantenha suas redes de contatos (…) Em momentos de estresse, preste atenção a seus próprios sentimentos e necessidades. Realize atividades saudáveis que você gosta e acha relaxante. Faça exercícios regularmente, mantenha uma rotina de sono e tenha uma alimentação saudável”.

Analisando minha tentativa de manter a normalidade perante um cenário atípico, percebi que não estava seguindo à risca as recomendações da OMS. Na verdade, pode-se dizer que estava fazendo justamente o contrário. Parei com a rotina de exercícios, que andava disciplinada até meados de março. Diminui as horas de sono, apesar de estar em casa em todos os momentos de um dia sem grandes reviravoltas. Perdi o (web) aniversário de uma amiga, porque estava atarefada demais para comparecer, em um sábado à noite. Sábado! Com medo de manter uma postura ociosa perante uma crise, acabei deixando de lado outros fatores importantes como o bem-estar físico e mental.

Por isso, decidi desacelerar um pouco minhas tarefas, incluindo o intercâmbio virtual. Cabeça vazia pode até ser a oficina do diabo, mas parece que a cabeça cheia demais também não é sinônimo de Paraíso, ainda mais em condições extraordinárias.

Portanto, as reflexões permanecem não por semana, e sim quinzenais. Apesar de meu apreço pelo termo hebdomadário, por intercorrências do destino, ele permanece agora apenas como mais uma singela ironia do imprevisível.

Fontes:

- Pesquisa da Uerj indica aumento de casos de depressão entre brasileiros durante a quarentena, Diretoria de Comunicação da UERJ. 05/05/2020. Acesso em 27/06/2020
- Considerações psicossociais e de saúde mental durante o surto de COVID-19, Organização Mundial da Saúde. 18/03/2020. Acesso em 28/06/2020.

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Mariana Prates
QUARANTENADA

devaneios de uma escritora em crise de (pouca) idade