Pequeno Guia Prático de Descobertas Parisienses

Nas palavras de uma ex-intercambista: quais são as atrações da Cidade Luz que todo novato PRECISA visitar?

Mariana Prates
QUARANTENADA
10 min readOct 2, 2020

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Fonte: vecteezy.

Antes de o Coronavírus chegar em nossas vidas feito uma rasteira bem dada no escuro, eu já estava preparadíssima para os futuros perrengues internacionais.

Já havia enviado os documentos de candidatura para a Sorbonne Nouvelle, minha até então universidade anfitriã. Tinha até escolhido as aulas que gostaria de fazer nos seis meses que estavam por vir, depois de horas estudando a ementa de Jornalismo por lá. Seriam elas:

Ética e Comunicação
Gênero e Comunicação
Imprensa Europeia dos séculos 18 ao 20
Controvérsias Online
Francês nível B2.2
Língua e Metodologia Universitária
Literatura, Arte e Sociedade na França do século 21

Meu email de nomeação para a Sorbonne. 13 de março de 2020. Foto: reprodução/Gmail.

Além de mandar meu dossiê, também estava estudando os Guias Práticos de Ex-Intercambistas, para ter uma ideia do que me estaria por vir. Sempre que algum aluno volta do estrangeiro, a Diretoria de Relações Internacionais da UFMG solicita que ele faça um pequeno relato sobre sua experiência, para que sirva de base para os futuros viajantes. O Guia também traz o contato dos dos autores, caso queiramos tirar alguma dúvida em meio à viagem.

No entanto, como muito já foi dito por aqui, a pandemia chegou em meados de março e causou uma série de mudanças nos planos — a UFMG suspendeu as aulas presenciais, o comércio fechou por toda Belo Horizonte e nós passamos a adotar o regime emergencial de isolamento social. O mundo praticamente parou, e com ele, parte de nossas vidas também.

Tudo isso ocorreu antes que eu pudesse entrar em contato com os autores dos Guias Práticos, à procura de dicas sobre Paris. Semana passada, no entanto, revivi meus arquivos recebidos da DRI lá em fevereiro de 2020, no intuito de dar continuidade a meu projeto de correspondente estática sobre a capital francesa. A partir de um dos guias, entrei em contato com a Laís Zampol, ex-intercambista, e fiz a proposta: criar um Pequeno Guia de Atrações da cidade.

Ela topou!

Nossa convidada de hoje, Laís, apreciando um gelato parisiense (2013). Foto: arquivo pessoal/Laís Zampol.

A Guia da Vez

A Laís nasceu em São Paulo, mas em 2011, aos vinte anos, se mudou para Belo Horizonte no intuito de cursar Letras na UFMG. Em 2014 ela se formou como tradutora e professora de francês, profissão que exerce até hoje em São Caetano do Sul (SP).

Nesse meio tempo, em janeiro de 2013, a então estudante embarcou para Paris no intuito de cursar um semestre na Sorbonne Nouvelle e aprimorar seus estudos na língua local. A escolha veio pelo prestígio da instituição, considerada entre as cinco melhores da França pelo ranking de 2020 da Times High Education. Além disso, a instituição é a mais antiga do país e a segunda mais antiga do mundo, tendo sido fundada no ano de 1150. Só fica atrás da Università di Bologna (Itália), criada em 1088.

Entrando em contato com a Laís, expliquei minha situação de ex-pré-intercambista virtual e perguntei: se pudesse recomendar cinco atrações que valem a pena um novato na cidade, quais você diria?

Pequeno Guia Prático de Descobertas Parisienses

Por Laís Zampol (e Mariana Prates)

Sainte Chapelle

O quê: Capela gótica cristã
Onde:
arrondissement de Paris (Boulevard du Palais, 8)
Desde: século 13

Localização da Sainte Chapelle no mapa de Paris, cujos limites são delimitados pela avenida circular. Fonte: reprodução/Google Maps.

Fundada em 1248, a Sainte Chapelle (Santa Capela) foi construída pelo Rei Louis IX, hoje conhecido como São Luís para os católicos, para servir de capela para o então palácio real. Fazendo parte da arquitetura gótica medieval, ela é famosa por seus vitrais coloridos e por abrigar diversas relíquias de importância para o Cristianismo — como supostos vestígios da Coroa de Espinhos de Jesus Cristo e da Vera Cruz.

Exterior da Sainte Chapelle. Foto: Génération Voyage.

À época da Revolução Francesa, em 1793, a Capela deixou de abrigar celebrações e foi transformada em um depósito para arquivos da Justiça local. Durante quarenta anos ela foi deixada de lado, tendo sofrido também com depredações e descasos neste meio tempo. No século 19, porém, passou por uma reforma e segue como uma atração turística e religiosa desde então.

Veredito da Laís: “Quando visitei a Sainte Chapelle, não sabia o que estava me esperando. Ela era próxima de outro local que iria visitar, então acabou caindo no meu roteiro. Mas quando entrei na Capela, fiquei extasiada. Nunca, em todas as visitas que fiz na vida, um local me impressionou tanto num primeiro momento! Foi absolutamente maravilhoso ver todos os vitrais coloridos, mesmo que eles estivessem em reforma na época”.

Os famosos vitrais da Sainte Chapelle. Foto: Stephanie LeBlanc / Unsplash

La Conciergerie

O quê: Edifício histórico e vestígio do antigo palácio medieval
Onde:arrondissement de Paris (Boulevard du Palais, 2)
Desde: século 14

Localização da Conciergerie, Paris. Fonte: reprodução/Google Maps.

Junto da Sainte Chapelle, a Conciergerie é um dos principais vestígios que restam do antigo palácio real que havia à época medieval.

Vista externa da Conciergerie. Foto: Paris Zigzag

O palácio em si existia desde 1100, mas a Conciergerie foi anexada em 1313 pelo então Rei Felipe, o Belo — que, segundo historiadores, ganhou a alcunha por ser muito bonito. O nome do edifício vem de concierge, que significa “zelador” ou “porteiro” em francês. Era lá onde ficava o “olhador” do palácio, o que nos leva a crer que a Conciergerie era uma espécie de “portaria real”.

No século 18, o espaço foi palco de eventos mais acalorados. A Revolução Francesa de 1789 (já citada nas Segundas A(paris)ções), trouxe uma série de modificações no sistema político vigente até então, inclusive a abolição da monarquia. Criou-se também o Tribunal Revolucionário, cujo objetivo era julgar e condenar aqueles que lutassem a favor de ideais monárquicos e contra a revolução. Nessa época, a Conciergerie serviu de prisão para nobres e membros da realeza antes de sua execução, o que deu ao local o apelido de “antessala da guilhotina”. A prisioneira mais conhecida foi a Rainha Maria Antonieta, cuja antiga cela está aberta para visitação.

Veredito da Laís: “Para quem gosta da história da Revolução Francesa, a Conciergerie é uma aula! Apesar de ser um local pequeno para visitar, é muito interessante. Era pra lá que os prisioneiros eram levados para julgamento, e muitas vezes era dali que saíam para a guilhotina… O ponto alto é o aposento onde a Marie Antoinette ficou presa na época”.

Interior da “Sala dos Guardas”, construída em 1310, na Conciergerie. Foto: The Fella / Flickr

Palácio de Versailles

O quê: Residência oficial dos antigos reis da França
Onde:
Praça das Armas, Versailles (20km do centro de Paris)
Desde:
século 17

Localização do Palácio de Versailles, em Versailles, região metropolitana de Paris. Fonte: reprodução/Google Maps.

Apesar de a monarquia já não ser uma realidade na França desde a época da guilhotina, os antigos luxos dos regentes continuam firmes e fortes para apreciação popular.

A entrada do Palácio de Versailles. Foto: Chatêau de Versailles.

Situado a meia hora do centro de Paris, o Palácio de Versailles foi encomendado pelo então rei Louis XIV em 1631, como um símbolo da “glória e o poder” da monarquia. O palácio em si possui 2300 cômodos, e junto à área externa, ocupa a área de oito quilômetros quadrados — a mesma de todos os campi da UFMG somados (Pampulha, Saúde e Montes Claros).

Mas não fique surpreso. Até o século 18, o parque no entorno do Palácio ocupava oitenta quilômetros quadrados, ou dez UFMGs. Com a Revolução Francesa, mais uma vez, o povo indignado com os monarcas se apropriou de 90% do parque, que hoje é tomado pela cidade de Versailles.

Parte do Hamlet da Rainha, em Versailles. Foto: Guia Viajar Melhor.

Um das atrações é o Hameau de la Reine (algo como “aldeia da rainha”), refúgio pitoresco construído em 1780 para a Rainha Maria Antonieta, esposa do rei Louis XVI. Aos moldes de um vilarejo interiorano, o local foi feito para que a monarca pudesse “se distanciar” de seus afazeres reais, se “fantasiando” como uma simples camponesa da zona rural. A réplica de uma fazendinha, incrustada em meio a todo o luxo da morada imperial.

Desde 1979, Versailles é Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. O espaço funciona como um museu de exposições permanentes, de acervo da época dos reis, e temporárias, de diversos estilos — inclusive contemporâneos. Até festivais de música eletrônica já foram feitos por lá, imagina?

Veredito da Laís: “Sempre digo que é o local mais indispensável para visitar em Paris. É necessário, no mínimo, dois dias inteiros para visitar. Um somente para o palácio e outro somente para o domaine de Marie Antoinette. A dica é ir preparado para caminhar bastante, ou chegar o mais cedo possível para alugar uma bicicleta ou um carrinho para se deslocar até lá, antes de a fila ficar gigantesca. A melhor época para visitar (no primeiro semestre) é entre março e abril, fora da Páscoa. Como é no inverno, perde-se a beleza dos jardins floridos, mas em maio as filas já começam a ficar enormes”.

Interior do palácio. Foto: Vitor Pinto / Unsplash

Musée d’Orsay

O quê: Museu de arte europeia dos séculos 19 e 20
Onde:
arrondissement de Paris (Rue de la Légion d’Honneur, 1)
Desde:
1986

Localização do Museu d’Orsay, Paris. Fonte: reprodução/Google Maps.

Apesar de menos lembrado que o Louvre, o Musée d’Orsay (Museu de Orsay) é um dos mais importantes de Paris.

O prédio que abriga o museu existe desde 1898, mas funcionava originalmente como uma estação ferroviária que ligava a capital até o interior do país. Com o tempo, outras estações foram surgindo e a Gare d’Orsay (Estação de Orsay) foi diminuindo suas linhas, até que deixou de operar definitivamente em 1973.

“Autorretrato”, de van Gogh, uma das obras no catálogo do Museu. Óleo sobre tela, 1889. Fonte: Musée d’Orsay.

Cinco anos depois, o governo decidiu transformar a antiga estação em um museu. Com cerca de três mil obras, o acervo é voltado para a arte europeia (sobretudo francesa) dos anos 1848 a 1914. A exposição permanente reúne pinturas, esculturas, fotografias, artes gráficas e decorativas de diversos movimentos artísticos, principalmente impressionista e pós-impressionista, de nomes reconhecidos como Paul Cézanne, Auguste Renoir, Vincent van Gogh e Claude Monet.

Veredito da Laís: “Por mais que o Museu do Louvre seja mais famoso, eu gosto mais da coleção do Musée d’Orsay. A arquitetura é linda! E é muito mais fácil de se localizar e visitar do que o Louvre, pelo tamanho do acervo”.

Salão principal do Museu, na antiga plataforma da estação de trem. Foto: Médiathèques d’Évreux

Mémorial de la Shoah

O quê: Memorial às vítimas do Holocausto judeu
Onde:
arrondissement de Paris (Rue Geoffroy l’Asnier, 17)
Desde: 2005

Localização do Mémorial de la Shoah, Paris. Fonte: reprodução/Google Maps.

Estima-se que seis milhões de judeus tenham sido mortos pelo regime nazista entre 1933 e 1945 — cerca de dois terços da população judia que residia na Europa antes da Segunda Guerra. O genocídio é por vezes chamado de Shoá, do hebraico “a catástrofe”.

Entrada do Memorial. Foto: Paris Zigzag

Fundado em 2005, a história do Memorial da Shoá vem ainda dos tempos do Holocausto. Em 1943, um grupo de judeus franceses fundaram clandestinamente o Centro de Documentação Judaica Contemporânea, no intuito de reunir provas contra a perseguição de seu povo na Europa.

Em 1957, o Centro inaugurou o Memorial do Mártir Judeu Desconhecido, com fotografias e histórias de vítimas do regime nazista. Já em 2005, foi acrescentado o Muro dos Nomes, que traz os nomes de todos os judeus que foram deportados da França entre 1942 e 1944, quando parte do país esteve sob domínio alemão.

Desde então, o espaço ganhou o nome de Memorial da Shoá, funcionando como um local de memória e um centro de propagação da cultura do povo judeu.

Veredito da Laís: “O Memorial nos ensina sobre a Segunda Guerra e os horrores do Nazismo… É uma visita bem impactante, que não tem como não emocionar”

Muro dos Nomes, Foto: Paris Zigzag.

Apesar de já ter passado brevemente pela França em minha adolescência (singelos três dias de viagem), não conheci nenhum dos pontos indicados pela Laís. Alguns já estavam na minha lista de desejos para o (falecido) intercâmbio, como o Palácio de Versailles, que se tornou o primeiro da fila após maratonar a série Versailles, da Netxlix, que narra a construção do palácio em meio ao luxuoso (e autoritário) reinado de Louis XIV. Outros, como a Conciergerie e o Memorial da Shoá, são totalmente novos e me deixam ainda mais ansiosa para traçar um roteiro pela cidade.

Espero ter a oportunidade de seguir as dicas turísticas em breve!

Fontes:

- Laís Zampol, tradutora e professora de francês graduada pela UFMG e ex-intercambista na Sorbonne Nouvelle. Entrevista em 23/09/20.
- Décrouvrir l’histoire, Palácio de Versailles. Acesso em 29/09/20.
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História do Memorial da Shoah, Mémorial de la Shoah. Acesso em 29/09/20.
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Visitar a Santa Capela, Génération Voyage. 29/07/19. Acesso em 28/09/20.
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História do Museu, Musée d’Orsay. Acesso em 27/09/20.

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Mariana Prates
QUARANTENADA

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