A minha passagem pelo Atlético Mineiro: iniciativas e aprendizados

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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22 min readJan 26, 2022

Comecei o ano de 2021 com um objetivo claro: queria trabalhar com inovação dentro do futebol brasileiro. Sempre me incomodei com o fato de que escrevia artigos sobre o assunto (inclusive, um white paper), mas nunca tinha tido a experiência de estar no dia a dia de um grande clube. Ora, como eu, de fora, poderia apontar caminhos sem conhecer as dificuldades existentes para fazer as coisas acontecerem? Sabia que era possível e que era capaz, mas queria e precisava mostrar na prática.

Por isso, quando em janeiro o Leandro Figueiredo, diretor de negócios do Atlético Mineiro, me ligou para me perguntar se eu tinha interesse em trabalhar por lá como gerente de inovação, não pensei duas vezes. Foram apenas 10 meses, mas 10 meses muito intensos, de muito trabalho e bastante aprendizado. E o que farei neste artigo é compartilhar tudo que foi feito ao longo deste período na área de inovação, o que deu certo, o que deu errado, o que faria diferente, enfim, um grande resumo da minha passagem pelo Galo, que foi muito marcante na minha vida profissional.

A Inovação na estrutura do Galo

O cargo de gerente de inovação no Atlético foi criado em março de 2021; foi o primeiro clube do Brasil a ter um profissional remunerado exclusivo para tocar a pasta. Antes disso, o Athletico tinha inovação em sua estrutura, mas comandada pelo diretor de comunicação e marketing, e o Cruzeiro tinha um superintendente de inovação, porém, na época, voluntário.

Dentro do Galo, a inovação fica abaixo da diretoria de negócios, e tem como pares as gerências comercial (Pedro Melo) e de marketing (Renan Cavalcanti). Comercial e Marketing são responsáveis pelas linhas de receita tradicionais de um clube de futebol, como patrocínios, sócio torcedor e ingressos — estes junto à diretoria de infraestrutura e a gerência de TI. Já a gerência de inovação tem basicamente três objetivos:

1) o principal é buscar novas fontes de receita. Costumávamos falar internamente que “dinheiro novo é dinheiro bom”, não interessa se muito ou pouco; se antes uma linha de receita não existia e passou a existir, estávamos satisfeitos, a questão era continuar trabalhando para crescê-la.

2) ter um olhar para o futuro, o que significa estar atento a como novas tecnologias e novos modelos de negócio irão impactar o futuro do clube. Não necessariamente as iniciativas tinham como meta fazer dinheiro imediato. Também queríamos experimentar, testar para aprender fazendo e não vendo os outros fazerem. Foi o caso, por exemplo, da realidade aumentada, que não gerou receita no meu período no Galo, mas foi muito importante para entendermos como esta tecnologia pode influenciar mais a frente na relação do Atlético com seus torcedores e marcas. Falarei sobre isso posteriormente.

3) por último e não menos importante, queríamos posicionar o Galo como pioneiro, não somente no Brasil, como mundialmente. Isso é fundamental não só em valorização da marca, como em novas oportunidades de negócio que acabam surgindo. Afinal, quem não quer trabalhar com um clube reconhecido como inovador e vanguardista? Prova de que esse movimento deu resultado foram os inúmeros convites recebidos para apresentar o case do Atlético em eventos nacionais e internacionais, entrevistas para portais de fora do país… O auge foi a nossa ida para Dubai para participar da GITEX, a maior feira de inovação e tecnologia do Oriente Médio, ao lado de pessoas da La Liga Tech, PGA European Tour, fundador da Reebok…

Se você me perguntar se considero a posição da inovação na estrutura do clube a ideal, diria que não. Para mim (como escrevi no white paper), a inovação precisa permear todos os departamentos, inclusive os teoricamente mais burocráticos, como Jurídico, Financeiro e RH. Porém, outra máxima que sempre usamos foi que é maratona, não 100 metros rasos. Ou seja, para que se construa algo sólido, que cresça de forma orgânica por toda a organização, a decisão de concentrar a inovação inicialmente em Negócios foi inteligente, afinal é a diretoria com maior urgência — é sempre necessário conseguir mais receita — e onde conseguiríamos ter as “pequenas vitórias” para mostrar aos poucos que valia a pena investir na área, até começarmos a expandir para outras.

A primeira iniciativa no universo cripto — São Victor

Sem dúvidas foi a liderança do Atlético em iniciativas cripto no continente, e até globalmente, que mais chamaram a atenção. Tive muita sorte de ter um CEO como o Plínio Signorini, um cara familiarizado com o meio, e o supracitado Leandro Figueiredo, que deram bastante apoio desde sempre para entrarmos de cabeça nesse mundo. E também um Departamento Jurídico (liderado pelo Luiz Ribeiro, com o grande Gustavo Campolina e o prodígio Pedro Botelho tocando o dia a dia comigo) super ágil e com a cabeça aberta para abraçar o novo.

Ainda no início de abril, quando tinha um mês de clube, fui apresentado ao José Rozinei, o Nei, sócio da Footcoin, e ali começamos a desenhar o primeiro projeto juntos. A ideia era explorar os NFTs (não sabe o que são os tokens não-fungíveis? Leia este artigo que escrevi), naquele momento assunto em franco crescimento fora do Brasil, mas por aqui ainda pouco falado pela grande maioria das pessoas. Decidimos que, para uma primeira iniciativa, era necessário fazer algo mais simples de se entender, tiro curto: criar uma obra de arte digital representando um momento icônico da história do Atlético. Seria um NFT único e exclusivo, feito somente para aquela ação. O momento icônico escolhido foi a defesa de pênalti do ex-goleiro Victor, no último minuto das quartas de final da Copa Libertadores 2013, contra o Tijuana. Chamamos o Pedro Nuin, artista acostumado a recriar grandes momentos do futebol em desenho, para a missão. E o resultado ficou muito bacana, uma obra batizada de 2013 — São Victor.

Decidimos que a obra seria leiloada por 30 dias na Opensea, na época já o maior e mais conhecido marketplace de NFTs do mundo, a partir da primeira semana de maio. Não sabíamos o que esperar em termos de receita, nem mesmo se teríamos lances. Houve, inclusive, uma situação engraçada. Para lançar o projeto, organizamos uma live na TV Galo no Youtube, seguida por uma coletiva de imprensa, algo bem didático, explicando em pormenores o que eram os tokens não-fungíveis, suas características, exemplos que já tinham acontecido dentro do esporte… Quando abrimos para as perguntas, a primeira foi: “Quanto o Atlético espera arrecadar de receita?”. E a minha resposta basicamente foi: “Não sei”. Deu para ver o quanto esta resposta foi impactante, afinal o meio do futebol está tão acostumado a ter certeza sempre, como um clube iria entrar em algo sem saber o quanto poderia ganhar? Mas era a verdade. Nosso objetivo neste caso não era financeiro. Estávamos muito mais interessados no posicionamento e no aprendizado, em testar esta nova tecnologia, a plataforma, o apetite das pessoas, o tipo de obra de arte, o formato do lançamento… Claro, o risco e o custo eram irrelevantes (tanto a Footcoin quanto o artista aceitaram participar sendo remunerados apenas no sucesso), o que também facilitou bastante. Mas como estamos falando de algo muito novo — o primeiro projeto de NFTs do mundo foi feito em 2017 -, costumo dizer que ainda não existem certezas neste caso, apenas opiniões; as certezas só virão quando colocarmos a iniciativa na “rua”, nas mãos das pessoas. E foi o que fizemos.

Acabamos, entretanto, vendendo a obra por 2 ETH (a criptomoeda da rede Ethereum, blockchain onde a Opensea está baseada), na época pouco mais de US$5.000. Financeiramente acabou sendo muito positivo, mas, como escrevi, o foco não era esse e sim em aprender. E quais foram os aprendizados?

- Apesar da Opensea ser a maior plataforma de NFTs do mundo, para quem não é versado em cripto, existe uma complexidade grande para se comprar um token. Primeiro, é preciso ter uma carteira cripto, como uma Metamask. Depois é necessário colocar criptomoedas nessa carteira, porém se você vai comprar ETH diretamente por ela, as taxas são impressionantemente abusivas. Por isso, é mais barato criar uma conta em uma Exchange, comprar ETH por lá e de lá transferir para sua Metamask. Há ainda um elemento chamado gas fee, taxa associada a todas as transações em Ethereum, que acaba deixando a participação em leilões como esse mais cara. Esta complexidade fez com que tivéssemos pouquíssimos lances na obra de arte;

- A escassez que optamos, com um NFT único, fez com que o preço se elevasse, o que também inibiu a participação das pessoas;

- Por último, a arte, apesar de muito bonita, também era de um estilo diferente das que estavam “bombando” na época na plataforma, geralmente obras bem coloridas, em 3D e com bastante movimento.

A coleção de camisas históricas na Binance

Nosso pioneirismo — fomos o primeiro clube de futebol da América do Sul e o segundo do mundo a leiloar uma obra em NFT, depois apenas do PSG — fez com que, no início de junho, fôssemos convidados pela Binance, a maior Exchange de criptoativos, para sermos uma das 100 marcas e artistas globais a inaugurar o marketplace de NFTs deles. E os nossos aprendizados com a iniciativa anterior nos ajudaram demais.

Decidimos que faríamos uma coleção de camisas históricas do Atlético, 13 no total, cada uma representando um ano importante na vida do clube. Para isso, convidamos o Flavio Markiewicz, artista 3D dos mais talentosos que já conheci e atleticano fanático. Sou suspeito para falar, mas o trabalho do Flavio ficou lindo, com tudo desenhado a mão, do zero, de forma tão perfeita que pareciam fotos e vídeos. Também decidimos que esta coleção começaria no final de junho, no dia do lançamento do marketplace, e iria até o final de dezembro, com uma nova camisa sendo lançada a cada duas semanas.

Outras escolhas importantes foram o formato dos NFTs e a escassez. Cada camisa teve duas versões, uma 2D (imagem estática) e outra 3D (vídeo). Cada versão 3D tinha 10 unidades e cada versão 2D tinha 400 unidades — as duas primeiras camisas, na verdade, tinham 990 unidades 2D cada, porém, ao percebemos que o ritmo de vendas diminuiu, ao longo da coleção adaptamos este número até chegarmos nas 400. Esta menor escassez também nos permitiu cobrar um valor bem menor por cada NFT. Os NFTs 3D entravam na plataforma em leilões de sete dias com lances mínimos de US$20 e os 2D eram vendidos a preço fixo de US$6 — depois, durante a coleção, começamos a colocar algumas unidades 2D em leilões de 48h, com lance mínimo de US$5, apenas para testar um novo modelo.

Por último, também adicionamos um elemento que hoje considero fundamental em qualquer projeto de NFTs: utilidade. Quem completasse a coleção de 13 camisas 2D ganhava um NFT extra, uma 14ª camisa que não seria colocada à venda, além de um vídeo de agradecimento de um jogador. Já a coleção 3D dava a quem a completasse, além do NFT extra e do vídeo de agradecimento personalizado, uma camisa oficial autografada pelo elenco e um ano gratuito de Galo na Veia Forte e Vingador. Essa atitude foi pioneira não só no Brasil, como no mundo, um modelo para onde, na minha visão, os NFTs irão caminhar, para atuarem como passes que destravam experiências e benefícios no mundo físico (escrevi um artigo sobre isso).

A coleção foi um grande sucesso. Não só o trabalho artístico foi muito elogiado, um verdadeiro resgate da história do Atlético, como os números foram bastante significativos. Todos os 6180 NFTs colocados à venda foram comercializados, gerando mais de US$45 mil de faturamento bruto. Em números absolutos, o Galo se tornou o maior vendedor de tokens não-fungíveis do marketplace da Binance. Foram 25 atleticanos que completaram as coleções (alguns fizeram tanto a 2D quanto a 3D), o que nos deixou bastante contentes. Nada melhor do que ver torcedores se engajando em um projeto novo, muitos deles nunca tinham comprado NFTs anteriormente.

Como aprendizados, destaco o fato de que a Binance, por ser uma Exchange, foi uma plataforma bem mais fácil de usar por um usuário não versado em cripto. Além de ser simples criar uma conta, basta fazer um PIX e depois transformar seus fundos de reais em BUSD — a stablecoin da Binance vinculada ao valor do dólar. Tivemos alguns problemas com a plataforma nas primeiras camisas, mas depois tudo se acertou. Normal para algo que tinha acabado de ser lançado (ressalto aqui a ajuda da Bruna Grybogi, da Binance, fundamental para que tudo ocorresse bem). Também vale destacar que a decisão de diminuir a escassez para cobrar um preço menor ajudou demais a aumentar a participação das pessoas, certamente uma escolha acertada.

Tinha o plano de fazer uma exposição física dessas camisas na sede do clube em 2022; apesar de não estar mais no Galo, quem sabe não conseguimos organizar isso?

A parceria com a Betano na coleção do título brasileiro

No final de outubro, início de novembro, com a boa perspectiva do Atlético ser campeão brasileiro, começamos a pensar em uma coleção de NFTs para celebrar o feito. Na nossa cabeça era claro que não poderiam ser apenas as artes digitais, elas deveriam vir acompanhadas de benefícios no mundo físico. Daí surgiu a ideia de criar uma coleção onde todos os NFTs desbloqueassem experiências e produtos oficiais, algo até então inédito. No projeto inicial, seriam 50 NFTs (representando os 50 anos do último título brasileiro do clube, em 1971) em três categorias distintas, cada uma com um nível de escassez diferente, o que obviamente impactaria no preço e nos prêmios associados aos tokens.

Naquele momento tinha acabado de conhecer o pessoal da Crypto.com, que estava começando a entrar no Brasil e tem um marketplace de NFTs com curadoria; não é qualquer um que consegue fazer um drop na plataforma, até porque a empresa ajuda demais na promoção, o que consideramos uma vantagem, pois teríamos nossa coleção com destaque e não “perdida” no meio de milhões de outros projetos. Mais ou menos na mesma época tive uma reunião com a Betano, nosso patrocinador principal, que queria entender melhor tudo que havíamos feito no universo cripto, pois estavam interessados em experimentar os NFTs também — mais uma vez o pioneirismo do Galo rendendo frutos. Foi aí que ligamos as pontas. A gente queria lançar um projeto ousado, com experiências relevantes, o que teria um custo para o clube, e a Betano queria fazer sua primeira iniciativa com tokens não-fungíveis. Por que não levar o projeto à empresa e fazer a primeira coleção patrocinada de um clube de futebol, em um marketplace com curadoria e que ajudaria na promoção?

Apresentamos a ideia a Crypto.com, que deu sinal verde, e depois à Betano, que curtiu e ajudou a lapidá-la. Aqui vale citar pessoas fundamentais para que tudo saísse do papel: Valentina Pachon, da Crypto.com, e Manos Stefanopoulos e Arthur Niggeman, da Betano. Chegamos ao seguinte desenho: seriam de fato 50 NFTs de três categorias.

Nível 1 — “The Betano Effect” — um NFT único, que não seria colocado à venda; para concorrer, seria preciso participar e completar uma missão no site da Betano. Quem ganhasse esse NFT teria passagem aérea para o Brasil e hospedagem de três dias em Belo Horizonte; motorista particular; visita ao CT para bater bola com os jogadores e almoçar com eles no refeitório; assistir a uma partida do Galo no gramado; camisa usada pelo jogador em campo; camisa autografada pelo elenco; e outros produtos oficiais.

Nível 2 — “The Golden Edition” — quatro NFTs em leilão por 7 dias com lance mínimo de US$5 mil. Incluía passagem para o Brasil e hospedagem em BH; visita ao CT; encontro com jogadores; ingressos VIP pra um jogo; camisa usada por um jogador em campo; camisa autografada pelo elenco; e outros produtos oficiais

Nível 3 — “The Silver Edition” — 45 NFTs a US$200 cada, com camisa oficial autografada e outros produtos oficiais.

Lançamos a coleção, batizada de “Atlético Brazilian Champions powered by Betano”, na manhã do dia 20 de dezembro. Em apenas dois minutos, os 45 NFTs Silver Edition foram vendidos e imediatamente o mercado secundário também começou a se movimentar — o Galo fica com 10% de royalties de todas as revendas. O Betano Effect teve mais de 20 mil participações na missão, também um grande sucesso. O Golden Edition, no entanto, não virou do jeito que imaginávamos. Apenas um dos quatro NFTs recebeu lances e foi arrematado por US$5.250. Os outros não foram vendidos e daí tiramos um aprendizado importante. Fizemos um drop muito preocupados com o público de fora do país, apostando no caráter internacional da plataforma. Acreditávamos que, ao incluir experiências incríveis, como passagens e hospedagem no Brasil, bate-bola com jogadores no CT e afins, conseguiríamos atrair um público global disposto a pagar caro. Mas não foi bem assim. Provavelmente se tivéssemos feito um drop com um maior número de NFTs cobrando um valor menor, teríamos conseguido um resultado financeiro melhor. Não que tenha sido ruim: foram mais de US$16 mil líquidos que entraram para o clube praticamente na última semana útil do ano, mas dava para ter sido mais. Lição aprendida! A repercussão, entretanto, foi excelente para todos os envolvidos, e acredito que novas coleções em parceria com marcas surgirão no mercado. Só para constar, Atlético e Betano ainda estão decidindo o que fazer com os três NFTs Golden Edition que sobraram.

Sorare e Socios.com, licenciamentos de marca importantes

Além das iniciativas próprias supracitadas, o Atlético também foi pioneiro em acordos com duas das maiores empresas que trabalham com cripto e esportes no mundo atualmente, a Sorare e a Socios.com, abrindo o mercado brasileiro para elas. Ainda em maio, na semana seguinte ao lançamento do NFT São Victor, começamos nossa jornada na Sorare, o fantasy game global de futebol, onde cards de jogadores em formato NFT são colocados em leilão e quem os compra monta seus times para competir por dinheiro na plataforma; uma espécie de Cartola cripto, onde o desempenho dos atletas em campo influencia na pontuação dos cards e dos times. Em pouco mais de oito meses, foram mais de 620 mil euros vendidos em cards do Galo. Claro que, por ser um acordo de licenciamento, o clube fica apenas com um percentual minoritário desse valor, porém se considerarmos que é receita em euros, estamos falando de uma quantia bastante considerável quando convertida para reais. E lembre-se, dinheiro novo é dinheiro bom!

No caso da Socios.com, lançamos nosso fan token (saiba mais aqui), o $GALO, em agosto e vendemos 850 mil unidades no dia do lançamento, gerando uma receita de US$1,7 milhão, sendo metade disso entrando nos cofres do clube. Foram mais de 16 mil pessoas de mais de 120 países comprando nossos fan tokens. Desde então, além de sorteios e ativações exclusivas envolvendo ingressos, camisas e outros produtos oficiais, os donos de $GALO puderam escolher um novo modelo de braçadeira de capitão (após todo jogo, a braçadeira usada em campo era assinada pelo capitão e sorteada entre quem tinha fan token), um novo layout para o ônibus das categorias de base, a música que toca no Mineirão quando os jogadores entram para aquecer, uma arte para a parede do vestiário no centro de treinamento… Reconheço que o clube pode ativar ainda mais a parceria e aumentar a utilidade do $GALO, o que acontecerá ao longo de 2022 (Disclaimer: deixei o Atlético para trabalhar como head de business development da Socios.com no Brasil).

Manto da Massa Inteligente

Quando cheguei ao Galo, o Manto da Massa já tinha sido um grande sucesso no ano anterior. Para quem não conhece, trata-se de uma campanha onde o Atlético convida torcedores para enviar um design de uma camisa, seleciona 13 finalistas e abre uma votação para a torcida escolher qual delas será lançada em edição limitada e com vendas por tempo determinado. Em 2020, 100 mil camisas haviam sido vendidas, recorde no continente. Para 2021, a meta era bater estes números e foi dado um desafio para a área de inovação de criar algo diferente, que gerasse ainda mais valor ao produto.

Sou amigo do Juan Iraola, na época diretor de transformação digital da Real Sociedad, e havia acompanhado a iniciativa que o clube tinha feito de vender camisas com chips NFC, que a tornavam inteligentes, desbloqueando upgrades de ingressos no estádio e cupons promocionais com parceiros. Daí surgiu a ideia de fazer o mesmo no Atlético. Se o Manto é da Massa, por que não transformá-lo em um novo canal de comunicação com a torcida, dando a quem comprou a camisa benefícios como cupons de desconto e participação em sorteios especiais? Nessa hora, meu costume de procurar programas de aceleração e desafios de startups pelo mundo para conhecer novas soluções ajudou bastante. Vi que o Real Madrid havia selecionado algumas startups para o NEXT, seu programa de inovação aberta, e uma delas, a collectID, da Suíça, oferecia exatamente a tecnologia que estávamos procurando. Não só eles tinham os chips NFC, como criaram a solução para registrar a camisa em uma base de dados na blockchain, comprovando sua autenticidade.

O acordo foi fechado (graças ao empenho do David Geisser e do Lukasz Bulawski, sócios da collectID) e o Manto da Massa se tornou a primeira camisa inteligente do Brasil, uma das primeiras do mundo. Por conta de uma integração muito bem-feita com nosso aplicativo, integração esta viabilizada pelo time da Sportheca, desenvolvedora do app do Atlético, os torcedores podem cadastrar a camisa em seu login no aplicativo, tornando-a única; podem ver no mapa onde tem torcedor com Manto da Massa em todo o mundo (se o usuário permitir, é claro); e ter acesso a uma área exclusiva, com resgate de cupons de desconto em parceiros de vários setores e participação em sorteios especiais. Já tivemos cupons de desconto na Buser, MM Veículos, ABC da Construção, Churrascaria Porcão, Havana e outros, além de termos dado um fan token gratuito para cada dono de camisa e realizado sorteios de roupas casuais, acessórios oficiais e álbuns de figurinha completos do Campeonato Brasileiro. Só com descontos disponíveis já dava para pagar o custo do Manto e ainda lucrar. Mas mais do que uma camisa inteligente, gostamos de chamá-la de camisa viva, pois ao torná-la um novo canal de comunicação, temos a opção de estar sempre adicionando novos benefícios, fazendo com que o Manto que as pessoas receberam seja diferente no que proporciona alguns meses depois.

Foram 125 mil camisas vendidas em 10 dias, recorde absoluto e repercussão global. Claro que o motivo do sucesso não pode ser atribuído aos chips NFC, ela certamente já venderia muito sem a novidade, até porque a criação do Lucas Adriano foi espetacular, uma das camisas mais bonitas que já vi, e a campanha, feita em parceria com a End to End, é muito bem pensada para engajar os torcedores. Mas também tenho a confiança de que, ao levarmos inovação a um produto que as pessoas não estavam acostumadas a ver, contribuímos para o resultado final. Dois pontos importantes: sim, o Brasil ainda tem muitas pessoas com smartphones não compatíveis com leitor NFC, por isso adaptamos a tecnologia para que quem não tivesse pudesse cadastrar a camisa em um aparelho com esta capacidade de um conhecido e depois poder usufruir dos benefícios no próprio aparelho. Bastava logar no app com seu login neste dispositivo compatível, cadastrar a camisa e pronto. Outro ponto é que, devido ao curto espaço de tempo que tivemos para realizar a ação, os chips só conseguiram ser colocados dentro da etiqueta interna do Manto, algo que muitas pessoas cortam, pois se incomodam. O ideal, na minha visão, seria pôr o chip embaixo do escudo, até por uma questão simbólica de apontar o smartphone para o coração para cadastrar e ter acesso à área especial. Mais um aprendizado para as próximas.

Galo AR

Sou um grande entusiasta de realidade aumentada. Para mim, é uma tecnologia com alto potencial de disrupção em diversos setores da sociedade e no esporte/entretenimento não é diferente. Dentro da nossa filosofia de aprender fazendo, ficou muito claro que era necessário começar a testar a RA e colocá-la nas mãos dos torcedores, para pegar feedback e ir familiarizando-os para o futuro. E surgiu uma grande oportunidade de implementá-la de forma permanente dentro do nosso aplicativo, graças a uma parceria com a ImagineAR, empresa canadense cujo dono, Alen Paul Silverrstieen, se tornou um grande amigo.

Tinha visto uma ativação incrível que eles haviam feito com o rapper Flo Rida, permitindo que pessoas fizessem vídeos dançando “ao lado” do artista, e pensei que seria muito bacana se a gente conseguisse fazer o mesmo no Atlético, mas com nossos jogadores. Mais uma vez, o time de desenvolvimento da Sportheca fez um grande trabalho de integração entre tecnologias e, em julho, lançamos o Galo AR, nossa funcionalidade de realidade aumentada no aplicativo. Nele, os torcedores podem tirar fotos e fazer vídeos com atletas como Hulk, Guilherme Arana, Nacho Fernandes e Zaracho em qualquer lugar. Também incluímos jogadoras do time feminino e nosso mascote, o Galo Doido.

Foi um grande sucesso: no dia do lançamento, tivemos um aumento de mais de 3000% no número de downloads do app em comparação com a média diária de downloads dos três meses anteriores. Nos 30 dias seguintes ao lançamento, o aumento na média diária de downloads foi de 431%. Um ótimo exemplo de uma iniciativa que não gerou receita direta, mas sim outros benefícios imediatos (aumento de usuários no aplicativo, tempo de permanência e engajamento), além, é claro, do aprendizado. Para 2022 há planos de se começar a testar uma caça ao tesouro, como se fosse um Pokemón Go, só que ao invés de caçar Pokemón, as pessoas caçariam imagens relacionados ao Atlético de maneira gamificada. Há ainda a possibilidade de se vender o Galo AR como propriedade comercial, gerando ativações offline para online e vice-versa para marcas.

Galo Ídolos

O Galo Ídolos foi a última iniciativa entregue antes da minha saída, nos últimos 15 dias de 2021. Trata-se de um projeto antigo, inspirado no sucesso da Cameo, empresa americana que permite que celebridades vendam vídeos personalizados para fãs e que hoje está avaliada em cerca de US$1 bilhão. Ao acessar a plataforma, as pessoas podem comprar vídeos com ex-atletas do Atlético, como Reinaldo, Éder Aleixo, Elzo e Sergio Araújo. Imagine dar para seu pai atleticano de presente de aniversário um vídeo do Reinaldo desejando parabéns? Certamente terá um valor afetivo muito maior do que presentes comuns, como roupas, por exemplo.

Além de ex-atletas, também estão no Galo Ídolos jogadoras atuais do time feminino e em breve celebridades que torcem para o Atlético. No futuro, a ideia é aumentar o cardápio de experiências ofertadas, adicionando coisas como vídeo chamadas individuais e coletivas, encontros presenciais…

Mais do que um novo negócio para o clube, trata-se de uma nova fonte de receita para atletas do passado, que muitas vezes passam dificuldades financeiras, além de tornar viva a memória do Galo, aproximando ídolos dos torcedores da nova geração. Pelo pouco tempo de plataforma no ar, ainda não há números relevantes e aprendizados para serem compartilhados, mas particularmente acredito que este projeto tem tudo para ser um sucesso.

Leilão de itens usados em campo

Há bastante tempo eu pensava o quanto os clubes deixavam na mesa uma ótima oportunidade de receita praticamente inexplorada no Brasil, os itens usados por atletas em partidas oficiais. Cheguei a escrever um artigo sobre o assunto meses antes de começar no Atlético. Por isso, era natural que a gente começasse a testar essa possibilidade no clube. Mas não é algo fácil. Existe no futebol máximas complicadas de serem abandonadas, uma delas é que “o vestiário é sagrado”. E mexer em algo enraizado requer tempo e paciência.

Para vocês entenderem, na maioria dos grandes clubes, cada jogador fica com as camisas usadas em jogos (às vezes até um kit extra não utilizado) e pode fazer o que bem entender com elas. É normal que essas camisas sejam dadas para parentes e amigos e, invariavelmente, se encontram tais camisas à venda em plataformas como Mercado Livre, sem que o clube seja remunerado. Porém, isso é basicamente o mesmo que dar dinheiro, ou melhor, abrir mão de ganha-lo.

Em 2021, fizemos leilões de camisas tanto com renda revertida para causas sociais, quanto como geração de novas receitas para o Atlético. No campo das causas sociais, logo na terceira rodada do Campeonato Brasileiro, o Galo enfrentou o Inter em Porto Alegre e o lateral Guilherme Arana sofreu um choque de cabeça, que abriu um corte profundo, deixando sua camisa suja de sangue. Como estávamos em junho, o Junho Vermelho, aproveitamos a ocasião para leiloar a camisa ensanguentada de Arana com renda para o Hemominas, ajudando a estimular a doação de sangue. A campanha, realizada com os parceiros da Play for a Cause, foi um grande sucesso e a camisa foi arrematada por R$5.100,00.

Já na geração de novas receitas, graças a uma parceria com a empresa holandesa Match Worn Shirt, fizemos alguns leilões especiais, com destaque para a camisa do Hulk usada na vitória por 3 x 0 contra o River Plate, quartas de final da Libertadores, vendida por 3800 euros para um colecionador chinês; e a camisa da estreia de Diego Costa, com direito a gol no jogo contra o Bragantino, pelo Brasileirão, arrematada por 1750 euros.

Por mais que o clube tenha avançado na questão em 2021, acredito que ainda há bastante espaço para melhora e para crescer o business. Estimo que em um ano de bom desempenho dentro de campo, é possível gerar cerca de R$500 mil ou mais líquidos em por volta de 10 jogos importantes. Número bastante considerável para ser deixado de lado.

Sports Innovation Alliance

Por último, vale destacar rapidamente a entrada do Atlético para a Sports Innovation Alliance, aliança de mais de 30 clubes ao redor do mundo, que se reúnem de forma periódica para trocar informações sobre inovação, soluções tecnológicas e conhecer startups. Foi um passo importante dentro do nosso objetivo de ser reconhecido globalmente como um clube inovador e nada melhor para isso do que participar ativamente das discussões sobre o assunto dentro da indústria esportiva.

Galo Ads

Muita gente creditou o Galo Ads, a ferramenta de anúncios em plataformas digitais do Atlético, como iniciativa da área de inovação, mas não era. Trata-se de um projeto que já estava em curso na época da minha chegada, concebido pelo Plínio Signorini e pela FanHub, startup tocada pelo amigo Marden Menezes. É, aliás, uma ferramenta incrível, que vale ser conhecida, pois permite que as marcas criem campanhas digitais mais assertivas de acordo com o target que possuem, além de dar a pequenos empresários a chance de ser um anunciante oficial do clube. No futuro, com o crescimento do número de propriedades digitais e uma base de dados maior, com conhecimento profundo sobre os torcedores que ali se encontram, espera-se que o Galo Ads se torne uma das principais fontes de receita do Atlético.

Projetos futuros

Deixei o Galo com projetos em andamento, alguns próximos de serem lançados, outros em fase embrionária. Tenho certeza que estes e novas iniciativas serão tocadas de forma brilhante pela Débora Saldanha, que assumiu como gerente de inovação no meu lugar, e o time de negócios. Gosto sempre de deixar claro que tratam-se de projetos do Atlético, não de uma pessoa, pois a inovação é pilar estratégico desta gestão, independentemente de quem esteja na posição. Por isso saí tranquilo de que haverá continuidade e melhorias no que vinha sendo feito.

Antes de terminar, é importante ressaltar que nada teria ocorrido não fosse o endosso dos meus superiores diretos (Plínio e Leandro), além do suporte dos meus companheiros de diretoria de negócios e de todos os outros departamentos, como Jurídico, Financeiro, Futebol, Infraestrutura, Planejamento, RH e Comunicação. Inovação é colaboração e ninguém faz nada sozinho. E é justamente nesse espírito de colaboração que resolvi compartilhar minhas experiências e aprendizados neste período inesquecível que passei. Espero contribuir para que outros profissionais não cometam os erros que cometi e para estimular que outras organizações esportivas abracem o tema. A inovação é pauta obrigatória em empresas de todos os setores e no esporte não é diferente. Vale muito a pena. Não é custo, é investimento. E investimento que se paga e dá lucro, como vocês puderam comprovar.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro