As MegaCasts e a fragmentação da audiência no esporte

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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5 min readJan 13, 2021

No último domingo (10/01) um assunto chamou a atenção nas redes sociais de quem acompanha e/ou trabalha com esportes: a transmissão de Chicago Bears x New Orleans Saints, pelos Playoffs da NFL, no canal infantil Nickelodeon. Com o objetivo de atrair o público da nova geração não acostumado a assistir a Liga, não faltaram inserções gráficas para deixar o jogo mais divertido — a End Zone, por exemplo, virou Slime Zone e todo touchdown foi acompanhado por uma “chuva” de slime verde; personagens famosos do canal, como Bob Esponja e Young Sheldon, torcendo, interagindo e explicando regras do jogo; e uma equipe especial de narrador e comentaristas capazes de se comunicar com uma linguagem própria para a faixa etária proposta. Ainda não é possível dizer se a transmissão foi mesmo um sucesso. Por mais que hashtags relacionadas a Nickelodeon tenham entrado nos trending topics na hora da partida e meu feed no Twitter estivesse cheio de pessoas comentando sobre, tratavam-se de adultos empolgados com a novidade; o público-alvo, lembre-se, eram as crianças. Será que os elementos apresentados na tela foram o suficiente para tornar cerca de três horas de transmissão atrativas o suficiente para prender a atenção dos mais jovens?

Seja qual for a resposta, a iniciativa foi muito mais do que válida, foi necessária, por alguns motivos. Um deles é que, por mais que a NFL seja a liga com a maior audiência nos EUA e sua próxima janela de contratos de transmissão possa bater (dizem!) US$100 bilhões, ela tem um problema: a média de idade dos seus fãs é de 50 anos. É preciso construir o público que irá garantir contratos bilionários nas janelas de negociação seguintes. Porém, existe um outro motivo ainda mais urgente que precisa ser levado em conta, que é a fragmentação das audiências e não só na Geração Z. Já escrevi sobre a Era da Atenção que vivemos; tal fragmentação é fruto justamente desta Era. A partir do momento que temos diversas possibilidades do que fazer na palma de nossas mãos, passamos a exigir ofertas que atendam a nossos gostos e preferências. E neste cenário surge a necessidade dos donos de direitos buscarem formatos diferentes para exibir seu produto premium, as partidas ao vivo.

O modelo tradicional de transmissão, one size fits all, já não conversa com todo mundo. Por que não abrir o leque de opções e deixar o público escolher a forma que mais lhe agrada? O conceito de MegaCast vem daí. Também conhecidas como Simulcasts, tratam-se de múltiplas transmissões de um mesmo evento esportivo (já escrevi sobre MegaCasts aqui, com vários exemplos pelo mundo, inclusive no Brasil). A lógica é que transmissões com estilos variados podem atrair diferentes grupos de pessoas, aumentando a audiência total do evento. Ou seja, o modelo de concentrar a audiência em um só local — algo cada vez mais difícil — dá lugar à pulverização do conteúdo em várias plataformas. A ESPN introduziu este conceito na final do campeonato universitário de futebol americano de forma bem-sucedida. Tanto que, nesta segunda (11/01), a emissora realizou pelo sétimo ano consecutivo uma MegaCast; a partida entre Alabama x Ohio State teve 14 transmissões distribuídas pelas plataformas da ESPN, como você pode ver na imagem abaixo.

O sucesso no esporte universitário migrou a iniciativa para a NFL. Quando a ViacomCBS fez a proposta de compra dos direitos de transmissão de um dos jogos dos Playoffs ofereceu à Liga não só a exibição na CBS Sports, mas também no Nickelodeon, canal que faz parte do grupo e que nos últimos anos já tinha feito programações especiais para edições do SuperBowl. Essa, no entanto, seria a primeira partida transmitida ao vivo no canal, com o apelo de falar para um público bem jovem, não acostumado a assisti-las. Sean McManus, Chairman da CBS Sports, disse em entrevista ao The Athletic que a inclusão do Nickelodeon foi parte importante para que a empresa ganhasse a disputa pelos direitos do jogo, pois a NFL viu valor na proposta de ampliar o público consumidor.

Porém, não foi só na CBS Sports/Nickelodeon que houve transmissões simultâneas. Como criadora do conceito, a Disney (dona da ESPN) não iria ficar de fora. A partida entre Baltimore Ravens x Tennessee Titans foi mostrada em seis plataformas diferentes: na ESPN e na ABC no formato tradicional; na ESPN2 teve o “Coaches Room”, com treinadores fazendo análises táticas; na ESPN+ o foco foi nas estatísticas e em apostas; na ESPN Deportes teve transmissão em espanhol; e a opção mais ousada, na linha do Nickelodeon, foi a exibição no Freeform, canal do grupo Disney cujo público-alvo é o feminino de 14 a 34 anos. A transmissão teve participação de influenciadores e artistas, com direito a show do DJ Khaled no intervalo.

“Todo o nosso modelo de negócios é baseado no alcance”, disse Hans Schroeder, executivo da NFL Media em entrevista ao Washington Post.

Se a atenção das pessoas está fragmentada em múltiplas plataformas, para se buscar este alcance é natural que se fragmente também a distribuição do conteúdo. As experiências no Nickelodeon, no Freeform e outras não devem ser analisadas individualmente. Na minha opinião, por exemplo, para se atrair crianças é preciso mais do que personagens infantis famosos e elementos gráficos na tela; senti falta de mais interatividade, algo que a garotada está acostumada a ter com os games. Talvez os números não tenham sido satisfatórios vistos isoladamente (ATUALIZAÇÃO: no Nickelodeon foram e muito: 2.06 milhões de pessoas, maior audiência do canal em 4 anos; no Freeform nem tanto, apenas 67 mil pessoas), mas se estas transmissões contribuíram para atingir pessoas que outrora não seriam impactadas, acredito que podemos considerar um sucesso. Afinal, o objetivo era mensurar a audiência total. Tanto que na mesma entrevista com o Washington Post, Schroeder não descartou novas experiências em canais de outros nichos no futuro, dizendo que “a NFL está aberta a possibilidades”.

Fico pensando em nossa realidade, se a Globo não poderia testar um modelo parecido, de repente na final da Copa do Brasil. Há o canal aberto, os canais Sportv, GNT, Multishow, Gloob, além do GE.com. Não conheço os acordos contratuais para entender a viabilidade, mas imagine a seguinte situação: na TV Globo e no Sportv1 modelos tradicionais; no Sportv2 uma transmissão focada em análise tática; no Sportv3 em estatísticas; no GNT uma transmissão com atrizes e influenciadoras; no Multishow uma versão humorística; no Gloob com foco infantil; e no GE.com diversas outras possibilidades, como assistir apenas com som ambiente e transmissões com torcedores dos times envolvidos. Será que valeria a pena? Fica a reflexão.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro