O poder das comunidades e a bola quicando para clubes de futebol

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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5 min readJan 11, 2023

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“Qualquer conjunto de indivíduos ligados por interesses comuns (culturais, econômicos, políticos, religiosos etc.) que se associam com frequência ou vivem em conjunto”. Esta é uma das definições da palavra comunidade, de acordo com o dicionário Michaelis. Ao lê-la, é fácil fazer uma correlação com clubes de futebol — ou qualquer outra agremiação esportiva. Esportes são um produto de comunidade por natureza, onde times e modalidades “vendem” uma identidade e pessoas, ao aceitarem-na, tornam-se automaticamente parte de um grupo, unidas por um ideal, mesmo que venham de diferentes backgrounds, classes sociais e etc… Quem aqui não foi a uma arquibancada e, no momento do gol, se viu abraçando alguém que nunca tinha visto antes — e que provavelmente nunca mais irá ver? Este é o poder do esporte, mas tal sentimento de união é muito pouco ou nada explorado pelas organizações.

Já é mais do que sabido que vivemos a Era da Economia da Atenção e que, por disputarem o bem mais valioso da atualidade com qualquer forma de lazer que alguém possa optar ao invés de consumir seus conteúdos, clubes de futebol precisam ser muito mais do que isto para manterem sua relevância, precisam ser verdadeiras plataformas de entretenimento. E se grande parte de nossas vidas acontece cada vez mais online, torna-se fundamental que exista um espaço digital onde torcedores/fãs possam se reunir, trocar ideias, viver experiências, ter voz ativa para dar sugestões e fazer críticas, acesso a benefícios… Em uma época na qual marcas competem com as mesmas ferramentas pelos mesmos espaços nos feeds de redes sociais das pessoas, ter um local especial para chamar de seu será cada vez mais um ativo valiosíssimo. Formar e alimentar uma comunidade nunca foi tão importante quanto agora.

Comunidades são fonte de conexão social e geram senso de pertencimento; estimulam uma colaboração entre marca e membros, e entre os próprios membros, colaboração esta que constrói valor. Comunidades engajadas melhoram produtos já lançados (ex: Sócio Torcedor) através de feedbacks e ajudam a criar novos ao se identificar as necessidades das pessoas — algo básico, mas que muitas vezes é esquecido no mundo do esporte, onde primeiro lança-se um produto para depois ver se é aquilo que os torcedores querem.

COMUNIDADE VS AUDIÊNCIA

Precisamos, entretanto, esclarecer um ponto muito importante: NÃO, seus seguidores no Instagram, TikTok, Twitter e outras redes sociais NÃO SÃO uma comunidade. Existe uma certa tara no mercado, não só esportivo, com métricas como número de seguidores, de interações, views e afins, o que gosto de chamar de métricas de vaidade. São aquelas que, entre grandes clubes, figuram na casa dos milhões, mas que muito raramente se traduzem em receita relevante e, pior, não criam uma relação direta com os torcedores/fãs — o controle dos dados é todo das plataformas e elas sim ganham muita grana com isso.

Em redes sociais se tem audiência e audiência é uma comunicação de mão única. O dono do perfil publica um conteúdo para pessoas consumirem. Claro, elas podem engajar com comentários e reposts/retweets, mas, por mais que possa haver uma troca de respostas, é algo individual, não convidativo para outros participarem, para se abrir um debate, pois tais plataformas não foram feitas para este fim. Além disso, não existe interação entre pessoas, pelo menos não interações que levem a formações de amizades ou sentimento de cumplicidade, uma vez que não há consistência em quem aparecerá naquela seção de comentários, por exemplo. Eis a grande diferença entre audiência e comunidade. Enquanto audiência é comunicação de mão-única, de um para muitos, comunidade é comunicação em várias direções acontecendo ao mesmo tempo, de muitos para muitos. É justamente destas trocas que se começam a criar laços fortes entre clube e torcedores, entre os próprios torcedores, e os supracitados ciclos de feedback e melhoria de produtos surgem.

A COMUNIDADE EM PROGRAMAS DE SÓCIO TORCEDOR

Vamos falar de um dos principais produtos de clubes de futebol no Brasil hoje, o sócio torcedor. Estamos falando de programas com milhares de participantes, que pagam religiosamente suas mensalidades, mas que invariavelmente são relegados a um papel extremamente passivo nesta relação. As comunicações são geralmente feitas via redes sociais e email, com baixíssima customização (“Olá fulano/fulana” não é customização), e as únicas formas de interação das pessoas são via comentários nas redes ou serviços de suporte — que, além de serem uma ferramenta mais voltada para reclamações e resolução de problemas, muitas vezes também não funcionam da melhor maneira. Quantos programas de sócio torcedor hoje convidam seus membros para uma plataforma exclusiva, onde podem interagir entre si, dar sugestões, tirar dúvidas, ter acesso a conteúdos e benefícios especiais? Onde podem ter o tal senso de pertencimento, de que são realmente parte importante do todo, não só pelo dinheiro que pagam, mas pelo tempo que dedicam e pelo que podem contribuir através destas interações. Quantos clubes hoje têm em seus times community managers contratados full-time, sendo os condutores do engajamento, moderação e ativação das comunidades? Posso estar enganado, mas particularmente não conheço nenhum.

DESAFIOS

Claro, criar uma comunidade não é simples. Primeiro porque não é algo feito de uma hora para outra e sim uma construção de longo prazo. Mas clubes têm uma vantagem em relação a marcas de outros segmentos: eles já têm na mão um mar de pessoas apaixonadas, que compartilham de um interesse em comum, dispostas a ter este relacionamento mais próximo e constante, o que facilita demais em tirar do papel. Outro ponto fundamental é escolher as pessoas certas que estarão 24/7 ali dentro, não só cuidando da moderação, mas principalmente desenvolvendo atividades que farão com que os membros queiram retornar todos os dias e estimulando discussões entre eles, que manterão a comunidade ativa. O estímulo para as pessoas ficarem deve ser sempre maior do que o estímulo para saírem e isto é um grande desafio no mundo de hoje, com tantas opções do que fazer a um clique de distância. Porém, com o tempo e o trabalho sendo bem-feito, naturalmente as pessoas vão retornando regularmente por conta própria, passam a interagir entre si sem a necessidade de um facilitador, passam a aplicar as regras e diretrizes entre elas, a organizar eventos, recrutar outros membros, sugerir melhorias, dar feedbacks… Quando isto acontece, o mundo ideal foi atingido e a comunidade ganhou vida.

Sim, dá trabalho, custa tempo e dinheiro. Significa se abrir para situações desconfortáveis, como perguntas difíceis que certamente serão feitas publicamente — e os moderadores precisarão estar bem-preparados e alinhados para respondê-las. Mas abrir uma plataforma de diálogo, onde o torcedor se sinta com voz ativa e ouvido, vai pouco a pouco construindo crédito e a tendência é que tais situações incômodas vão diminuindo.

Uma comunidade altamente engajada abraça o produto como seu e o promove com prazer para seus familiares, amigos e conhecidos, tornando-se uma força evangelizadora, muito mais poderosa (e barata) do que ads e outras ferramentas impessoais. Uma comunidade altamente engajada já é — e será cada vez mais no futuro — um dos recursos mais escassos. Trata-se de um ativo essencial e que deve ser explorado.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro