Repensando transmissões esportivas I — Gamificação

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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5 min readMay 25, 2020

É ponto pacífico que o mundo será diferente pós-pandemia e que todos os setores terão que se reinventar. O esporte será um dos últimos a voltar ao “normal”, pois, apesar de já termos campeonatos retornando — ou se planejando para isso nas próximas semanas -, ainda vai demorar para vermos ginásios e estádios lotados novamente. Provavelmente teremos que esperar uma vacina, que ninguém sabe quando ficará pronta e disponível. Assim, urge uma necessidade ainda maior de entidades esportivas e detentores de direitos, em conjunto, repensarem em como vão entregar seus produtos, evoluindo do modelo de transmissão tradicional para algo muito mais interativo, dinâmico e que atraia fãs com todos os gostos; ainda mais em um momento em que o modelo de distribuição linear dá lugar aos OTTs e suas infinitas possibilidades.

O mundo antes da pandemia

Mesmo antes da pandemia, o esporte e suas transmissões já precisavam passar por transformações. As modalidades competem não só mais entre si, mas contra qualquer forma de entretenimento pelo bem mais valorizado da atualidade: a atenção das pessoas. Como bem disse Peter Moore, CEO do Liverpool: “Existe muita disputa pelo tempo e apenas 24 horas em um dia”. Com tantas opções à disposição, até os fãs mais fanáticos estão mudando o comportamento. Uma pesquisa recente, feita pela Luker on Trends nos EUA, mostrou que estas pessoas dedicam apenas 11% do seu tempo livre para acompanhar seu esporte favorito. E estamos falando de fanáticos! O Sports Innovation Lab define o momento que vivemos como a “Era do Fã Fluido”; eles são cada vez menos apegados a paixões por clubes e modalidades, e trocam com facilidade seus gostos e preferências. Ou seja, para conversar com este público, é muito importante estar sempre inovando em meios de engajá-lo, seja em produção e distribuição de conteúdo, seja em formatos de competições.

A partir de hoje, vou escrever sobre algumas iniciativas que têm esta intenção e que já estão sendo colocadas em prática ao redor do mundo, mesmo que timidamente. Para começar, falarei sobre gamificação.

Gamificação

A gamificação de transmissões parte de uma premissa simples: o público hoje não consegue mais ficar 90 minutos ou mais parado em frente a uma TV assistindo passivamente a um evento esportivo. Não importa se trata-se do torcedor mais fanático, ele estará, pelo menos, com uma segunda tela, conversando com os amigos no Whatsapp, olhando o que estão falando nas redes sociais e compartilhando opiniões, alegrias e frustrações. A interatividade, por si só, não é novidade. Há anos emissoras abrem espaço para telespectadores mandarem comentários e perguntas ou fazem enquetes para saber quem vai ganhar uma partida, quem foi o craque do jogo… Porém, estou falando de ir muito além disso. Estou falando de permitir que os fãs participem ativamente da transmissão, sentindo-se importantes e dando a eles a possibilidade de ganhar algo pelo tempo que estão dedicando àquilo.

No início de 2019, na esteira da legalização de apostas esportivas em alguns estados dos EUA, a NBC Sports Washington testou uma transmissão alternativa de oito partidas do Washington Wizards na NBA; durante os jogos, cerca de 30 perguntas relacionadas às ações em quadra foram colocadas na tela, com um link para respondê-las de forma gratuita no site oficial da emissora. Ao final de cada quarto, um prêmio de US$500 foi dado aos participantes com melhor desempenho. Além disso, a transmissão também tinha estatísticas e odds de apostas à disposição durante todo o jogo. O sucesso fez com que a NBC repetisse a dose em quatro jogos de pré-temporada dos Redskins, da NFL, aumentando o valor para US$1.000; outros prêmios também foram oferecidos, como ingressos e produtos oficiais. Ambas as ações foram patrocinadas por players de apostas — MGM e FanDuel -, pois, apesar de terem sido gratuitas para participar, trataram-se de excelentes formas de cativar os telespectadores com a experiência e transformá-los em clientes (veja o vídeo abaixo para ver como foi).

Há outros exemplos, como os jogos do Thursday Night Football, no Amazon Prime Video nos EUA, e transmissões no NBA League Pass, que permitem que os assinantes deem palpites sobre o que vai acontecer no jogo. Estes, no entanto, não premiam os participantes. Outra experiência interessante são os jogos da G-League (liga de desenvolvimento da NBA) na Twitch, onde há várias opções de interatividade. Na plataforma, há um programa de loyalty points para quem tem conta na mesma. É possível ganhá-los respondendo perguntas preditivas no início de cada quarto sobre desempenho dos times, dando opinião sobre qual atleta será o destaque (se ele se destacar, ganha-se pontos) e até pelo simples fato de assistir às transmissões. Tais pontos são acumulados durante a temporada e convertidos em benefícios dados pela G-League e a Twitch.

No NBB, como fui responsável por todas as transmissões da temporada 2019/2020, consegui testar uma forma primitiva de gamificação em alguns jogos no Facebook. No início do 1º e 3º quartos colocamos perguntas preditivas na tela (ex: Quem será o cestinha do 1º tempo e com quantos pontos?) e os espectadores tinham até o final destes períodos para responder livremente nos comentários. Premiamos a primeira pessoa que desse as respostas certas com camisas oficias dos times que estavam em quadra ou bolas oficiais do campeonato. Apesar do caráter experimental e sem custo, a experiência foi um grande sucesso, em alguns casos com aumento de audiência próximo aos 300%.

Outras ações com jogos preditivos já foram realizadas, especialmente nos EUA. Apesar de não terem sido relacionadas diretamente às transmissões das partidas, vale a pena falar sobre. O Portland TrailBlazers criou o “Beat the Buzzer” durante todos os 17 jogos que fez nos Playoffs da temporada 2018/2019 da NBA; já o St. Louis Blues, da NHL, disponibilizou aos fãs o “Enter the Zone” durante os Playoffs da temporada 2018/2019, quando conquistaram o título. A NFL colocou em seu app uma plataforma de jogo preditivo no início da última temporada, quando celebrou seu centésimo aniversário. Todos os três puderam ser jogados gratuitamente por meio de smartphones e tiveram grande engajamento.

Há inúmeras empresas oferecendo estes produtos, prontos para serem colocados no ar, desde soluções integradas aos equipamentos de grafismo nas Unidades Móveis, passando por softwares mais robustos construídos dentro de plataformas de OTT até aplicações mobile que podem ser acessadas via app ou browser. Tive a oportunidade de conversar com várias destas empresas e todos os produtos são altamente customizáveis, com enorme potencial de gerar novas receitas. Basta ter a coragem e a visão para fugir do modelo convencional. Há um custo de implementação, claro, mas prefiro ver como um investimento com excelente perspectiva de retorno. A audiência concorda e agradece.

Artigo II: Novas Experiências

Artigo III: Megacasts e Watch Together

Artigo IV: Tecnologia potencializando estatísticas

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro