VI. Série previdência: Precisamos aprovar a reforma

João Marcos Salmen
Revista Jabuticaba
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5 min readJun 19, 2019
Fonte: which.co.uk

Em outro artigo para a Jabuticaba escrevi sobre a natureza das instituições extrativistas no Brasil, e como o sucesso do país depende da reformulação de tais instituições em direção a outras mais inclusivas. No texto, utilizei a reforma do sistema previdenciário como exemplo de reforma institucional inclusiva que precisa ser feita. Neste artigo pretendo explicar melhor sobre a urgência da reforma e trazer para o debate os pontos principais do projeto de emenda constitucional que está em tramitação no congresso.

Gráfico relação divida/PIB em no tempo. Fonte: Panorama Fiscal Brasileiro. Elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional.

A imprescindibilidade da reforma se dá por três principais motivos: o problema fiscal, a questão demográfica e a justiça. Não é surpresa para ninguém que a crise em que estamos é de natureza fiscal. A trajetória da dívida pública pode bater os 100% do PIB já em 2022, além do descontrole fiscal dos últimos anos, grande parte do crescimento do rombo é pela despesa previdenciária. Em 2016 gastamos 12,7% do PIB com o orçamento da previdência social — padrão de despesas escandinavo em uma sociedade relativamente muito mais jovem — e a despesa obrigatória com a previdência esse ano representa 53% dos gastos primários do governo. A PEC 06/2019, que é a PEC da previdência, projeta uma economia de R$ 1,236 trilhões em 10 anos. Dinheiro muito bem vindo para a volta do investimento em setores realmente caros a sociedade brasileira, como educação, saúde, infraestrutura e segurança.

Fonte: Instituto Mercado Popular

Mas não há só noticias ruins em Pindorama. A despeito de tudo, o brasileiro está vivendo mais e isso deve ser comemorado. A mesma transição demográfica que a França fez em 120 anos o Brasil fará em 21. A sobrevida em 2016 de uma pessoa que chega aos 65 anos é de viver pelo menos até os 83 anos. Porém, o bônus demográfico brasileiro, ou seja, o período no tempo em que a população ativa é maior que o numero de idosos e crianças, termina em 2030. É uma questão matemática simples perceber que o atual sistema previdenciário baseado puramente em repartição é insustentável ao longo prazo, não teremos jovens suficientes no futuro para pagar as aposentadorias de um contingente cada vez maior de aposentados. A aposentadoria por idade mínima atrelada ao tempo de de contribuição é o mais lógico e justo. A idade de contribuição de 65 anos para homens e 62 para mulheres está de acordo com a média do mundo e apenas outros três países possuem o direito de aposentar apenas pelo tempo de contribuição como é hoje, sendo isso quase uma jabuticaba.

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e isso reflete no sistema previdenciário. A maior parte dos aposentados pelo regime geral já se aposentam por idade. Isso acontece pois os trabalhadores mais pobres tem menos estabilidade em seus empregos e não conseguem contribuir o tempo necessário para se aposentarem por tempo de serviço. Então, quem se aposenta por tempo de contribuição são trabalhadores mais ricos que conseguem empregos melhores e mais estáveis, onde as atividades exercem mais esforço mental do que físico. Além de se aposentarem mais cedo, os trabalhadores mais ricos, principalmente os servidores públicos, recebem aposentadorias muito superiores aos trabalhadores que se aposentam pelo INSS e causam um rombo per capita gigantesco em comparação com os trabalhadores privados.

Fonte: G1

Em um sistema tributário claramente regressivo, a conta do rombo cai nas costas dos mais pobres e os subsidiados são os mais ricos. A proposta da PEC 06/2019 tenta resolver alguns desses problemas. A idade mínima equaciona a disparidade entre a idade da aposentadoria entre os diversos trabalhadores. A contribuição previdenciária também mudará e se tornará progressiva, para quem recebe até um salário mínimo pagará 7,5% para contribuição previdenciária, chegando a 16,79% para funcionários públicos que recebem mais de 39 mil . A aproximação entre o regime geral e o regime próprio dos servidores públicos é mais um passo para uma sociedade com menos privilégios.

Fonte: G1

O caráter fiscal, demográfico e de justiça se relacionam na hora de entender a urgência da reforma. O debate sobre a reforma da previdência no Brasil é antigo. Já se passou a muito o tempo do debate e uma proposta precisa ser aprovada. Mas uma reforma que realmente resolva os problemas fiscais, a nova estrutura demográfica e injustiças do atual sistema. Inclusive o texto proposto pelo governo facilita alterações futuras no sistema previdenciário, já que propõe a desconstitucionalização da idade mínima, tempo de contribuição e valor do benefício, bastando apenas uma lei específica para alterar as regras da aposentadoria. Embora a reforma da previdência ajude a aliviar o lado fiscal para o país alcançar o crescimento sustentável de longo prazo são necessárias muitas outras reformas. A reforma tributária e a reforma do ambiente microeconômico são alguns dos exemplos.

O que deve ser frisado é que qualquer conflito distributivo deve ser resolvido de forma civilizada. A reforma do governo não é perfeita, e devemos ter em mente que existem diversas maneiras para resolver os problemas do atual sistema previdenciário, mas não podemos perder de vista o que nos levou a ter que fazer uma reforma previdenciária. Desidratar pontos importantes quanto os da idade mínima e tempo de contribuição, dos privilégios perpetuadores de desigualdades e a própria economia a ser feita não é de interesse para o país no longo prazo, são só interesses dos grupos organizados que vão perder com a reforma. Esses grupos farão de tudo para permanecerem com seus privilégios, por isso devemos ficar atentos às informações que nos chegam e quem ganha com elas.

Esse texto é baseado em pesquisas do autor sobre a reforma da previdência e nos dados da Transparência da Nova Previdência expedidos pela Secretária da Previdência do Ministério da Economia. O texto também faz parte do projeto Revista Jabuticaba.

Veja também:
As reformas da previdência”, por Pedro Rezende.
Como é hoje?”, por João A. Leite.“Como funciona o regime de capitalização?”, por Ana Letícia Pastore.
O caso chileno”, por Felipe Carvalho.
“Ciência política & reforma da previdência”, por Paulo André Silveira Jr.

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João Marcos Salmen
Revista Jabuticaba

“It is a well known fact that reality has liberal bias.” ― Stephen Colbert