VII. Economia, pandemia e guerra: o desafio de juntar os destroços

Quando o ceteris paribus deixa de ser uma condição

Ana Letícia Pastore
Revista Jabuticaba
4 min readMay 29, 2020

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Na economia, o termo latim ceteris paribus significa “todo o mais constante” e é frequentemente utilizado na construção de teorias e modelos econômicos. De forma prática, o caeteris paribus elimina todas as especificidades que não podem ser controladas dentro da pesquisa.

Sabe o ser humano racional que anda quilômetros em busca do produto mais barato? Então, às vezes ele morre de preguiça e prefere comprar o produto mais caro na esquina de casa. Como estes são fatores fora do controle do pesquisador, tratamos todos como constantes e construímos uma teoria baseada nos elementos passíveis de controle.

Apesar de serem constantemente ignorados, a economia é cheia de especificidades incontroláveis. Revoluções, guerras, crises profundas e pandemias, nada disso é novidade; para algumas crises o remédio será o mesmo, para outras, não. Na pandemia desencadeada pelo novo coronavírus, não tardou para que seus efeitos na economia fossem comparados aos efeitos de uma economia pós-guerra.

Plano Marshall, reconversão industrial, protecionismo extremo ou a tentativa de colaboração entre países foram opções levadas à mesa nos últimos meses e, para aqueles que se interessam por economia e guerra, é possível perceber pontos muito semelhantes entre uma economia de guerra e uma economia de pandemia.

Fila para receber comida em Nova York após a crise de 1929

Bretton Woods e Plano Marshall

Recessão, escassez de crédito, produção em queda e reservas em risco em todo o mundo.

Era esse o cenário em 1944, período que sofria não somente com os efeitos da II Guerra Mundial, mas também com os destroços da crise de 1929. Na tentativa de retomar a economia, dirigentes de 44 países se reuniram na cidade de Bretton Woods, em New Hampshire, nos Estados Unidos. O encontro, que previa uma reforma no capitalismo mundial, trouxe à luz o acordo de Bretton Woods.

O acordo tratava, especialmente, da estabilidade da moeda no período. Para solucionar este problema primordial, a moeda de cada país deveria manter o câmbio congelado ao dólar que, por sua vez, se mantinha congelado ao ouro. Para garantir a execução do acordo e a garantia de que haveria dinheiro nas economias das nações, duas instituições financeiras foram criadas à época: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

“Esse sistema liberal, que primava pelo mercado e pelo livre fluxo de comércio e capitais, foi a base para o maior ciclo de crescimento da história do capitalismo. Com sua moeda regendo o mundo e supremacia nos setores industrial, tecnológico e militar, um país foi o grande vencedor: os Estados Unidos.” ¹

Logo do Plano Marshall

Anos depois, em 1947, os países europeus estavam empobrecidos e persuadidos pelo poder da União Soviética no período. Alarmados, o governo americano, à época o presidente Trumman, enviou o General George Marshall ao continente par acompanhar de perto a situação.

O medo de que uma Europa tão pobre se tornasse comunista fez com que o Presidente Trumann, em conjunto com o General Marshall, conseguissem a aprovação de fundo de $ 17 bilhões de dólares no Congresso Americano para reconstruir a economia europeia. O programa foi chamado de Plano Marshall. A ajuda se dirigia a setores variados, desde compra de alimentos à compra de máquinas e investimento no sistema de transporte.

A título de curiosidade: países aliados à União Soviética foram proibidos de recorrer ao auxílio.

Os dias atuais são repletos de semelhanças com períodos de turbulência econômica do passado. Desvalorização cambial, recessão econômica, negacionismo e isolamento de algumas nações perante as recomendações e alianças de organizações multilaterais são algumas delas. Tanta incerteza sobre o futuro gera instabilidade, dada a falta de clareza dos agentes.

Muitos almejam uma colaboração entre países para superar os danos. Alguns acreditam que fechar fronteiras e limitar a exportação é a melhor saída. Entretanto, em um mundo conectado economicamente pelas cadeias globais de valores, acreditar em uma ascensão solitária se mostra um plano cada vez mais falho.

Talvez nos reste cooperar e, juntos, juntar os destroços.

Este texto faz parte do projeto Revista Jabuticaba e dá continuidade a uma série especial de textos relacionados à pandemia do coronavírus.

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