Cavalo-de-troia chamado sororidade

ou apenas a máscara para sacanear outra mulher

Coletivo Aurora Maria
Revista Subjetiva
4 min readAug 9, 2018

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Reprodução (Google)

O feminismo é uma pauta liberal já há um tempo. Desde a década de 1920, Alexandra Kollontai escreveu como havia uma distância enorme entre as pautas das feministas burguesas e as pautas das mulheres trabalhadoras. Dessa forma, Kollontai percebe que tais feministas (burguesas) só desejam a igualdade de direito com os homens, porém, sem o fim da opressão de classe e sem a melhoria de vida das mulheres pobres da época. Com o passar dos anos, o movimento feminista classista, nascido dessa corrente de pensamento proposto por Kollontai (mas, claro, não só ela, como também Clara Zetkin e Angela Davis), onde colocava as mulheres trabalhadoras como impulsionadoras de mudanças, foi se diversificando. Além do gênero e classe, olhar as questões que envolvem etnia também passou a ser fundamental, sempre ligado à classe.

Apesar de ser um movimento importante e antigo na luta dos trabalhadores, o feminismo classista perde espaço frente ao feminismo liberal. Claramente, os patrões, burgueses, empresários não tem interesse na expansão de correntes de pensamento que visam a união entre a classe trabalhadora e dos mais pobres. Sendo assim, vemos crescer nas telas de TV programas onde o feminismo liberal é amplamente promovido, com propagandas como do Itaú Mulher Empreendora, quadros em programas como Amor & Sexo e Malhação. Falar do feminino, do empoderado, da sororidade está em alta, mas a distorção do real significado dessas palavras causa confusão teórica em quem está conhecendo o feminismo, ou, pior, pode fortalecer a desonestidade intelectual de supostas teóricas da luta das mulheres.

Falemos sobre sororidade, então…

Uma rápida pesquisa no Google nos mostra o significado posto a sororidade: relação de irmandade, união, afeto ou amizade entre mulheres, assemelhando-se àquela estabelecida entre irmãs. União de mulheres que compartilham os mesmos ideais e propósitos, normalmente de teor feminista.

Bonita ideia, porém desonesta e que foge à realidade. Em uma sociedade de classes, onde tal fato fundamenta a desigualdade de gênero, raça e salário, onde a mulher mais rica já falou que o salário deveria ser de 4 reais ao dia, como a união e o fim da rivalidade seria possível? Melhor dizendo: o fim da rivalidade feminina só seria possível com o fim da desigualdade entre os homens e mulheres, ou seja, com o fim da diferença de classes, etnia e gênero, todos eles juntos, pois eles não podem acontecer separadamente. Isso não se daria em um sistema capitalista, já que ele está fundamentado em desigualdade. Assim sendo, também não seria apoiado pelas feministas liberais e suas teóricas.

Porém, isso não impede que haja um malabarismo teórico que faça justificar certos conceitos com base na sororidade e empoderamento. A utilização hipócrita de um feminismo distorcido esquece, óbvio, a questão de classe e etnia, pois não lhes interessa o fim do que fundamenta a desigualdade entre os homens. É nisso que cresce o blá-blá-blá não-fundamentado em postagens rápidas no facebook e twitter: o mais recente sucesso disso é a postagem que justifica traição porque relacionamentos são opressivos e por isso devemos entender quando alguma mulher trai ou participa de uma traição. “Tenhamos sororidade! Não fique triste por eu ter te traído… somos mulheres e devemos nos apoiar!”, dizem.

Não só isso, mas a sororidade é uma ideia facilmente vendida, como uma máscara, para ser colocada em certas situações sociais, principalmente no meio feminino. É um cavalo-de-troia das mulheres desonestas que utilizam do feminismo a seu bel-prazer para sacanear, expor e atacar outras mulheres. A máscara da sororidade cai quando a hipocrisia vem à tona: é muito fácil pregar a união entre as mulheres enquanto nega a luta de classes; enquanto continua o abuso de torcer pela infelicidade de outra mulher apenas porque ela não satisfez algum plano seu; quando, mesmo sabendo dos males da indústria pornográfica, continua vendo mulheres sendo violentadas; e outros inúmeros exemplos poderiam ser utilizados aqui.

Enquanto o feminismo não se tornar uma pauta emancipatória, que, como dizia Kollontai, tenha o objetivo de “construir no local do velho mundo, obsoleto, um templo brilhante de trabalho universal, solidariedade fraterna e alegre liberdade”, não teremos a possibilidade de que essa união entre as mulheres seja real. E, ainda nesse sentido, teremos mais e mais mulheres desonestas e hipócritas utilizando do conceito distorcido de feminismo para justificar a aceitação de abuso com outras mulheres.

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