Superpopulação: a grande vilã do futuro da humanidade?

Andre Mazzetto
Revista Subjetiva
Published in
7 min readMay 19, 2017
O mapa do Inferno — Sandro Botticelli

No seu último best seller, o escritor americano Dan Brown abordou um tema polêmico. Isso não é novidade, já que ele tratou de temas controversos como a religião e a ciência em seus livros anteriores. Mas desta vez, em “Inferno”, Dan Brown provoca uma reviravolta surpreendente, onde tanto o vilão quanto os mocinhos do livro concordam que medidas extremas são necessárias para evitar uma catástrofe da superpopulção humana.

Foi estranho constatar que todos aceitaram o “fato inegável” do problema da superpopulação. Quando pensam no futuro, algumas pessoas entram em pânico. Outras preferem nem falar sobre isso. A cada dia que passa novos prédios gigantescos são contruidos nas Megacidades do mundo. A população continua crescendo, o que coloca uma grande pressão na produção de comida e no espaço onde estas pessoas vivem e vão viver. Como se isso não bastasse, ainda temos o fantasma das mudanças climáticas rondando o futuro. Tem gente por aí sugerindo que temos que ir para outro planeta.

O fato é que nas últimas décadas entramos em crescimento exponencial. Existe um modelo em Ecologia que descreve este crescimento quando uma população encontra um ambiente sem fatores limitantes (comida, espaço, fontes de energia, etc). Na verdade, o planeta tem sim fatores limitantes, mas nossa engenhosidade nos permitiu sobrepujar alguns deles. Com a revolução agrícola, a revolução industrial e a revolução sanitária obtivemos mais comida, mais cuidados básicos sanitários e avanços na medicina, o que nos permitiu viver mais e evitar mortes na infância.

Crescimento exponencial: será que continuaremos neste ritmo?

Apenas olhando para o gráfico você pode ter a impressão de que essa curva continuará ad infinitum, mas a verdade é que ela sofrerá uma mudança em breve. Não será nada catastrófico, pode ficar tranquilo.

Este texto apenas arranha a superfície dos dados disponíveis e pode parecer um pouco superficial (e ele é mesmo). Não conseguirei citar todas as fontes aqui, por isso cada um dos subtítulos abaixo terá o seu texto específico, dedicado a destrinchar as estatísticas mundiais e projetos em andamento. A cada novo texto, eu vou voltar aqui para deixar os links anexados. Se você tiver interesse, poderá mergulhar junto comigo na análise. Se não, fique com a mensagem principal deste texto: o grande problema da superpopulação não é a falta de conhecimento, são as idéias pré-concebidas e os dados ultrapassados.

Sim, o futuro será desafiador, mas a boa notícia é que nós já estamos melhor do que você imagina.

Número de filhos por família

Perguntinha rápida: Quantos filhos uma mulher tem (na média) em Bangladesh (o país mais povoado do mundo):

a) 2,5 b) 3,5 c) 4,5 d) 5,5

A resposta correta (talvez para a sua surpresa) é a alternativa a) 2,5. Esta pesquisa foi realizada com cidadãos britânicos comuns e depois apenas com universitários. Eu adicionei uma população na pesquisa: nosso “primos irracionais”, os macacos. Se cada alternativa fosse uma banana e 100 macacos fizessem a pesquisa, na média, por puro acaso, o resultado seria 25 escolhas para cada alternativa. Vamos ver a diferença com os britânicos:

Por puro acaso, os macacos acertariam mais do que o dobro do que os britânicos. A Nova Bangladesh está emergindo, onde as pessoas estão decidindo ter menos filhos, alguns até por motivos financeiros. O governo também implementou um plano de família, ajudando as pessoas obter mais informações sobre métodos contraceptivos. Esta é uma tendência mundial, independente de local ou religião. Hoje, casais com 2 filhos são a família mais comum no Brasil, Vietnã e até na Índia.

Morte na infância e expectativa de vida

As morte na infância diminui drasticamente. Há 600 anos um casal tinha em média 6 filhos, mas não havia crescimento populacional. Isso acontecia porque 4 dos 6 filhos morriam quando jovens.

O que aconteceu depois? Como já explicado lá na curva exponencial, a revolução agrícola, a revolução industrial e a revolução sanitária tiveram grande impacto. Em 1963, o número de filhos por casal era 5 com apenas uma morte na infância. Nas últimas 3 décadas houve o grande aumento populacional e agora nós estamos atingindo um novo equilíbrio, como em Bangladesh, onde um casal tem (na média) 2 filhos.

A previsão é de que a população mundial continuará a crescer para 8, depois 9, depois vai desacelerar até 2100 para 11 bilhões, formando uma curva em S, típica do crescimento populacional logístico. Há sim muita incerteza nos dados, mas está previsto o fim do crescimento populacional no final deste século. Essa quantia é mais ou menos inevitável se continuarmos hoje com um casal tendo dois filhos.

Crescimento populacional logístico: a curva mais comum quando são pesquisadas populações no ambiente.

Além disso, ainda está previsto que a partir de 2030 a expectativa de vida média atual (78 anos) aumentará para mais de 90 anos, um número que deve se manter até o fim do século. Isso significa ainda mais pessoas no mundo e (eu tenho certeza que você pensou nisso) mais tempo de trabalho também.

Local onde estas pessoas vão viver

Hoje, aproximadamente 1 bilhão de pessoas vivem na América (Norte, Central e Sul), 1 bilhão na Europa, 1 bilhão na África e 4 bilhões na Ásia e Oceania. É previsto que em 2100 seriam adicionados mais 3 bilhões de pessoas na África e 1 bilhão na Ásia e Oceania. Em 2100, 80% da população mundial viverá na Ásia, África e Oceania.

Renda

Se até aqui você não achou que eu sou otimista, provavelmente você achará neste ponto. Só pra esclarecer: não sou um otimista, sou um “possibilista”. Veja como era a distribuição de renda em 1975:

Dados: Gapminder

Esta curva é carinhosamente conhecida como “camelo”. Em 1975, 51% das pessoas no mundo viviam em extrema pobreza, com menos de 2 dólares por dia. O que aconteceu nos últimos 40 anos é que a maioria da população que vivia com apenas 1 dólar por dia foi “deslocada” para a porção central, próxima de 10 dólares por dia. O “camelo” se transformou em seu primo, o “dromedário”.

Dados: Gapminder

Hoje, 11% das pessoas no mundo estão abaixo da linha de pobreza extrema, o que é uma melhora considerável em apenas 40 anos. Ainda há uma longo caminho pela frente para diminuir ainda mais as desigualdades sociais. Será preciso sabedoria e investimento, mas é possível.

Alimentação e Mudanças climáticas

Como alimentar toda essa população? Na verdade, não será necessário tanta inovação assim. Uma ação simples pode ajudar: um terço da comida produzida no mundo é desperdiçada. Todo ano consumidores em países industrializados desperdiçam aproximadamente a mesma quantidade de comida que é produzida na África sub-Saariana (220 milhões de toneladas vs 230 milhões de toneladas). Como está previsto um grande aumento populacional na África e Ásia, é lá que devem ser concentrados os esforços para aumentar a produtividade.

Além da alimentação, uma boa vida significa o uso de mais máquinas, que resulta no uso de mais energia, que resulta em emissões de gases do efeito estufa. Até o ativista mais hardcore do Greenpeace lava suas roupas em uma máquina automática. Da matriz energética mundial, 80% ainda é a base de combustíveis fosseis. Há uma perspectiva de que a energia solar seja a dominante no futuro, com um aumento de 664% em relação ao que é utilizado hoje. É estimado que em 2050 a energia solar já seja responsável por 40% do total de energia produzida no mundo.

Algo que deve ser colocado em perspectiva é a contribuição de cada um na emissão de gases. As emissões de um cidadão dos EUA hoje são equivalentes às de cerca de quatro chineses, 30 paquistaneses, 40 nigerianos ou 250 etíopes. Uma mulher na Etiópia rural pode ter dez filhos e, no improvável caso de que essas dez crianças vivam até a idade adulta e tenham dez filhos, o clã inteiro de mais de cem ainda estará emitido menos dióxido de carbono do que um eleitor de Donald Trump. O grande foco neste momento deve ser trabalhar em alternativas para que os grandes emissores possam diminuir seu impacto.

Futuro

Os dados atuais nos mostram que o futuro será menos dramático do que Dan Brown previu em “Inferno”. Pequeno conselho: olhe para os dados, olhe para o perfil do mundo e pense além do período de 10 ou 20 anos. Eu tento sempre olhar os dados a longo prazo. O mundo já está muito melhor do que alguns pensam. A verdade é que a bomba populacional está sendo desarmada em todo o mundo.

Fique ligado para os próximos textos onde eu vou abordar especificamente cada um dos pontos citados.

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Andre Mazzetto
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Biólogo, um cientista que não é movido a café. Entusiasta da Ciência e da Educação. Editor e autor do blog Ciência Descomplicada.