Uma roda-gigante de sentimentos

Regiane Folter
Revista Subjetiva
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3 min readApr 4, 2020

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Algumas noites, quando me deito para dormir, sou assombrada por pensamentos ruins. No escuro do quarto, quando só há silêncio e nenhuma distração, é mais fácil pensar naquilo que durante o dia tratei de esquecer. Ao invés de deitar a cabeça no travesseiro e descansar, me sinto mais desperta que nunca, como se a solidão do quarto na penumbra ativasse partes escondidas do meu cérebro. E não consigo evitar: penso em coisas que me deixam triste, que me fazem sentir culpada, arrependida, envergonhada. São lembranças de momentos que eu adoraria rebobinar para viver de novo. Fazer diferente.

Embora algumas noites sejam difíceis, eu sei que no geral tenho uma vida feliz. Tenho uma família amorosa, um lar, um trabalho, saúde… Enfim, não há muito sobre o que reclamar, realmente! Mas então, por que será que essas noites insones existem? Por que será que quando ninguém está vendo e só estamos eu e minha consciência essas emoções negativas pesam tanto?

Acho que com toda a minha sorte e motivos para ser feliz eu às vezes me esqueço de que não existe perfeição. Uma vida pode ser muito feliz, mas não será feliz sempre. Os altos e baixos são parte do recorrido de qualquer pessoa, e mesmo para aqueles que vivem mais altos que baixos, em algum momento coisas ruins vão acontecer.

Isso está muito claro para mim, na teoria. Na prática, me acostumo muito facilmente a um cotidiano alegre, pleno, invencível… Até ser surpreendida por algo ruim. Quase sempre a consequência desse susto é dor, choro e também culpa. Me sinto incompetente, como se meus erros fossem a fundação de todos os meus problemas. Não quero aceitar que falho, não quero aceitar que o universo me falhe também.

Essa resposta às dificuldades da vida não é muito saudável, não é? Eu sei. Então estou tentando mudar. Estou tratando de encarar o mundo como a roda-gigante que é, entender que não há nada que eu possa fazer que vai me garantir felicidade contínua, sem data de validade. Estou trabalhando comigo mesma para aceitar que há coisas que eu não posso controlar.

Felizmente, também estão as coisas sobre as quais eu tenho controle. Posso disfrutar plenamente dos dias alegres e ser grata por eles. Posso até mesmo gerá-los, fazendo aquilo que amo, estando com quem me faz bem. Quando algo difícil surgir, posso ter paciência e compaixão comigo mesma. Fazer o meu melhor para superar o que tiver que superar, sem exigir respostas que não sou capaz de dar. Aceitar minha capacidade de errar e aprender da falha em questão.

É mais simples escrever isso e tomar essas resoluções positivas agora, na luz da manhã, tomando um chá revigorante e me preparo para começar um novo dia. A noite ficou para trás. Mas eu sei que, em algumas horas, estarei novamente prestes a dormir e talvez os pensamentos ruins tenham mais força do que os bons. Eu sei disso. Mas sei também que não posso fugir de passar por esses momentos e que é vivendo cada uma dessas noites que vou aprender o que preciso aprender delas para seguir. Não seria um bom primeiro passo, aceitar que algumas noites vão ser mais complicadas que outras?

Respiro fundo, e prometo a mim mesma que se hoje a noite estiver difícil demais, está tudo bem. Vou pensar no que tiver que pensar, sentir os sentimentos que surgirem, compreendendo que eles aparecem por alguma razão. É preciso sentir, é preciso deixar meu coração drenar essa dor para poder me sentir limpa, livre, vazia de tudo que era tão pesado. Nesse momento poderei fechar os olhos, respirar tranquilamente, pensar em tudo que tenho para ser mais feliz que triste, e assim preencher minha mente de uma bem-vinda paz. Vou adormecer.

No dia seguinte, novos altos e baixos. Viver, sentir, processar. Sentimentos ruins e sentimentos bons. É, realmente se trata de uma roda-gigante.

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Regiane Folter
Revista Subjetiva

Escritora brasileira vivendo no Uruguai 🌎 Escrevendo em português e espanhol 🖋️ Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros