13 Reasons Why, Baleia azul e efeito Werther

Rodrigo Aguiar
Rodrigo Aguiar
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10 min readApr 16, 2017

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Estando ligado ao mundo dos jovens, neurociências e autodesenvolvimento, foi impossível não ver com certo assombro as notícias vinculadas à recém lançada série 13 Reasons Why (bem como a própria série) e aquelas sobre o desafio Baleia Azul.

Há muitos fatores a serem avaliados, pesados e pensados quando estamos falando de um assunto tão grave quanto o suicídio de jovens e o mais assustador, o aumento do número deles (leia reportagem que saiu na Folha de São Paulo dia 12 passado — link aqui), mas neste texto eu pretendo tratar daquilo que ficou conhecido como efeito Werther. Acredito se seja bastante importante refletirmos um pouco a respeito de como as informações a respeito de assuntos como esses são veiculadas e chegam até nossos jovens.

Efeito Werther

Estamos na Alemanha de meados de 1700. O iluminismo já demonstra ter força suficiente para influenciar a vida das pessoas que então se apresentam sedentas pela busca da razão. Por conta disso a própria literatura se manifesta como uma imitação da realidade, principalmente buscando dar vazão à análise dos porquês não só de problemas complexos como também de comezinhas situações cotidianas.

Esse movimento torna o ser humano algo que só pode ser compreendido racionalmente, entretanto rouba-lhe todo o seu mistério, encantamento e emoções.

É neste cenário que Johann Wolfgang Goethe lança, em 1774 uma de suas obras mais famosas: Os sofrimentos do Jovem Werther. Uma obra que busca retomar as emoções mais viscerais abordando o amor impossível do jovem Werther e Charlotte,que era casada.

A solução final do protagonista para essa situação (como em muitos outros livros depois dele) foi recorrer ao suicídio com um tiro na cabeça. Tal lançamento praticamente coincide com o nascimento do Romantismo Alemão, poucos anos mais tarde.

O tom altamente passional e depressivo da obra rapidamente ganhou os corações de uma sociedade sedenta de emoção onde as ciências continuavam incompetentes para trazer plenitude, embora explicassem, de certa forma o universo.

O efeito dessa popularidade foi, de certa forma devastador: um grande número de suicídios com os mesmos moldes daquele tratado no famoso livro. Gostaria de frisar aqui que esta obra conferiu a Goethe fama gigante e imediata.

O tio Goethe preocupado: “Não queria ser sensacionalista”

Não demorou para o livro ser proibido em muitos lugares da Europa, principalmente por conta da Igreja. Esse efeito de imitação do protagonista passou a ser conhecido na psicanálise como efeito Werther.

Você deve estar lendo este texto e pensando: “mas que bobagem, deve ter sido coincidência” ou mesmo “os jovens daquela época eram muito influenciáveis”.

Sinto dizer, mas não é esse o caso e a ciência já se preocupa com esse assunto há algum tempo de forma que temos algumas informações bastante úteis para reflexões mais profundas. Para aqueles mais curiosos ou questionadores, deixo abaixo (lá no final) não uma, mas sete referências de estudos que embasam o que estou dizendo aqui.

A descoberta desses cientistas é de que quanto maior a publicidade e o sensacionalismo de um suicídio, maior a incidência do efeito Werther e, pasme, não só de suicídios mais também de acidentes de carros e também aeronaves (por favor, leia sobre os estudos indicados).

Não estranhamente, os mais afetados por esse efeito são os jovens!

Vou citar aqui Robert Cialdini em seu imprescindível livro As Armas da Persuasão, onde você poderá ler mais sobre tudo isso: “Com frequência imaginamos os adolescentes como rebeldes com ideias próprias. É importante reconhecer, porém, que normalmente isso se aplica apenas em relação aos seus pais. Em meio aos seus semelhantes, eles se sujeitam em massa ao que dita a aprovação social.”

Sim, você que é ou já foi jovem, sabe o quanto a imitação é verdade e há muitos outros estudos científicos que mostram essa realidade em outras situações, desde as corriqueiras às mais complexas.

Baleia Azul

Há algumas semanas, inúmeros meios de comunicação começaram a trazer notícias de um desafio que estaria ocorrendo na internet onde jovens são aliciados para executar 50 tarefas que vão ficando cada vez mais difíceis até chegar na auto aniquilação.

Após entrar no jogo, a pessoa não poderia mais sair e teria que ir até o fim, supostamente por conta de ameaças.

Neste caso, é interessante notar uma reportagem publicada no estadão dia 11 deste mês (link aqui) onde o psiquiatra Daniel Martins de Barros diz que a origem desse jogo parece ser apenas um boato que teria começado na Rússia. Interessante justamente porque no caso do jovem Werther, a ficção criou efeitos reais (embora saiba-se que Goethe tenha se baseado, pelo menos, em dois casos reais — incluindo ele mesmo).

Ou seja, algo que pode ter começado apenas como um boato poderia ter implicações reais em nosso mundo conturbado, igualzinho ao caso trazido por Goethe.

Não tenho dúvidas que, sendo ou não boato a origem da coisa, ao saber sobre ela através das mídias (em geral sensacionalistas) alguns tenham se arvorado em aliciadores e encontrado jovens, curiosos uns, depressivos e desesperançosos outros, para colocar em prática aquilo sobre o qual ficaram sabendo. Tanto é que no dia 14 (3 dias após a reportagem anterior) saiu uma reportagem na Veja (link aqui) falando de um possível suicídio (causa mais provável) de uma jovem e que poderia ter ligações com o tal desafio.

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Espero que você esteja entendendo que eu não estou dizendo que hoje essas notícias sobre o desafio não sejam verdade. O que estou dizendo é que há muitas evidências de que ela tenha começado com um boato, mas a publicidade, que visa a audiência e o lucro, somada ao desejo de aceitação (imitação) que ocorre em todos os seres humanos e fortemente em jovens, tenha materializado o boato e que hoje estamos tendo que lidar com ele enquanto realidade.

Atualização: um amigo enviou hoje (18/04/17) uma notícia de uma tentativa de suicídio onde a protagonista afirma que estava participando do desafio (link aqui). Ao que tudo indica o desafio iniciou com um boato, mas seja isso verdade ou não, o efeito Werther ainda assim se materializa, uma vez que mais e mais reportagens dão conta de que após as primeiras notícias do jogo houve um verdadeiro boom de jovens procurando por grupos em redes sociais para tentar participar do mesmo. Por isso, é muito importante uma reflexão a respeito da responsabilidade sobre o que é veiculado nas mídias em geral.

Além disso, espero que você passe a refletir no impacto daquilo que você compartilha ou dá força nas redes sociais, pelo menos na forma como faz isso e abaixo há algumas reflexões que ajudarão neste sentido.

13 Reasons Why

Não quero parecer aqueles caras da teoria da conspiração, mas curiosamente mais ou menos na mesma época do lançamento dessa série, as notícias sobre o desafio tratado acima começaram a pulular nas mídias e redes sociais. Interessante não?

Pois é, mas o mais interessante é que essa série, que foi apontada por muitos como sendo um alerta aos pais e à sociedade a respeito da vulnerabilidade dos jovens ao suicídio pode ter errado a mão. Ou será que não? Poderia ser apenas uma forma de criar um grande impacto de fama e audiência como o Goethe de 1774? Acredito que você poderá responder a essas questões com base nas linhas abaixo.

Ah, se quer evitar spoilers, mesmo que de leve, não leia os 3 parágrafos abaixo.

A série começa com o suicídio de uma garota e no desenrolar dos episódios o telespectador vai entendendo os motivos que a levaram a tal ato já que ela teve o cuidado de registrar em 13 gravações as situações que a teriam levado ao seu ato final.

Nos episódios, aparecem coisas às quais os nossos jovens estão expostos como drogas, estupro, depressão, bullying, entre outros além de apontar claramente todos os protagonistas dessas situações, estabelecendo uma relação causal para o suicídio.

Além disso tudo, o episódio que mostra o ato derradeiro da protagonista é deveras (DEVERAS MESMO) impactante!

Você deve estar aí pensando “Oras, Rodrigo, dá um tempo, é só uma série e que mostra a realidade da vida. Que mal pode haver?”.

Bulling: Ter se tornado usual, não quer dizer que seja normal — E sim, começa cedo.

Bem, usarei aqui a voz de outros, certamente mais doutos que eu para mostrar o porquê de eu acreditar que estamos falando de uma abordagem deletéria disfarçada de serviço à sociedade ou mesmo entretenimento.

Na reportagem do dia 12 deste mês na Folha de São Paulo (link aqui), é trazida a opinião de médicos especialistas em saúde mental e mais especificamente no tema do suicídio, indicando que a abordagem utilizada na série pode sim ser considerada como perniciosa (lembra da imitação?).

Outra reportagem, veiculada em O Globo dia 11 deste mês (link aqui) traz a mesma crítica, contando com a opinião de especialistas da saúde e também do Centro de Valorização à Vida (CVV). Está conseguindo ver quantas ligações em tão pouco tempo? Coincidência? Exagero? Eu acredito que não.

Vou deixar aqui o link (aqui e aqui) para os documentos da Organização Mundial da Saúde que têm como objetivo orientar a forma de tratar um tema tão delicado e ao mesmo tempo tão importante. Documentos esses que parecem ter sido completamente ignorados pelos produtores da série. Se você duvida do que estou falando, por favor, leia-os.

Qual é a saída?

Abordei a questão do suicídio em dois outros artigos (link aqui e aqui) e considero um tema de muita importância e sobre o qual devemos nos debruçar, pois todos estamos expostos a fatores que podem desencadeá-lo seja em nós mesmos, seja naqueles que amamos.

Tudo o que estou colocando aqui não significa nenhuma intenção de censura à série, mas sim um alerta sobre a forma como tratou o tema, que segundo especialistas, pode ser prejudicial por conta do efeito Werther. Penso que seja importante avaliar a pertinência de assistir com os filhos e dialogar com eles, pensar a respeito e ouvir o que eles tem a dizer. Não fazer juntos, pode significar que eles a verão depois sozinhos.

E é aí que fica o cerne da questão: Como lidar com um assunto tão desafiador?

Acredito que a primeira ação de quem se interessa pelo tema seja a de informar-se a respeito de como lidar com ele. Sim, existem orientações a esse respeito, a começar pelos documentos da OMS citados acima. Mais do que isso, existem muitas publicações que podem ser compulsadas para uma maior compreensão do tema.

A segunda ação acredito que seja a da conscientização de outras pessoas. É preciso levar o tema a ser debatido e entendido nas escolas e faculdades, nos meios de comunicação nas famílias e nos grupamentos como um todo (do jeito certo — por isso é importante se preparar para tal).

A terceira ação possivel e de muita importância é buscar ajuda profissional, pois muitas vezes somente com ajuda externa a pessoa poderá sair de uma situação como essa, mesmo que exista apoio e abertura daqueles mais próximos. É preciso eliminar o medo e o estigma associados à busca por ajuda médica. Aliás, segundo a OMS, esse é um dos fatores que piora a realidade.

A quarta ação, mas que não deve vir por último, é a de amar. Nos interessarmos genuinamente pelos outros a fim de estarmos atentos às dificuldades, dores e desafios de cada um, pois todos nós os temos, mas nem todos sabemos lidar bem com eles.

Obviamente, aqui estão inclusos os nossos jovens, os nossos filhos.

Por favor, não deixem que o tablet, o celular, o computador e a TV sejam os principais meios de informação e formação de seus filhos.

Não deixe para tentar conversar com eles quando forem maiores. Converse, ensine, oriente e aprenda também com eles, mas faça isso hoje!

Você é quem deve exercer esse papel através do veículo do amor. Sim, é você!

Dá trabalho, eu bem o sei. E não há garantias de que todo esse trabalho vá construir os resultados que almejamos, mas isso seria motivo para não tentar? Será que nosso amor não vale a pena? Será que seus filhos não valem esse esforço?

Torço muito e verdadeiramente para que um dia você não chegue à conclusão de que chegou tarde demais aos corações daqueles que ama.

Se esse texto fez sentido pra você, se foi útil de alguma forma, curta e compartilhe, pois é a melhor forma de fazer com que chegue em outras pessoas. Ah, e não deixe de comentar e expressar dúvidas ou contribuições!

Abraços.

PS: Referências que havia prometido.

Bollen, K. A. e Phillips, D. P. (1982). Imitative suicides: A national study of the effects of television news stories. American Sociological Review, 47, pp. 802–809.

Phillips, D. P. (1974). The influence of suggestion on suicide: Substantive and the oretical implications of the Werther effect. American Sociological Review, 39, pp. 340–354.

Phillips, D. P. (1979). Suicide, motor vehicle fatalities, and the mass media: Evidence toward a theory of suggestion. American Journal of Sociology, 84, pp. 1150–1174.

Phillips, D. P. (1980). Airplane accidents, murder, and the mass media: Towards a theory of imitation and suggestion. Social Forces, 58, pp. 1001–1024.

Phillips, D. P. (1983). The impact of mass media violence on U. S. homicides. American Sociological Review, 48, pp. 560–568.

Phillips, D. P. e Cartensen, L. L. (1986). Clustering of teenage suicides after television news stories about suicide. The New England Journal of Medicine, 315, pp. 685–689.

Phillips, D. P. e Cartensen, L. L. (1988). The effect of suicide stories on various demographic groups, 1968–1985. Suicide and Life-Threatening Behavior, 18, pp. 100–114.

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