A História da Opressão Feminina: o papel da mulher pela história

Brotinho De Lilith
Sementes Coletivas
Published in
6 min readJul 29, 2023

É difícil saber exatamente qual era a situação da mulher na Pré-História, isso porque a escrita ainda não havia sido desenvolvida. Então, não há registros formais que comprovem as teorias sobre antes da Idade Antiga. O que sabemos hoje é apenas o que os arqueólogos podem descobrir através do estudo de fósseis e artefatos históricos.

Nesse sentido, em “O Segundo Sexo”, Beauvoir ressalta que se especulava que as mulheres eram mais fortes na Pré-História do que atualmente. O que foi, de fato, descoberto e comprovado, através da análise de registros fósseis recém descobertos: as mulheres eram mais robustas do que as mulheres de hoje. Isso indica que, naquela época, elas também realizavam trabalhos árduos, como na participação em expedições de guerra e contribuição com a caça e coleta de alimento para os grupos — diferente do especulado e divulgado, principalmente pela cultura pop, em filmes ou desenhos que reproduzem o estereótipo da mulher “em casa” enquanto os homens fortes e másculos saiam para caçar.

É claro que, no entanto, não podemos nos esquecer que para a época, a maternidade já representava para as mulheres uma enorme desvantagem em relação aos homens. Afinal, durante o período de gravidez e amamentação a mulher ficava à mercê de proteger o bebê, bem como a si mesma. É preciso considerar que, também, por ser uma época na qual os seres humanos se organizavam em grupos nômades, migravam com frequência, e só se fixavam de tempos em tempos em espaços que consideravam seguros.

Além disso, não existia qualquer possibilidade de controlar a natalidade e as mulheres ficavam passíveis de engravidarem a todo momento praticamente. Outro fator a ser considerado, também, era que a taxa de mortalidade infantil era altíssima devido à falta de cuidados sépticos e outros fatores biológicos, como doenças, visto que as crianças sobreviventes precisavam de ainda mais cuidado. Isso tudo, com o tempo, fez com que as mulheres se afastassem cada vez mais de atividades como caça e coleta de comida, e a gravidez então não foi exaltada.

Com o passar dos anos, os seres humanos foram se alocando em lugares mais seguros, e deixando de serem nômades. Assim, é preciso compreender que a humanidade, desde o seu princípio, demonstrava uma grande necessidade de mudar a narrativa anteriormente estabelecida, se superando e criando coisas novas — característica ainda mais incisiva nas sociedades atuais. Considerando as mudanças geradas por este assentamento, muitos pesquisadores especulam que o papel dos homens passou a ser cultuado, como os provedores, em detrimento da figura santa materna, pois sair para caçar, e ser responsável por ajudar a alimentar a sua comunidade além da família, considerando o grande risco de morte no caminho, se tornaram tarefas que atribuíam valor a esses homens. Mas não podemos nos esquecer de que essas eram, e muitas vezes ainda são hoje, de forma similar, as responsabilidades atribuídas aos homens por terem uma maior possibilidade de estarem presentes e dispostos nestes momentos, sem serem afligidos por obstáculos como a gravidez ou a menstruação.

Apesar do papel chave das mulheres na manutenção da sociedade, a maternidade nunca foi vista como um tipo de “projeto” para o futuro. A mulher somente gerava novas vidas como um processo natural e não estratégico. E, considerando sobretudo a alta taxa de mortalidade infantil, havia uma subvalorização dessas crianças, pois as mortes frequentes geravam uma normalização da perda, e assim uma subordinação da “função” da mulher. Assim, a gravidez não foi e não é vista como uma atividade útil ou produtiva de fato, mas, sim, sempre foi tratada como um fardo biológico que as mulheres precisam aceitar de forma passiva, santificada muitas vezes pela sua submissão a este papel, inclusive. Por isso, não se valorizou o ato de procriar como se fez, por exemplo, com o ato de caçar ou proteger seu grupo ao guerrear com os inimigos.

Beauvoir falava ainda que a feminilidade foi criada pelos homens para que conseguissem manter as mulheres num campo que ela chama de “imanência”, mantendo-se na posição de superioridade. Logo, os homens estabeleceram uma divisão social cada vez mais clara através da noção de gênero que existe até hoje: o que chamamos de masculino e feminino. Divisão essa imposta a partir dos sexos, que determina as características masculinas como mais relevantes e bem vistas estruturalmente, enquanto as femininas são menosprezadas.

Com anos de evolução humana, a maternidade em dado momento se tornou importante, assim como as crianças, e passou, então, a representar um estereótipo coercitivo da mulher bem-sucedida: o de mãe. Isso porque se cria também um conceito de propriedade e, mesmo que coletiva, se fortifica a questão de as mulheres serem responsáveis por projetar o futuro de suas comunidades. Com isso, é claro que os filhos também ganharam certa importância, pois passaram a serem vistos como quem daria continuidade aos desejos do grupo e permaneceriam produzindo e se expandindo a partir daquela terra.

As mulheres começam, assim, a serem “endeusadas”, já que por muito tempo não se sabia exatamente qual o papel do homem no processo da procriação. Como a criança nascia da mãe, os direitos dela acabavam sendo mais considerados do que antes foram e, com eles, essa posição de “deusas”, frágeis e reclusas. O que não quer dizer que por serem vistas de tal forma, eram tidas como superiores ao homem. Aqui precisamos compreender que esse endeusamento é, também, uma forma de colocar as mulheres numa posição de “OUTRO”.

“Dizer que a mulher era o Outro equivale a dizer que não existia entre os sexos uma relação de reciprocidade: Terra, Mãe, Deusa, não era ela para o homem um semelhante: era além do reino humano que seu domínio se afirmava: estava portanto fora desse reino. A sociedade sempre foi masculina; o poder político sempre esteve nas mãos dos homens. […] Na medida em que a mulher é considerada o Outro absoluto, isto é — qualquer que seja sua magia — o inessencial, faz-se precisamente impossível encará-la como outro sujeito.” O Segundo Sexo

Com o surgimento das sociedades menos coletivistas surge, também, a propriedade privada. Muitos teóricos dizem que a partir de então a mulher quis possuir a terra tanto quanto o homem, e a partir daí criou-se a família monogâmica — na qual a mulher é retirada de sua posição de importância como mãe, e passa a ser vista como propriedade do marido, base perfeita para o patriarcado.

Quer saber mais sobre a origem do patriarcado? Leia nosso artigo aqui no medium: A Origem do Patriarcado e O Sistema Sexo-gênero https://medium.com/sementes-coletiva/a-origem-do-patriarcado-e-o-sistema-sexo-g%C3%AAnero-fba9ab558c8d

A diferença é que a partir da criação da propriedade privada passam a ser criadas instituições que sustentam o patriarcado, como o casamento, as religiões modernas, as leis e todos os reguladores do comportamento feminino, como a moral social. As mulheres também passam a ser vistas com mais hostilidade, como um “outro”, de fato, que é completamente oposto ao homem e, contrariamente a posição “endeusada” de outrora, passam a ser vilanizadas.

Quer saber mais sobre a vilanização da mulher? Confira nosso artigo aqui no medium: O Mito da Mulher Como Origem do Mal — https://medium.com/sementes-coletiva/o-mito-da-mulher-como-origem-do-mal-fdca6ff0755e

“Assim, o triunfo do patriarcado não foi nem um acaso nem o resultado de uma revolução violenta. Desde a origem da humanidade, o privilégio biológico permitiu aos homens afirmarem-se sozinhos como sujeitos soberanos. Eles nunca abdicaram o privilégio; alienaram parcialmente sua existência na Natureza e na Mulher, mas reconquistaram-na a seguir. Condenada a desempenhar o papel do Outro, a mulher estava também condenada a possuir apenas uma força precária: escrava ou ídolo, nunca é ela que escolhe seu destino.” O Segundo Sexo

Com o patriarcado instaurado, a mulher passa a ser vista definitivamente como propriedade privada do homem, primeiro do pai e depois do marido. Hoje, mesmo depois de diversos avanços legais com muitas leis criadas com o intuito de igualar a vida das mulheres a dos homens, basta buscarmos dados sobre feminicídio e violência doméstica na internet para vermos que essa visão da mulher como posse permanece em nossa cultura com muita força. Os homens nos veem como uma coisa a se possuir, por isso se acham no direito de nos agredirem e matarem pelo simples fato de tentarmos sair de relacionamento abusivos, por exemplo.

E, por mais que novas leis sejam criadas, no imaginário popular essa noção da mulher como propriedade prevalece. Basta observar o ciúmes excessivo de vários homens, as piadas de que homens traem mesmo, como se tudo isso fosse parte da natureza deles, bem como sua virilidade, enquanto as mulheres precisam se manter fiéis ao marido para não serem socialmente rechaçadas. A lei nos permite possuir e herdar muitas coisas, mas isso não quer dizer que deixamos de ser vistas com um bem a ser possuído e controlado para e pelos homens.

REFERÊNCIAS

http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rnufen/v6n2/a08.pdf

O Segundo Sexo, 1949. BEAUVOIR: Simone.

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Brotinho De Lilith
Sementes Coletivas

Feminista, formada em psicologia e cansada. 24 aninhos.