OS CINQUENTA ANOS DE WOLVERINE!

Claudio Basilio
sobrequadrinhos
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40 min readMay 18, 2024

Bichinho interessante o carcaju. Habitante típico de florestas geladas do Hemisfério Norte, esse pequenino mamífero onívoro (ele mede entre setenta e cento e dez centímetros) vive da caça de pequenos animais, porém quando a comida é escassa ou então quando é atacado o carcaju não se furta a demonstrar uma agressividade rara no Mundo Animal. Resumindo: caso algum dia algum de nós se perca em alguma região subpolar é melhor rezarmos para não nos depararmos com um carcaju faminto e enraivecido.

Todavia, não somos um blog dedicado a Zoologia, e sim a Quadrinhos e Cultura Pop, e estamos citando o carcaju apenas porque esse “simpático” animalzinho serviu de inspiração para a criação de um dos maiores e mais famosos heróis da Marvel, herói que em 2024 comemora cinquenta anos de existência e que terá a suas origens esmiuçadas aqui. Ah, falamos qual é nome em Inglês do carcaju? Não? No velho idioma bretão o carcaju é chamado de… Wolverine! Por favor continuem conosco para saber mais sobre o aventureiro mascarado que em meados dos anos oitenta foi definido em uma peça publicitária da Editora Abril como o “mais cruel e impiedoso de todos os heróis”!

Um Super-Herói Canadense

Nossa história começou em 1974, ano em que Roy Thomas exercia o cargo de editor-chefe da Marvel. Num belo dia Thomas olhou os gráficos de vendas e percebeu que as revistas da editora estavam obtendo um sucesso expressivo no Canadá, o que o levou à óbvia conclusão de que um super-herói canadense talvez incrementasse ainda mais a vendagem de gibis da Casa das Ideias no país vizinho dos EUA. Após mil e uma elaborações mentais o editor-chefe da Marvel entendeu que o novo personagem deveria ser inspirado em algum típico animal canadense, e isso o levou a dois possíveis nomes para o personagem: Badger (texugo, em Português) e Wolverine. Entre essas duas opções Thomas escolheu o nome Wolverine e decidiu que tal qual o seu correspondente do Reino Animal o novo herói deveria ser pequenino e ter um temperamento explosivo. Definidos os principais parâmetros sobre os quais o vindouro herói canadense seria criado Thomas procurou o escritor e editor Len Wein e repassou para ele o trabalho de elaborar de forma detalhada o novo personagem. Neste momento a nossa audiência está se perguntando: por que Wein foi escolhido por Thomas para criar o Wolverine? Tudo tem a ver com “sotaques”…

Primeiros esboços de Wolverine concebidos por John Romita Sr., que era o editor de arte da Marvel em 1974.

Naquele período Len Wein ainda era jovem, mas já havia acumulado bastante experiência profissional escrevendo scripts das mais diferentes temáticas tanto para a Marvel quanto para a DC Comics, e um dos seus pontos fortes como roteirista era a habilidade em “escrever sotaques” ou, melhor explicando, o seu notável talento para criar ou desenvolver personagens não-americanos, talento esse que foi demonstrado em seu trabalho como roteirista das aventuras do Irmão Vodu, um super-herói místico nascido do Haiti. Na visão de Thomas essas qualidades tornavam Wein mais do que apto para a criação do super-herói canadense, e assim que recebeu essa tarefa o escritor iniciou as pesquisas para dar conta dela. Em seus estudos Wein tomou conhecimento de todas as características dos carcajus que citamos no começo desse artigo, e após isso ele procurou John Romita Sr. — então editor de arte da Marvel –, e em parceria com o veterano artista concebeu o visual de Wolverine, visual esse que tinha diferenças marcantes em relação ao que o personagem apresenta hoje: a fim de ressaltar os “aspectos animalescos” do herói a sua máscara trazia simpáticos “bigodes” e a região dos olhos apresentavam longos contornos negros.

Publicidade veiculada em várias revistas da Marvel em meados de 1974, que convidava os leitores a conhecerem Wolverine na revista The Incredible Hulk.

Delineada a aparência faltava definir as demais características de Wolverine, e como os dois idiomas oficiais do Canadá são o Inglês e o Francês o simpático Len Wein considerou seriamente a possibilidade do novo herói ser franco-canadense. Conseguem imaginar o baixinho mais invocado das revistas em quadrinhos falando com sotaque afrancesado? Essa ideia foi descartada e no final de tudo o escritor definiu que o personagem apresentaria as seguintes atributos: assim como a sua contraparte animalesca o adorável Wolverine teria baixa estatura e seria raivoso e impetuoso; ele seria um mutante com superforça, sentidos e agilidade proporcionais aos de um carcaju; suas principais armas seriam garras de adamantium (um fictício e indestrutível metal artificial do Universo Marvel), que estariam embutidas em luvas feitas de um tecido baseado no mesmo metal e a sua idade giraria em torno dos dezenove ou vinte anos.

Wolverine ataca apenas uma vez. Mas no seu caso uma vez é o suficiente!”. Com essa frase Wolverine faz a sua primeiríssima aparição no último quadro de The Incredible Hulk #180 (1974). Arte de Herb Trimpe e Jack Abel.

Esperem um momento: Wolverine com superforça? Garras embutidas nas luvas? E com vinte anos de idade? Esse Wolverine é um pouco diferente daquele que conhecemos nos dias de hoje, não acham? No devido momento explicaremos as diferenças entre o Wolverine dos primeiros dias e o Wolverine dos dias de hoje, só que antes precisamos contar aqui como foi a estreia do baixinho canadense. Querem saber um pouco mais sobre isso? Então continuem lendo esse artigo…

Primeira Aparição

Em meados de 1974 chegou nas bancas de jornal americanas o gibi The Incredible Hulk #180, que trazia a HQ “E os ventos uivam… Wendigo!”, escrita por Len Wein, desenhada por Herb Trimpe e arte-finalizada por Jack Abel. A aventura começou com o Hulk chegando nas vastas florestas do norte do Canadá após mais uma de suas eternas andanças em busca de paz, e não demorou muito para o alter ego de Bruce Banner bater de frente com Wendigo, uma monstruosa e mitológica criatura canibal que habitava a região. Assim que tomou conhecimento da presença do Hulk no território canadense as Forças Armadas locais decidiram enviar um de seus agentes para executar o Gigante Esmeralda ou pelo menos expulsá-lo do Canadá, e não havia ninguém mais talhado para a tarefa do que um sujeito que atendia pelo codinome de Arma X. Justamente na última página e no último quadro da história, com o “couro comendo” entre o Hulk e Wendigo o misterioso Arma X surgiu em cena, encarando os dois monstros e se apresentando para eles pelo nome pelo qual preferia ser chamado: Wolverine!

Capa de The Incredible Hulk #181 (1974), que traz em destaque Wolverine com a sua hoje conhecida fúria. Arte de Herb Trimpe e John Romita Sr.

Você exigiu! E a Marvel o fez! Vindo dos mais distantes rincões do Canadá surge o temível e mortífero Wolverine! Mas ele é um herói — ou seria mais um novo e perigoso supervilão?

Dramáticas estas últimas frases, não é mesmo? Pois elas fazem parte de um anúncio publicado em várias revistas da Marvel visando divulgar o novo personagem da editora e “esquentando o clima” para o gibi The Incredible Hulk #181, que trazia a continuação de “E os ventos uivam… Wendigo!”, batizada com um simples e sugestivo título: “Surge… o Wolverine!”. Essa continuação foi constituída basicamente por um grande quebra-pau envolvendo o baixinho canadense, o Hulk e Wendigo, quebra-pau esse que no final foi vencido pelo Gigante Esmeralda.

Wolverine literalmente mostra suas garras para o Hulk e Wendigo em página de The Incredible Hulk #181 (1974). Uma curiosidade: em nenhum momento dessa revista os leitores viram o herói canadense com as garras recolhidas. Arte de Herb Trimpe e Jack Abel.

Provavelmente os fãs de hoje considerariam essa aventura em duas partes ingênua e até mesmo mal desenhada, porém ela cumpriu o seu objetivo, que foi apresentar aos leitores um personagem de pavio curto e até mesmo matreiro, já que durante um determinado momento da história Wolverine chegou até mesmo a enganar o Hulk, fazendo-se passar por amigo do “Verdão”. Mas, como essa foi apenas a primeira aparição de um novo herói Len Wein não se preocupou em detalhar todas as características que havia bolado para o personagem. O roteirista acreditava que existiriam outras oportunidades para mostrar melhor o jovem mutante canadense que vestia luvas de adamantium. E elas não demoraram a surgir, visto que uma certa superequipe estava prestes a ser completamente reformulada.

Uma Equipe Internacional

Os fãs mais novos talvez não saibam, mas nos anos sessenta e início dos setenta os X-Men eram uma espécie de “patinho feio” da Marvel, já que mesmo contando com talentos como Stan Lee, Jack Kirby, Werner Roth, Arnold Drake, Jim Steranko, Neal Adams, Roy Thomas e outros na concepção de suas HQs os heróis mutantes perseguidos e odiados por todos nunca tiveram por parte do público o mesmo carinho que os demais personagens da Casa das Ideias. Tudo isso fez com que no final de 1970 a produção de aventuras inéditas dos pupilos do Professor X fosse suspensa e que o gibi X-Men passasse a trazer apenas republicações de histórias antigas (saiba mais sobre esse tema clicando aqui).

Rascunho da capa de Giant-Size X-Men #1 (1975) elaborado por Gil Kane. Reparem que o artista desenhou Wolverine com uma aparência diferente da mostrada em The Incredible Hulk #181 (1974), e tal visual desse esboço se tornou o padrão do personagem.

Como falamos aqui Roy Thomas era o editor-chefe da Marvel em 1974, e numa reunião de trabalho com Al Landau (então o proprietário da editora) ele soube que a empresa estava obtendo lucros respeitáveis com o licenciamento dos seus personagens para outros países, e que não seria uma má ideia a criação de super-heróis estrangeiros para a consolidação do público da Casa das Ideias para além dos EUA. Nesse exato momento Thomas se lembrou dos Falcões Negros (um grupo multiétnico de aviadores criados por Chuck Cuidera e Will Eisner em 1941), e entendeu que tal qual os pilotos de avião da finada Quality Comics os X-Men poderiam ser recriados como uma equipe internacional constituída por membros das mais diversas etnias e nacionalidades. E aí chegamos a um aspecto levemente polêmico sobre a concepção do Wolverine.

Capa finalizada de Giant-Size X-Men #1 (1975), revista que trouxe a entrada de Wolverine nos X-Men. Arte de Gil Kane e Dave Cockrum.

Nas lembranças de Roy Thomas a elaboração de um super-herói canadense não tinha nenhuma relação com a reformulação dos X-Men, tanto que o personagem poderia ser usado em outras revistas da Marvel caso se provasse popular. Por outro lado Len Wein afirmou com todas as letras que tinha conhecimento da vindoura reestruturação da equipe, e tendo isso em mente ele criou Wolverine como um mutante jovem para que no futuro ele pudesse eventualmente se tornar um aluno estrangeiro da Escola Para Jovens Superdotados de Charles Xavier. A única coisa que Wein não sabia é que no “frigir dos ovos” Thomas o incumbiria da reinvenção dos X-Men junto com o promissor desenhista Dave Cockrum.

Cena de Giant-Size X-Men #1 (1975), onde o Professor X convida Wolverine para entrar nos X-Men, que apesar dos protestos do seu superior no Exército Canadense aceitou imediatamente a proposta. Arte de Dave Cockrum.

Rapidamente Len Wein e Dave Cockrum meteram a mão na massa e seguiram uma receita simples: eles pegaram alguns personagens preexistentes — no caso o canadense Wolverine, o cidadão nipônico Solaris, o ex-policial irlandês Banshee e Ciclope — e os juntaram a novos heróis criados a partir de esboços feitos por Cockrum: a africana Tempestade, um jovem soviético chamado Colossus, o acrobata alemão Noturno e o nativo americano Pássaro Trovejante. O resultado do esforço dos dois foi a aventura “Segunda Gênese” — publicada em abril de 1975 no gibi Giant-Size X-Men #1 — e apesar de hoje essa história ser considerada um clássico do Quadrinho Americano conhecido por todos os fãs vamos relembrá-la rapidamente aqui: os antigos X-Men foram sequestrados por uma entidade mutante chamada Krakoa — a Ilha Viva, e diante desse problema o Professor X (o mentor da equipe mutante) se viu obrigado a viajar pelo mundo alistando novos alunos com o propósito de resgatar seus primeiros pupilos. O recrutamento de Wolverine foi extremamente fácil: o baixinho estava de saco cheio de fazer o trabalho sujo das Forças Armadas e dos serviços secretos canadenses e rapidamente aceitou a proposta do Professor X de se tornar na prática um agente independente.

Torre de Babel: os Novos X-Men finalmente são reunidos pelo Professor X, em splash page de Giant-Size X-Men #1 (1975). Arte de Dave Cockrum.

Nessa época os leitores mais atentos que conheciam Wolverine do gibi The Incredible Hulk devem ter percebido que a máscara do herói canadense em Giant-Size X-Men #1 estava diferente daquela mostrada em sua primeira aparição. Existe uma palavra técnica que define essa mudança: erro! Como assim, “erro”? Vamos explicar: na primeira metade dos anos setenta o excepcional desenhista Gil Kane foi um dos principais capistas da Marvel, e quando ele fez o esboço da capa de Giant-Size X-Men #1 desenhou de maneira equivocada o herói canadense, esquecendo-se dos “bigodes” e alongando em demasia os contornos negros da máscara do personagem. Assim que recebeu o rascunho para finalização Dave Cockrum percebeu isso, mas concluiu que o “equívoco” de Kane dava ao Wolverine um aspecto bem melhor. A consequência final desse “engano” : Cockrum gostou tanto do visual “errado” de Kane que ele o manteve na capa e o reproduziu em “Segunda Gênese”. Porém, não pensem que a máscara foi a única coisa que mudou para o baixinho canadense assim que ele entrou para os X-Men: muito do que Len Wein tinha originalmente definido para o herói rapidamente caiu em desuso…

Estranho Corte de Cabelo

Os Novos X-Men criados por Len Wein e Dave Cockrum tiveram uma boa acolhida do público, e a partir de X-Men #94 a série dos mutantes passou a trazer aventuras inéditas protagonizadas pelos recém-chegados discípulos do Professor X. Entretanto, os roteiros dessas aventuras não eram mais de autoria de Wein: cansado do trabalho burocrático Roy Thomas abandonou a função de editor-chefe, e sobrou para Len Wein a bucha de substituí-lo. As responsabilidades do novo cargo obrigaram Wein a deixar de lado diversos trabalhos de roteiro que ele tocava, e o novo encarregado das histórias da equipe mutante passou a ser o então jovem escritor e assistente editorial Chris Claremont, que ao lado de Dave Cockrum deu continuidade ao projeto de desenvolver uma equipe internacional de heróis para a Marvel. E de desenvolver os personagens pertencentes a essa equipe, naturalmente.

Quadro de X-Men #98 (1976), que mostra pela primeira vez o rosto de Wolverine sem a máscara e com um indefectível cigarro no canto da boca. Arte de Dave Cockrum e Sam Grainger.

Devido ao seu enorme talento e a imensa facilidade com que bolava uniformes de super-heróis Dave Cockrum tinha carta branca para desenhar os mutantes da maneira que bem entendesse, e coube a ele a tarefa de ser o primeiro artista a retratar Wolverine sem máscara, fato esse que aconteceu na revista X-Men #98, que trazia a aventura “Feliz Natal, X-Men”. A “cara” que Cockrum deu ao baixinho canadense era no mínimo distinta daquela que a maioria dos super-heróis exibia: ele aparentava ter algo em torno dos trinta e cinco e quarenta anos de idade; a sua face apresentava destacadas costeletas; seus cabelos negros eram eriçados nas laterais da cabeça e seus trajes civis eram típicos de um caubói do asfalto. A nossa estimada audiência provavelmente está se perguntando de onde Cockrum tirou a ideia para o visual civil do herói, e a resposta para essa pergunta é que Len Wein simplesmente não se lembrou de informar o desenhista que o personagem foi concebido como um jovem! Sem essa informação Cockrum achou que o personagem teria uma aparência mais interessante justamente se tivesse uma semblante mais “desgastado”, porém para entendermos de fato o estranho corte de cabelo de Wolverine precisaremos viajar no Tempo rumo ao Século XXX.

Capa de Superboy: Starring The Legion of Super-Heroes #197 (1973), onde Lobo Cinzento enfrenta seus colegas da Legião dos Super-Heróis. Arte de Nick Cardy.

No início dos anos setenta Dave Cockrum desenhava as aventuras da Legião dos Super-Heróis — uma equipe futurista da DC Comics — e nesse trabalho ele modernizou o visual do supergrupo do Século XXX, dando para a maioria dos seus membros novos e vistosos uniformes. Um dos personagens modificados pelo desenhista foi Lobo Cinzento — um herói com poderes lupinos –, para quem Cockrum deu olhos crispados e um corte de cabelo semelhante aquele que posteriormente Wolverine apresentaria. Mas vocês acham que Lobo Cinzento foi a única inspiração visual para o canadense? Ainda tem mais…

Esboço da Gata Negra, personagem imaginada por Dave Cockrum que serviu de inspiração para a criação da x-man Tempestade e cujo corte de cabelo é similar ao do Wolverine.

Um dos passatempos de Cockrum era rascunhar super-heróis em um caderno, super-heróis esses quase sempre advindos de sua prodigiosa imaginação. Um dos esboços do desenhista era uma heroína felina que ele apelidou de Gata Negra (Black Cat, no original em Inglês), que por uma incrível “coincidência” também tinha um corte de cabelo praticamente igual ao do Wolverine. Apesar das semelhanças capilares da Gata Negra com o herói canadense no final de tudo a aparência dessa inédita personagem se tornou modelo para a criação de Tempestade, a nova x-man dotada de poderes climáticos. Mas não pensem que as coisas pararam no Lobo Cinzento e na Gata Negra…

Arte produzida por Dave Cockrum em 1972 com os Devastadores, um grupo que potencialmente poderia ser usado nas HQs da Legião dos Super-Heróis. Entre os personagens há um sujeito com longas costeletas e cara de poucos amigos que Cockrum batizou com o nome de… Wolverine!

Outro esboço de Dave Cockrum envolvia uma equipe de superseres batizada de Devastadores (Devastators, no idioma britânico), que foram oferecidos à DC Comics para uma eventual utilização nas HQs da Legião dos Super-Heróis. Entre os personagens desenhados pelo artista havia um com aparência semelhante a de um lobisomem, que Cockrum provisoriamente batizou com o nome de… Wolverine! Os editores da DC Comics acharam os desenhos simpáticos, mas não mostraram muito interesse na oferta do desenhista, e no início de 1974 — já trabalhando para a Marvel — Cockrum mostrou os esboços para Roy Thomas, explicando o conceito por trás de cada uma de suas criações, e no caso do seu Wolverine o desenhista falou que basicamente ele era um sujeito sórdido e violento. Vocês não acham que esse sujeito levemente parecido com o Wolverine da Marvel? Pois é… em depoimento registrado na série de livros jornalísticos X-Men Companion (publicados originalmente pela Fantagraphic Books no começo dos anos oitenta e inéditos no Brasil) Cockrum falou que possivelmente Thomas se esqueceu da conversa que tiveram, porém ele não escondeu que ficou um pouco ressentido quando o super-herói canadense homônimo a sua criação foi lançado. Também para X-Men Companion Thomas admitiu que pode ter tido com Cockrum uma conversa sobre um futuro Wolverine, mas que não tinha nenhuma lembrança consciente dela.

Alívio Cômico

Nas cabeças de Chris Claremont e Dave Cockrum a ideia de que as garras de adamantium do Wolverine faziam parte das suas luvas não era interessante. Ora, se as garras faziam parte de dispositivos externos qualquer pessoa poderia ser um Wolverine! Isso fez com que ambos definissem que as principais armas do herói canadense estavam embutidas nos seus antebraços e uma coisa puxa a outra: se as garras de adamantium estavam dentro do corpo de Wolverine, por que não fazer com que os todos os seus ossos fossem impregnados com o mesmo metal? Se todo o esqueleto do personagem está revestido de uma substância metálica, por que não atribuir para ele um “fator de cura” que acelerasse a sua recuperação de ferimentos, intoxicações e doenças, algo que certamente o impediria de morrer contaminado pelo adamantium? E para que ter superforça explícita, se na equipe mutante Colossus já fazia o papel de fortão? E aí precisamos voltar para X-Men #98

Importante cena de X-Men #98 (1976), que além de aventar a possibilidade de Wolverine não ser um mutante mostra pela primeira vez para os leitores que as garras do personagem estavam embutidas no seu corpo. Arte de Dave Cockrum e Sam Grainger.

Em “Feliz Natal, X-Men” a equipe foi atacada pelos Sentinelas (robôs criados com o objetivo específico de caçar mutantes), e na luta que se seguiu Wolverine foi capturado pelos autômatos. Levado à presença do Steven Lang — o cientista que comandava as criaturas cibernéticas — o baixinho canadense foi submetido a diversos testes, que indicaram que talvez ele não fosse mutante. Não estão entendendo nada? Ora, quando criou o personagem Len Wein o definiu como um mutante, mas supostamente deixou em aberto a possibilidade dele ser, digamos assim, algo diferente. De repente Wolverine poderia ser na verdade um carcaju altamente evoluído que atingiu uma forma muito próxima da humana! Bizarro, não acham? Muito tempo depois Wein afirmou que essa ideia nunca passou pela sua cabeça, mas Claremont e Cockrum decidiram insinuá-la nessa história, e havia planos para vincular o herói ao Alto Evolucionário, um vilão conhecido justamente por acelerar a evolução de animais. As coisas só não foram adiante por uma razão: Stan Lee! Mas que diabos o maior editor e escritor da história da Marvel tem a ver com isso?

Página de X-Men #103 (1977), onde através de uma conversa de Wolverine com um leprechaun (um típico duende irlandês) os leitores descobriram que o nome civil do herói canadense é Logan. Arte de Dave Cockrum e Sam Grainger.

Na segunda metade da década de setenta o corpo editorial da Marvel tinha planos de lançar uma versão feminina do Homem-Aranha — no caso a gloriosa Mulher-Aranha –, e entre as ideias para a personagem que foram postas na mesa havia a opção dela ser uma criatura aracnídea evoluída à forma humana. Stan Lee (que naquela época estava afastado do dia a dia da Casa das Ideias mas ainda participava das grandes decisões da editora) considerou essa proposta descabida e de difícil assimilação para os leitores, e a vetou de maneira veemente. Assim que tomaram conhecimento da posição do “chefe” sobre animais superdesenvolvidos Chris Claremont e Dave Cockrum decidiram deixar de lado o conceito do “carcaju evoluído” e optaram pela abordagem do “homem de passado misterioso”, que durante muito e muito tempo norteou o desenvolvimento do Wolverine. O lance do “homem de passado misterioso” foi levado tão a sério que apenas durante um conflito com os vilões Fanático e Black Tom Cassidy publicado em X-Men #103 os leitores souberam através de uma conversa privada de Wolverine com um duende irlandês (!?) que o seu verdadeiro nome era Logan. Apenas e tão somente… Logan!

Página de X-Men #94 (1975) onde um estouvado Wolverine arruma confusão com Ciclope e o Homem de Gelo. Arte de Dave Cockrum e Bob McLeod.

Situado na região do Yukon (no nordeste canadense) e tendo quase seis mil metros de altura, o Monte Logan é o maior pico do Canadá e um dos mais altos das Américas. Não se sabe se foi por sugestão de Chris Claremont ou Dave Cockrum (nenhuma das partes envolvidas lembra quem teve a ideia) que o personagem recebeu esse nome civil, mas o propósito dele é muito claro: de maneira irônica um super-herói nanico teria justamente o nome de uma das mais altas montanhas do mundo.

Página de Iron Fist #15 (1977) onde Wolverine faz vigília em frente ao apartamento de Jean Grey, e “rasga” uma foto da sua amada com Ciclope. Arte de John Byrne e Dan Green.

Depois de tantas explicações sobre a aparência, a suposta origem e o verdadeiro nome do Wolverine a nossa mui estimada audiência deve acreditar que Chris Claremont e Dave Cockrum tinham verdadeira adoração pelo baixinho canadense, não é mesmo? Errado! Na verdade Cockrum não escondia de ninguém que o seu x-man favorito era Noturno, e Claremont tinha clara preferência pelas personagens femininas do supergrupo. Nessas condições sobrou para o nosso herói um papel um tanto quanto insólito: ser o eventual alívio cômico nas aventuras dos X-Men. Esse Wolverine “bem-humorado” se revelava das mais diversas formas: ora nas piadas que ele sempre fazia; ora na sua “paixonite” pela colega de equipe Jean Grey; ora no seu pavio curto, que sempre o fazia desafiar os seus companheiros, em especial Ciclope, o líder dos X-Men; e ora se dando mal quando atacava seus adversários de maneira destrambelhada.

Página de Iron Fist #15 (1977), onde vestindo um traje roubado do alienígena Garra o sempre irritado Wolverine parte para cima do Punho de Ferro. Arte de John Byrne e Dan Green.

O cúmulo do Wolverine “cômico” ocorreu na aventura “A Chegada dos X-Men”, publicada no gibi Iron Fist #15 e produzida por Claremont em parceria com o desenhista John Byrne. Nessa história Wolverine pensou que o apartamento da sua “musa” Jean Grey estava sendo invadido pelo artista marcial Punho de Ferro, e isso levou o baixinho canadense a enfrentá-lo, e não demorou muito para os demais integrantes dos X-Men serem arrastados para esse mal-entendido, que a duras penas foi desfeito. Uma curiosidade: em “A Chegada dos X-Men” Wolverine usou um uniforme nas cores marrom, preta e laranja decorado com dentes que no gibi X-Men #107 foi roubado do Garra, um irascível integrante do agrupamento alienígena conhecido como Guarda Imperial de Shiar.

De forma muito esporádica o traje do Garra foi relembrado em aventuras futuras do Wolverine, e apesar do caráter “bem-humorado” do personagem ter sua cota de fãs ele estava com os dias contados, em grande parte por causa do desenhista que desenhou a briga do baixinho canadense com o Punho de Ferro, o tal do John Byrne.

Se Abraçando na Bandeira do Canadá

O trabalho de Dave Cockrum junto a equipe mutante era venerado pelos leitores, porém dificuldades em cumprir prazos fizeram com que a partir de X-Men #108 ele fosse substituído por John Byrne. Nascido na Inglaterra e criado no Canadá, Byrne vinha chamando a atenção dos fãs pelo seus trabalhos conjuntos com Chris Claremont nos gibis Marvel Team-Up (que trazia aventuras do Homem-Aranha com outros heróis da Marvel — saiba mais clicando aqui) e Iron Fist, e tal fato aliado ao seu amor pelos X-Men o faziam um substituto mais do que perfeito para Cockrum.

Esboço feito por John Byrne por volta de 1976 como uma proposta de rosto para Wolverine. Reparem que logo abaixo do desenho ele escreveu a frase: “Caso o Wolverine decida tirar a máscara!”.

A paixão de John Byrne pelos X-Men era tão grande que antes mesmo de assumir a revista dos mutantes ele enviava para Chris Claremont sugestões de plots para os discípulos do Professor X, e uma das suas propostas envolvia um rascunho onde o desenhista elaborou o rosto do Wolverine sem a máscara. Loiro e com uma aparência mais jovial que aquela apresentada em X-Men #98, o semblante que Byrne imaginou para o herói canadense foi sumariamente rejeitado em prol do design concebido por Dave Cockrum, mas esse trabalho não foi de todo desperdiçado.

Capa de Iron Fist #14 (1977), revista que trouxe a estreia de Dentes-de-Sabre, vilão que estava destinado a se tornar um dos maiores inimigos do Wolverine. Arte de Dave Cockrum e Al Milgrom.

Em Iron Fist #14 os adoráveis Chris Claremont e John Byrne apresentaram aos leitores Dentes-de-Sabre, um violentíssimo criminoso que possuía habilidades parecidas com as do Wolverine, e cuja aparência foi parcialmente inspirada na proposta de rosto que Byrne fez para o herói canadense. Com o passar do Tempo — mais especificamente nos anos oitenta — Dentes-de-Sabre se tornou um dos maiores inimigos do Wolverine, e Claremont e Byrne admitem que foi cogitada a possibilidade do vilão ser o pai de Logan, mas essa ideia foi deixada de lado em favor de uma antiga rivalidade que foi intensificada durante o período em que ambos atuaram como agentes secretos. Mas, voltando ao início oficial do trabalho de Claremont e Byrne a frente da revista X-Men…

John Byrne procurou Chris Claremont um pouco antes de iniciar o seu trabalho em X-Men para se inteirar dos planos do escritor para o título, e no meio desse bate-papo o desenhista escutou dele algo que hoje soaria surpreendente: Claremont disse para o desenhista que simplesmente não sabia o que fazer com Wolverine, e que estava pensando em tirá-lo da equipe mutante!

Uma magistral página dupla de de X-Men #115 (1978), onde de forma selvagem Wolverine ataca Sauron, um antigo inimigo dos X-Men. Arte de John Byrne e Terry Austin.

A reação de John Byrne ao desejo de Chris Claremont de “expulsar” Wolverine dos X-Men foi rápida: cheio de patriotismo e quase se abraçando na bandeira do Canadá o desenhista afirmou que era um absurdo o roteirista querer tirar o único membro canadense da equipe justo no momento em que a revista dos mutantes passava a ser desenhada por um artista criado no Canadá! Após essa conversa Claremont prometeu que reveria as suas concepções em relação ao personagem e Byrne deu início a um “sinistro plano secreto” que mudaria para sempre os X-Men…

Vamos discutir novamente o belo rostinho do Wolverine: até hoje muitos fãs e quadrinistas adoram comparar o personagem com Clint Eastwood, um ator famoso por interpretar tipos durões e solitários como o baixinho canadense. John Byrne manteve a aparência de Logan concebida por Dave Cockrum, mas ao desenhá-lo o artista anglo-canadense se inspirou em outro ator, no caso Paul D’Amato, que teve um papel importante em Vale Tudo, filme sobre hóquei lançado em 1977 e protagonizado pelo renomado Paul Newman. Não é preciso alto poder de dedução para saber que a feição abrutalhada de D’Amato usada por Byrne no baixinho canadense se tornou praticamente um padrão para o personagem nos anos que se seguiram.

Acima: Foto do ator Paul D’Amato tirada durante as filmagens do filme Vale Tudo. Abaixo: esboço que John Byrne fez de Wolverine para o fanzine Visions. A notável semelhança entre D’Amato e Logan confirma que de fato Byrne se inspirou no ator ao desenhar Wolverine.

As contribuições de John Byrne não se restringiram a maneira peculiar como ele esboçava o herói nanico: além de desenhar o artista anglo-canadense era ótimo com roteiros, e não demorou muito para ele tornar-se o coescritor de X-Men. Uma das consequências disso foi que Byrne tomou Wolverine como o seu favorito do grupo e fez com que gradualmente as fanfarronices e o bom humor de Logan ficassem em segundo plano e ele passasse a ser retratado de forma soturna, violenta, séria e principalmente mais destacada nas aventuras da equipe mutante. Isso ficou muito claro na aventura “O Resgate da Terra Selvagem”, publicada em X-Men #116 : nessa história os alunos do Professor X enfrentavam na Terra Selvagem (uma região na Antártida que preserva características pré-históricas) o semideus Garokk e seus asseclas, e num determinado momento Wolverine, Tempestade e Noturno precisavam invadir a fortaleza do vilão. A única entrada do local era vigiada por um dos vassalos do vilão, e sem muito lero-lero o baixinho canadense furtivamente se aproximou do soldado e… matou-o a sangue-frio, numa cena que mostrou pela primeira vez Wolverine executando alguém.

Página de X-Men 116 (1978), onde para o espanto de Noturno e Tempestade e “sem muita conversa” Wolverine executa um soldado do vilão Garrok. Arte de John Byrne e Terry Austin.

Para os padrões atuais do Quadrinho Americano de super-heróis o assassinato cometido por Wolverine em X-Men #116 foi muito simples e discreto, uma vez que não foi mostrado o herói cravando as garras no servo de Garokk, e nem poderia ser diferente, já que naquela época o Comics Code Authority (órgão que durante décadas regulou e muitas vezes censurou a publicação de HQs nos EUA) não via com bons olhos atitudes excessivamente violentas dos personagens nos gibis. O lado curioso dessa cena se encontra no fato de que ela foi desenhada por John Byrne com a anuência de Roger Stern (o editor da revista) e a revelia de Chris Claremont, que além ser obrigado a reescrever o roteiro da aventura ficou furioso com o desenhista. Todavia, além da revelação de que não tinha pudores em matar seus adversários num futuro não muito distante Claremont e Byrne enriqueceriam o passado de Wolverine com alguns elementos muito interessantes e abririam o coração do herói para o amor…

Vingadores Canadenses

Ainda durante a passagem de Dave Cockrum por X-Men o desenhista especulou que provavelmente o governo canadense ficou chateado com a demissão de Wolverine em Giant-Size X-Men #1, e que talvez houvessem outros super-heróis pelas bandas do país vizinho dos EUA. Chris Claremont apresentou esse conceito para John Byrne, que rapidamente sacou da gaveta desenhos feitos na sua adolescência e início da vida adulta, um período onde o então imberbe artista ainda sonhava em produzir quadrinhos no Canadá.

Capa de X-Men #109 (1977), onde a equipe mutante é atacada por Arma Alfa, um antigo amigo de Wolverine. Arte de Dave Cockrum e Terry Austin.

Em X-Men #109 surgiu o primeiro fruto da ideia proposta por Dave Cockrum e retrabalhada por Chris Claremont e John Byrne: a equipe mutante descansava na Mansão X (o seu quartel-general) quando repentinamente foi atacada por Arma Alfa, um agente do governo canadense dotado de poderes eletromagnéticos e que vestia um traje eletrônico inspirado na bandeira do Canadá. A intenção do Arma Alfa era clara: levar Wolverine de volta para o seu país natal a força, para que ele reassumisse seu posto nas Forças Armadas canadenses. Obviamente o Arma Alfa falhou em seu intento, e Wolverine revelou nas últimas páginas de X-Men #109 que o “Capitão Canadá” era um antigo e querido amigo. As portas ficaram mais do que abertas para a exploração de alguns aspectos do passado de Logan.

No meio de uma viagem de avião de volta para os EUA a equipe mutante foi obrigada a fazer um pouso forçado no Canadá em X-Men #120. Essa foi a “deixa” para o governo canadense fazer mais uma tentativa de reintegrar Wolverine, mas dessa vez o Arma Alfa — agora rebatizado como Víndix — não cumpriria a missão sozinho, e viria acompanhado por um grupo de superseres proverbialmente chamado de… Tropa Alfa!

Página de X-Men #121 (1979), onde a equipe mutante se depara com a superequipe canadense chamada Tropa Alfa. Arte de John Byrne e Terry Austin.

No decorrer do combate que aconteceu entre os discípulos do Professor X e o time comandado por Víndix nas edições #120 e #121 de X-Men foi revelado que o governo do Canadá gastou milhões de dólares treinando Logan para que ele se tornasse o líder de uma espécie de “Vingadores Canadenses”, e não podia aceitar que seu investimento fosse desperdiçado, mas Wolverine “mandou uma banana” para eles e continuou a atuar com os X-Men. Nos anos seguintes a sua primeira aparição a Tropa Alfa teve inúmeras participações especiais em várias revistas da Marvel, até ganhar uma série mensal própria em 1983 — nomeada como Alpha Flight — escrita e desenhada por John Byrne, que garantiu aos aventureiros canadenses o seu lugar definitivo no panteão de super-heróis da Marvel. Ah, um detalhe curioso merece ser mencionado aqui: apesar de ser cocriador da superequipe do Canadá, dos seus membros terem a aparência modelada a partir de esboços feitos na sua adolescência e de ter sido o quadrinista responsável pelas primeiras vinte e oito edições de Alpha Flight na cabeça de John Byrne o único propósito da Tropa Alfa era dar algumas pistas sobre o passado do Wolverine e fazer uma única aparição especial em X-Men #120 e #121. Em resumo: Byrne nunca gostou muito do supergrupo canadense! Entretanto, outra criação de quadrinista anglo-canadense certamente era mais querida por ele…

Cena de X-Men #118 (1978), onde Wolverine conheceu Mariko Yashida, um dos grandes amores da sua vida. Arte de John Byrne e Ricardo Villamonte.

Em X-Men #118 e X-Men #119 a equipe mutante estava no Japão enfrentando o super-terrorista e contrabandista de armas Moses Magnum, e no meio desse conflito Wolverine conheceu Mariko Yashida, a descendente de uma nobre e tradicional família nipônica e prima do antigo x-man Solaris. Não demorou muito para o baixinho canadense se apaixonar pela delicada garota e ser correspondido por ela, cuja criação foi inspirada em Toda Mariko, a principal personagem feminina de Xógum: A Gloriosa Saga do Japão, um romance literário ambientado no Japão Feudal e escrito por James Clavell.

Mariko Yashida foi criada com o claro propósito de contrapor um canadense rude a uma refinada dama japonesa, e haviam planos para torná-la numa espécie de governanta da Mansão X, mas eles foram abdicados em favor da transformação da amada de Logan numa representante diplomática que atuava no Consulado Japonês em Nova York. Algum tempo depois Mariko se tornaria personagem essencial numa das mais importantes histórias do Wolverine de todos os tempos.

Novo Traje de Combate

Estão lembrados do “sinistro plano secreto” arquitetado por John Byrne? Obviamente ele envolvia dar maior destaque para Wolverine em X-Men e tornar a sua personalidade mais séria, e na virada dos anos setenta para os oitenta um “efeito colateral” interessante decorreu dele: Logan se tornou o favorito da maioria dos leitores e o personagem de maior destaque da superequipe mutante, e até mesmo Chris Claremont reviu a sua opinião original sobre o baixinho canadense.

Página de X-Men #131 (1979), onde Wolverine se prepara para “dar um trato definitivo” nos mercenários que atacaram Kitty Pryde. Arte de John Byrne e Terry Austin.

Há divergências entre os fãs e pesquisadores da Nona Arte sobre em qual momento Wolverine de fato se tornou o principal integrante dos X-Men: muitos acreditam que isso ocorreu em X-Men #130, quando Logan deu um “trato definitivo” num grupo de mercenários do Clube do Inferno (uma organização secreta de bilionários que pretendia usar mutantes para fins escusos) que atacou Kitty Pryde, uma adolescente destinada a se tornar x-man; alguns tem certeza que o “momento crucial” do personagem foi mostrado na última página de X-Men #132, onde um Wolverine ferido e enlameado jurou “partir com tudo” para cima do Clube do Inferno; e outros colocam as suas fichas na aparição da versão grisalha e envelhecida do baixinho canadense em “Dias de Um Futuro Esquecido”, uma das mais importantes aventuras da equipe mutante de todos os tempos e que foi publicada em X-Men #141 e #142. E, em meio a tanta relevância John Byrne entendeu que uma pequena mudança deveria ser aplicada ao agora mais destacado membro da equipe mutante da Marvel.

Última página de X-Men #132 (1980), onde um furioso Wolverine jura vingança contra o Clube do Inferno. Arte de John Byrne e Terry Austin.

John Byrne sempre teve uma certa implicância com o esquema de colorização do uniforme de Wolverine (amarelo, azul e preto), que segundo alguns boatos foi inspirado nas cores da Universidade de Michigan, que tinha um carcaju como o seu mascote em eventos esportivos. Com a devida autorização de Jim Shooter (então editor-chefe da Marvel) o quadrinista redesenhou a roupa de Logan, que posteriormente ganhou do colorista Andy Yanchus as cores marrom, laranja e preta, muito mais próximas de um verdadeiro carcaju.

Icônica capa de X-Men #141 (1980), onde num futuro não muito distante um envelhecido Wolverine protege uma Kitty Pryde adulta. Arte de John Byrne e Terry Austin.

Sem maiores explicações (lembrem-se que o baixinho canadense era um “homem misterioso”) o novo traje de combate de Wolverine foi mostrada aos leitores em X-Men #139, e os fãs — quase sempre intolerantes com mudanças nos seus amados personagens — o adoraram, tanto que a roupa marrom e alaranjada se tornou o padrão do personagem no transcorrer da década de oitenta. Contudo, esses mesmos fãs não ficaram tão contentes com outra mudança…

Arte retirada do Official Handbook of the Marvel Universe #12 (1983), que mostra o uniforme de Wolverine marrom e alaranjado concebido por John Byrne. Arte de John Byrne e Josef Rubinstein.

Chris Claremont e John Byrne tinham sérias divergências criativas em relação aos rumos que deveriam ser tomados pelos X-Men, e no final de 1980 o desenhista anglo-canadense abandonou a revista dos mutantes. Todavia, isso não significou um rebaixamento de Wolverine na escala de importância entre os discípulos do Professor X. Na verdade, ocorreu justamente o contrário!

Sou o Melhor No Que Faço

X-Men se tornou o título de maior vendagem dos EUA logo após a saída de John Byrne, justamente num momento em que o ramo americano de quadrinhos passava por mudanças profundas. A audiência dos gibis estava sensivelmente mais velha e o crescimento do Mercado Direto (uma modalidade de negócio que privilegiava a distribuição e venda de revistas em quadrinhos nas comic shops) abria a possibilidade para o lançamento de HQs mais sofisticadas e maduras. Um certo x-man estava prestes a se tornar uma referência nessa mudança estética e mercadológica nos gibis americanos de super-heróis.

Capa de Wolverine #1 (1982), onde um feroz e sorridente Logan convida seus adversários para a briga. Com o tempo essa se tornou uma das mais icônicas imagens do Wolverine. Arte de Frank Miller e Josef Rubinstein.

O quadrinista Frank Miller havia se tornado um astro das HQs estadunidenses graças ao seu brilhante trabalho na série Daredevil (Demolidor), e durante uma viagem para a San Diego Comic Con (a mais importante convenção de quadrinhos dos EUA) ele trocou algumas ideias com Chris Claremont sobre possíveis projetos que eles poderiam conceber em parceria, e a conversa acabou chegando no Wolverine.

Frank Miller falou para Chris Claremont que não tinha o menor interesse em desenhar HQs com um protagonista sanguinário, mas o roteirista de X-Men explicou-lhe que não era isso que ele tinha em mente. Na verdade Claremont queria explorar o conflito interno de um homem tomado por instintos selvagens que ansiava por se tornar um ser humano digno e civilizado. Com essa premissa em suas mentes Claremont e Miller criaram uma minissérie protagonizada por Wolverine e dividida em quatro capítulos, que foram lançados a partir do final do primeiro semestre de 1982.

Capa de Wolverine #2 (1982), onde um Wolverine tomado por uma fúria assassina “parte para cima” dos leitores. Arte de Frank Miller e Josef Rubinstein.

Eu sou Wolverine. Sou o melhor no que faço, mas o que eu faço melhor não é nada agradável”. Com essa frase que se tornou uma das melhores definições do baixinho canadense a série fechada de Chris Claremont e Frank Miller que foi arte-finalizada por Josef Rubinstein começou, e no seu primeiro capítulo Logan descobriu que a sua amada Mariko Yashida havia retornado para o Japão e se casado com outro homem. Rapidamente Wolverine soube que o casamento da sua namorada foi arranjado por Shingen Yashida, que além de ser o pai de Mariko era um poderoso gangster vinculado ao submundo criminoso japonês, e essa foi a deixa para os leitores verem o x-man ao lado da assassina Yukio (que se tornou sua aliada e amante) em confrontos sanguinolentos com ninjas e samurais, que quase sempre eram entremeados por reflexões sobre o conflito entre o lado selvagem e o lado civilizado da natureza humana.

Uma das páginas iniciais de Wolverine #2 (1982), onde Logan e Yukio encaram uma saraivada de flechas disparadas por ninjas. Arte de Frank Miller e Josef Rubinstein.

No início dos anos oitenta os mangás ainda não eram populares nos EUA como são hoje, mas Frank Miller já havia tido contato com algumas HQs japonesas, mais especificamente com Lobo Solitário, a obra-prima de Kazuo Koike e Goseki Kojima. Na minissérie é visível a influência nipônica na arte de Miller, em especial nos embates físicos de Wolverine contra o seus antagonistas, e nos cabe citar aqui um aspecto interessante deste trabalho: até então as garras de Wolverine quase sempre foram retratadas como cilindros pontiagudos, e com o propósito de adequá-las a “temática samurai” da história Miller as desenhou como lâminas. Nos anos subsequentes muitos desenhistas passaram a usar o “Padrão Miller” quando retratavam as principais armas do baixinho canadense.

Capa da segunda edição de Kitty Pryde and Wolverine (1984), onde Logan encara um ninja sob o olhar assustado de Kitty Pryde. Arte de Al Milgrom.

A minissérie do Wolverine produzida por Chris Claremont e Frank Miller foi um sucesso artístico e comercial, e entre 1984 e 1985 o escritor fez com que o herói canadense voltasse para o Japão na série em seis capítulos Kitty Pryde and Wolverine, que foi desenhada por Al Milgrom e onde a mais jovem dos X-Men foi sequestrada por Ogun, um misterioso samurai possuidor de poderes místicos que tinha ligações obscuras com o passado de Logan. Este projeto não foi tão brilhante quando a HQ desenhada por Frank Miller, mas ajudou a aumentar a sempre crescente popularidade de Wolverine. E justamente essa “popularidade” começou a dar dores de cabeça em Chris Claremont!

Uma Série Mensal Própria

Em meados dos anos oitenta o gibi dos X-Men vendia mais que água no deserto, e uma consequência desse sucesso foi o surgimento de títulos spin-off da série mutante como New Mutants (Novos Mutantes) e X-Factor (X-Factor). Nesse cenário havia uma enorme pressão por parte dos fãs e do corpo editorial da Marvel por mais aventuras individuais de Wolverine e até mesmo por uma revista mensal estrelada pelo herói canadense, mas Chris Claremont resistia o máximo possível a isso: na opinião do escritor o excesso de exposição do personagem acabaria desgastando-o junto aos leitores. Mas… como quem não queria nada os “chefões” da Casa das Ideias falaram para Claremont que Logan protagonizaria mais HQS próprias com ou sem o roteirista que o acompanhava desde 1975. Sem outra opção Claremont assentiu com a ordem dos seus superiores editoriais e sentou-se a frente da sua máquina datilográfica com o propósito de elaborar scripts estrelados pelo x-man favorito de todos. Contudo, o escritor fez questão de fugir do típico padrão de histórias de super-heróis publicadas pela Marvel.

Capa de Marvel Comics Presents #1 (1988). Esta série semanal da Marvel trouxe dezenas de histórias curtas protagonizadas por Wolverine. Arte de Walter Simonson.

Marvel Comics Presents era um título semanal da Casa das Ideias que trazia histórias curtas e experimentais protagonizadas por personagens secundários da editora, e no seu primeiro número (lançado em maio de 1988) apresentou uma aventura protagonizada por Wolverine que foi escrita por Chris Claremont e desenhada por John Buscema, artista famoso pelo seu trabalho com o selvagem Conan. As HQs de Claremont e Buscema publicadas até a décima edição da revista tinham como cenário Madripoor, uma ilha fictícia localizada no Sudeste Asiático que era apinhada de todos os tipos de criminosos, e dentro desse ambiente tão “aprazível” o baixinho canadense assumiu a identidade de Caolho, um sujeito dúbio que vestido com um elegante smoking e um tapa-olho trafegava livremente entre piratas, contrabandistas e mulheres exóticas de reputação duvidosa. Ah, é claro: de tempos em tempos Logan sacava as suas garras e rasgava no meio aqueles que eram idiotas o suficiente para enfrentá-lo!

Capa de Wolverine #1 (1988), onde em cima de uma pilha de corpos Logan finalmente ganha a sua série mensal. Arte de John Buscema e Al Williamsom.

Chris Claremont se inspirou em diversas fontes ao elaborar as aventuras de Logan em Madripoor, especialmente em Modesty Blaise (uma famosa HQ britânica criminal criada por Peter O’Donnell) e em Terry e os Piratas, um clássico do Quadrinho Americano produzido por Milton Cannif que era ambientado no Extremo Oriente. O resultado final foi óbvio: o escritor recebeu inúmeros elogios e em julho de 1988 Wolverine finalmente ganhou uma série mensal própria.

Capa de Wolverine #8 (1989), onde caracterizado como Caolho o sempre simpático Wolverine se reencontra com o seu “velho amigo” Hulk. Arte de John Buscema.

De 1988 até os dias de hoje foram raros os meses em que uma revista em quadrinhos protagonizada pelo Wolverine não chegou nas comic shops estadunidenses, e em suas séries mensais o personagem alternou entre bons e maus momentos, com especial destaque para as interessantes HQs produzidas por Larry Hama e Marc Silvestri entre 1990 e 1992. Mas ainda assim muitas dúvidas ainda martelavam as cabeças dos fãs de Logan…

Origem

Wolverine entrou nos anos noventa recuperando seu uniforme amarelo e azul graças ao desenhista superstar Jim Lee, que desde a adolescência era apaixonado pela aparência original do personagem. Independente das cores do seu traje desde o final da década anterior o baixinho canadense se tornou o expoente de uma tendência do Quadrinho Americano que dava destaque para personagens violentos e cruéis e que abrigava anti-heróis como Cable, Justiceiro, Motoqueiro Fantasma, Lobo e outros, e o seu sucesso foi expandido para o público além dos quadrinhos com o advento em 1992 da animação televisiva dos X-Men. Contudo, uma grande questão ainda não havia sido respondida: qual era a verdade origem do x-man favorito dos leitores?

Página de X-Men #268 (1990), onde durante a Segunda Guerra Mundial um “jovem” Logan é apresentado ao Capitão América. Arte de Jim Lee e Scott Willians.

Desde o surgimento de Wolverine pequenas pistas sobre a sua procedência foram mostradas ali e acolá nas revistas da Marvel. Era sabido que Logan tinha vínculos com as Forças Armadas e serviços secretos do Canadá e que foi preparado para ser o líder da Tropa Alfa, e outros indícios sobre o seu passado foram disponibilizados para os leitores: nos gibis Alpha Flight #33 e #34 (1986) descobrimos que um Logan perdido e ensandecido foi resgatado das florestas geladas do Canadá pelo casal James Hudson (o verdadeiro nome de Víndix) e Heather McNeil, e de lá foi levado para ser treinado pelo governo canadense; também em Alpha Flight #33 e #34 foi revelado pela vilã Lady Letal (que se tornaria uma das maiores inimigas de Wolverine) que o processo que implantou adamantium nos seus ossos foi criado por Lorde Vento Negro, um maligno cientista japonês; em Wolverine #10 (1989) supostamente na primeira metade do Século XX o nosso herói teve um “pega pra capar” com Dentes-de-Sabre por causa da nativa americana Raposa Prateada, um dos grandes amores da sua vida; na revista X-Men #268 (1990) o baixinho canadense atuou ao lado do Capitão América em Madripoor durante a Segunda Guerra Mundial, e no número #4 de X-Men (1991) os alunos do Professor X encararam Ômega Vermelho, um mutante russo oriundo da Guerra Fria que Logan conhecia dos seus tempos de espião.

Capa de X-Men #4 (1991), onde Wolverine (com seu traje amarelo e azul) e os X-Men encaram Ômega Vermelho, um velho “amigo” de Logan dos tempos da Guerra Fria. Arte de Jim Lee e Scott Willians.

As quatro HQs que citamos comprovavam que Wolverine era muito mais velho do que aparentava — certamente seu dom mutante de cura acelerada retardava o seu envelhecimento –, e uma importante aventura elucidou um dos aspectos mais importantes do personagem, no caso o adamantium que revestia suas garras e seus ossos. A história em questão — que rapidamente adquiriu status de clássico do Quadrinho Americano — foi simplesmente batizada de… Arma X!

Capa de Marvel Comics Presents #74 (1991), que trouxe um dos capítulos de Arma X, arco narrativo que mostrou como Wolverine ganhou suas garras e ossos de adamantium. Arte de Barry Windsor-Smith.

Produzida integralmente pelo quadrinista britânico Barry Windsor-Smith, Arma X foi publicada em 1991 entre as edições #72 e #84 de Marvel Comics Presents, e aparentemente transcorreu nos anos sessenta, uma época em que o baixinho canadense vivia uma vida sossegada, até ser sequestrado por misteriosos agentes governamentais (não ficou claro se eles eram americanos ou canadenses). Através de uma excruciante experiência científica (a qual nosso herói capturado sobreviveu graças ao seu fator de cura) o esqueleto e as garras de Logan foram impregnados com adamantium, e depois de uma nova rodada de experimentos a sua natureza bestial veio a tona, com terríveis consequências para aqueles que estavam ao seu redor.

Página de Marvel Comics Presents #81 (1991), onde logo após receber os implantes de adamantium um enlouquecido Wolverine enfrenta e esquarteja um grupo de soldados. Arte de Barry Windsor-Smith.

Barry Windsor-Smith nos mostrou em Arma X uma versão extremamente agressiva e brutal de Wolverine, mas apesar dos seus indiscutíveis méritos artísticos a série fechada publicada em Marvel Comics Presents não teve o dom de diluir totalmente a aura de “homem de passado misterioso” que sempre cercou Logan. Caberia a outra história explicar de forma minuciosa a origem do personagem.

Em 2000 os X-Men chegaram no Cinema, onde Logan foi interpretado com brilho pelo ator australiano Hugh Jackman. Com o sucesso do filme dos mutantes seria inevitável que em algum momento a origem de Wolverine fosse mostrada na tela grande, e no entendimento de Joe Quesada (que atuava como editor-chefe da Marvel no início do Século XXI) era obrigação dos Quadrinhos detalhar o nascimento e o advento dos poderes mutantes do baixinho canadense antes de qualquer outra mídia. Com essa convicção na cabeça Quesada conversou com Bill Jemas (então o principal executivo da editora) e solicitou autorização para desenvolver um projeto especial, e prontamente a recebeu.

Capa de Origin #2 (2001), que destaca as garras de Wolverine brotando numa das suas mãos. Arte de Joe Quesada e Richard Isanove.

Joe Quesada convocou o escritor inglês Paul Jenkins, o desenhista Andy Kubert e o colorista digital Richard Isanove, e juntos eles elaboraram Wolverine: Origem, uma minissérie publicada entre 2001 e 2002 que foi dividida em seis edições. A história começou em algum ponto do Século XIX, quando o abastado casal John e Elizabeth Howlett vivia numa plantation no Canadá e por lá criava seu filho, um menino tímido, amoroso e sempre adoecido chamado James. Toda a felicidade dos Howlett terminou quando o rude caseiro da mansão onde a família morava conhecido como Thomas Logan e seu filho adolescente apelidado de Cão decidiram assassinar John Howlett por causa das críticas do seu patrão aos seus maus modos. Thomas Logan cumpriu o seu intento, porém um fato inesperado ocorreu: aterrorizado com a morte do seu pai pela primeira vez o pequeno James Howlett sacou dos seus antebraços garras feitas de tecidos ósseos, e acidentalmente matou o caseiro. Horrorizada com tudo que aconteceu a mãe de James cometeu suicídio, e rapidamente Cão acusou o garoto de ser o responsável pelas três mortes. Temendo represálias James fugiu para os rincões canadenses ao lado de Rose O’Hara (empregada da casa que tinha idade próxima a dele), e com o propósito de permanecer incógnito o rapaz adotou o nome de Logan ao chegar lá. O agora autodenominado Logan cresceu e se tornou um adulto forte e honrado, porém o seu passado como James Howlett retornaria para persegui-lo e novamente desafiá-lo.

Ultima página de Origin #2 (2001), onde pela primeira vez na vida o pequeno James Howlett sacou as suas garras. Arte de Andy Kubert e Richard Isanove.

A minissérie Wolverine: Origem tinha um bom roteiro que foi valorizado pelo lápis e Andy Kubert e pelas cores de Richard Isanove, e além de revelar que o nome de batismo do herói canadense era James Howlett ela insinuou que talvez Thomas Logan fosse o seu pai biológico. Outro fato interessante mostrado nesta HQ é que como “forma de autodefesa” o poder de cura de Logan obscurecia ou apagava completamente algumas das suas memórias quando ele sofria traumas psicológicos intensos, e a morte dos seus pais foi o perfeito exemplo desse tipo de situação. Em 2005 as lembranças de Wolverine foram plenamente restauradas no final do crossover Dinastia M, e um enorme leque de possibilidades se abriu para o personagem nos anos seguintes.

Polêmica

A senda de sucesso de Wolverine nos quadrinhos continuou no Século XXI, com o personagem ganhando inesperados parentes, ou sendo mais preciso: Logan descobriu que era papai! O seu primeiro rebento a surgir foi Laura Kinney, uma menina criada pelos roteiristas Craig Kyle e Christopher Yost com talentos similares as do baixinho canadense, e que estreou em 2003 na animação televisiva X-Men: Evolution. No ano seguinte a jovem Laura migrou para os quadrinhos na minissérie NYX, e em 2005 a série fechada X-23 revelou ela era uma clone criada a partir de material genético modificado de Wolverine. Estreante em 2007 no gibi Wolverine: Origins #10 e nascido através de “meios naturais”, Akihiro era filho de Logan com Itsu, uma esposa japonesa que ele teve durante a Segunda Guerra Mundial. Sem o conhecimento do baixinho canadense (que não saiba da sua existência) Akihiro foi criado por uma família adotiva e posteriormente recebeu treinamento marcial de Romulus (um dos mais perigosos inimigos do x-man), se tornando um perigoso adversários para o seu pai e adotando o nome de guerra de Daken (“mestiço”, no idioma nipônico). De forma muito óbvia o personagem criado por Daniel Way e Steve Dillon se reconciliou com seu progenitor, e dada a sua bissexualidade se tornou um importante representante da comunidade LGBTIQA+ nos quadrinhos da Marvel.

Capa de X-23 #1 (2005), primeira série estrelada por Laura Kinney. Arte de Billy Tan e Jon Sibal.

Mas… retornando aos X-Men no Cinema: os alunos do Professor X estrelaram treze películas, que obtiveram diferentes níveis de sucesso artístico e financeiro. Sempre com Hugh Jackman o irascível Wolverine participou de três filmes totalmente focados nele: X-Men Origens: Wolverine (2009), Wolverine: Imortal (2013) e Logan (2017), e justamente quando o astro australiano estava prestes a se despedir definitivamente do personagem que o consagrou uma polêmica grave se instalou no meio da indústria americana de quadrinhos.

Capa de Wolverine: Origins #13, com destaque para Daken, o filho do Wolverine. Arte de Joe Quesada e Dan Miki.

Tudo começou em 2019, quando em um artigo de autoria de Roy Thomas e do seu agente John Cimino publicado no site Comic Book Resources o antigo editor-chefe da Marvel revindicou para si o mérito de ser um dos cocriadores de Wolverine, já que ele ordenou a criação do personagem e determinou o seu nome e nacionalidade. Naquele momento o texto não teve maior repercussão, mas na esteira do lançamento do filme Deadpool e Wolverine em 2024 foi revelado que a Marvel e a Disney (grupo de mídia proprietário da Casa das Ideias) pretendiam creditar oficialmente Thomas como um dos criadores de Logan.

A intenção da Marvel e da Disney causou um profundo mal-estar em Christine Valada — a viúva de Len Wein –, e vários profissionais dos quadrinhos como Mark Waid, Bobbie Chase e Tom Brevoort prestaram solidariedade a ela, disparando críticas pesadas a revindicação de Roy Thomas, chegando inclusive a afirmar que ele se aproveitou dos passamentos recentes de Wein, Herb Trimpe e John Romita Sr. para obter ganhos financeiros com royalties derivados do Wolverine. Numa longa entrevista concedida a Forbes Magazine o ex-líder editoral da Marvel explicou que seu objetivo não era diminuir a importância dos demais criadores do personagem ou ganhar alguns trocados, mas ter o seu nome reconhecido como um daqueles que trouxeram ao mundo o baixinho canadense. E aí precisamos entrar numa discussão sobre certos aspectos que envolvem a produção de revistas em quadrinhos.

Capa da revista especializada Alter Ego #194 (ainda inédita), onde Roy Thomas certamente defenderá a o seu papel como cocriador do Wolverine. Arte de Tony Gray.

Como representante da companhia que produz gibis ou livros faz parte do trabalho de um editor sugerir ou revisar plots, e até mesmo propor a concepção de personagens. Porém, dentro da indústria estadunidense de comic books há um claro consenso entre todos os profissionais que os verdadeiros criadores de um super-herói são os quadrinistas que elaboraram a sua primeira aparição. Dito isso o imodesto autor deste artigo entende que a importância histórica de Roy Thomas como editor, escritor e pesquisador da Nona Arte (ele edita Alter Ego, uma revista especializada que realiza o resgate de HQs e criadores do passado) é inquestionável, mas o mérito da criação de Wolverine deve recair exclusiva e integralmente sobre Len Wein e Herb Trimpe.

No Fim…

E após uma longa e extenuante caminhada chegamos no final do nosso textão! E nesse momento precisamos compartilhar uma coisa com as pessoas que pacientemente reservaram um tempo para ler tantas e tantas palavras: o mui adorável autor deste artigo conheceu Wolverine no final de 1982 através do gibi Almanaque do Hulk #9, e num primeiro momento estranhou o herói esquisito que tinhas “unhas compridas”, mas ainda assim gostou dele. De lá para cá o “esquisitíssimo” Wolverine acompanhou o gentil escrevinhador dessas linhas por muito e muito tempo como o fez com milhares de leitores de quadrinhos mundo afora nos últimos cinquenta anos… e como provavelmente o fará pelas próximas cinco décadas!

Capa de Wolverine #30 (2024), onde com o objetivo de celebrar os cinquenta anos de Logan o desenhista Ethan Young recria a capa de X-Men #1 (1963) com várias versões do baixinho canadense.

Mas… antes das despedidas finais devemos para todos aqueles que chegaram até aqui e gostam de ter suas coleções de HQs em dia algumas informações de cunho bibliográfico:

● A estreia de Wolverine e o seu confronto com o Hulk foi publicado pela primeira vez no Brasil em O Incrível Hulk #22 (1980), da Editora RGE. Nos últimos anos essa HQ foi republicada algumas vezes por aqui, sendo que a última foi em Os Fabulosos X-Men: Edição Definitiva #4 (2022), da Panini;

● A fase clássica em que as aventuras dos X-Men produzidas por Chris Claremont, Dave Cockrum e John Byrne foi originalmente levada ao público brasileiro entre 1979 e 1986 em diversos gibis publicados pela RGE Editora e Editora Abril, e hoje a maneira mais fácil de obtê-la é através das edições #5 a #7 da coleção Os Fabulosos X-Men: Edição Definitiva da Panini, que foram lançadas em 2023;

● No Brasil a minissérie do Wolverine produzida por Chris Claremont e Frank Miller foi publicada pela Editora Abril em quatro edições lançadas em 1988; a última disponibilização desse material em nosso país ocorreu em 2022, nos encadernados Marvel Essenciais: Eu, Wolverine e Universo Marvel Por Frank Miller;

● A Editora Abril nos trouxe Kitty Pryde and Wolverine em três formatinhos lançados em 1989, e em 2022 a Panini a republicou na íntegra em A Saga dos X-Men #5;

● Por obra e graça da Editora Abril em 1992 Wolverine ganhou a sua primeira série mensal brasileira, que em suas primeiras edições trouxe a fase do personagem em Madripoor. Parte desse material voltou ao nosso território nas oito edições da Coleção Histórica Marvel: Wolverine, lançadas pela Panini entre 2017 e 2018;

● O genial trabalho de Barry Windsor-Smith em Arma X aterrizou pela primeira vez na nossa nação em 1992, no gibi Grandes Heróis Marvel #35, da Editora Abril. Nos anos subsequentes a história que explicou como Wolverine obteve o seu adamantium ganhou várias republicações, sendo que a última é Marvel Essenciais: Wolverine — Arma X, disponibilizada pela Panini em 2022;

● A verdade origem do baixinho canadense foi apresentada aos leitores brasileiros em Wolverine: Origem, que por aqui foi lançada em três edições pela Panini em 2002; a última reedição brasileira desse material ocorreu em 2018 no encadernado em capa dura Origem: Edição Especial, também lançado pela Panini;

E agora da forma mais respeitosa possível falamos para todos:

E TENHO DITO!

P.S.: um rápido aviso aos navegantes: este artigo é a versão corrigida e ampliada de um texto de autoria do amável proprietário deste blog, que foi publicado em 2009 no finado sítio eletrônico HQManiacs!

Para saber mais:

Wikipedia: Wolverine

Sean Howe: Marvel Comics — A História Secreta

DK Publishing: Marvel Year by Year, a Visual History

Twomorrows: Back Issue! #4

Twomorrows: Back Issue! #83

Twomorrows: Back Issue! #132

Complete Marvel Reading Order: lista de aparições do Wolverine nos EUA

Guia dos Quadrinhos: lista de aparições do Wolverine no Brasil

Tom Brevoort: os primeiros anos de Wolverine

Byrne Robotics: Wolverine e John Byrne

MTV: Wolverine e Chris Claremont

Inverse: a história oral do Wolverine

Den of Geek: a domesticação do Wolverine

Olhar Digital: filmes dos X-Men

Comic Book Resources: o anúncio da estreia do Wolverine

Comic Book Resources: Wolverine como um carcaju evoluído

Comic Book Resources: Wolverine e o uniforme do Garra

Comic Book Resources: Paul D’Amato como inspiração para o Wolverine

Comic Book Resources: a evolução da aparência do Wolverine

Comic Book Resources: a volta do uniforme amarelo e azul do Wolverine

Comic Book Resources: Roy Thomas se define como cocriador do Wolverine

Bleeding Cool: Marvel passa a considerar Roy Thomas cocriador do Wolverine

Bleeding Cool: as alegações de Roy Thomas são contestadas

Forbes Magazine: Roy Thomas reafirma ser um dos cocriadores do Wolverine

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Claudio Basilio
sobrequadrinhos

Apenas um rapaz latino-americano que gosta de falar de Quadrinhos e Cultura Pop. E de outros assuntos também!