O que significa a não monogamia para mim?

Senta e vamo ouvir o que ninguém quer te contar.

Beatriz Torres ~ Bia❤
9 min readMay 15, 2019
“Para as coisas não ditas e pensamentos não expressados”. Pois hoje a gente vai falar tudinho.

"Como é esse lance para você?"
A garganta fechou em um nó. A cabeça desmoronou como se eu estivesse esperando todos esses anos por essa pergunta para salvar a minha sanidade e meu amor próprio. A pessoa recém conhecida, amiga da minha relação, que mais tarde seria coroada como alguém que muito amo (não tenho palavras a agradecer), fez em mim uma revolução de dor e fúria. Remexeu em mim os pedaços mais doloridos, mais escuros, mais cruéis dessa história, que eu vou relatar pra vocês ao responder à pergunta do início do texto.

Quero colocar aqui que esse texto é direcionado principalmente a mulheres. Homens: leiam e tentem melhorar ok?

Para ela, a primeira resposta foi: "É o inferno na Terra". E eu asseguro a vocês que não menti em momento algum. Não monogamia pode ser um dos piores infernos na vida de alguém. Vem comigo pra entender o porquê.

Antes de mais nada, vamos falar de um dos piores e mais escrotos exemplares de gente que tem na não monogamia: o homem branco cis hétero liberal. Aquele cara que prega que todo mundo pode transar com todo mundo mas não faz terapia, repudia o feminismo e odeia que apontem seus erros (manas que não se relacionam com homens: tenham mais empatia conosco). Esse sujeito foge de toda e qualquer responsabilidade afetiva, vai fazer gaslighting contigo sempre que possível (fazer você duvidar da sua memória, te chamar de louca, te fazer sentir culpada de tudo) e no fim das coisas ele tá aqui só pra reforçar privilégio patriarcal já existente. E se você se relaciona com homens, em algum momento vai esbarrar com esse boy lixo. Se você foi bi/pan/polisexual, S P O I L E R: a chance de tentarem te unicornizar (fazer com que você se relacione com um casal apenas para satisfazer vontades sexuais, tenho um relato pessoal sobre isso) a todo custo é altíssima.

Você pode identificar esse tipo por frases como: "não me cobre, você pode ter outras pessoas", "mas você não é desconstruída, por que isso agora?", "você tá doida, não tem nada disso", "sou NM mas minha esposa não aceita", "nossa relação é aberta mas ela não gosta de falar sobre isso", "a gente pode ficar com quem quiser contanto que não conte pro outro", etc. MULHERES NOVAS NESSA VIDA: NÃO CAIAM NESSA. Sororidade tem que alcançar a mulher desse cara que tá sendo passada pra trás e não sabe. Uma dica valiosa pra poder saber se ele tá falando a verdade (porque existem sim pessoas que se relacionam no modelo DON'T ASK, DON'T TALK), é perguntar quais os acordos envolvidos e dizer que vocês só saem quando se certificar que ela tá de acordo com isso - através normalmente de print de conversa e tal. Peça foto dos dois juntos. Demonstre interesse pelo nome dela. Não se deixe enganar. "AEW BIA MAS MACHO ASSIM TEM EM TODO LUGAR NÃO É SÓ NA NÃO MONOGAMIA". Justo. Experimenta lidar com 2-3 desses ao mesmo tempo. Inclusive, se você é do meio e passa pano pra situação assim, você tá errade.

Não tinha imagem melhor pra começar essa próxima parte.

O que nos leva ao segundo tipo de pessoa mais odiosa nessa tour toda: a Testemunha do Poliamor. Puta gente chata do caralho. A pessoa tem problema relacional na monogamia: "AH MAS SE FOSSE POLIAMOR NÃO TINHA ISSO". A pessoa tá com questões de auto estima e insegura: "AH MAS NO POLIAMOR NÃO TEM ISSO". A pessoa tá com unha encravada: "AH MAS NO POLIAMOR...".

PARA. COM. ESSA. PORRA.

Se você é do meio ou pretende se inserir nele, também vai se deparar com essa seita dos infernos (foi mal, Lúcifer). É impressionante como a mensagem messiânica da eliminação de todos os problemas da sua vida vem do fato de a pessoa descobrir que ela pode se relacionar com mais de uma pessoa. Milagre! Como nunca pensamos nisso antes?! Tá "sertinho", só que não. Essas pessoas geram um nível de antipatia gigantesco em relação ao movimento não mono, além de propagar desinformação aos quatro ventos (sugiro a leitura deste texto se você está se aventurando na não monogamia agora: 13 coisas que eu gostaria de ter aprendido antes de escolher a não-monogamia). Então, pra tirar essa nuvem de cima das suas cabeças:

NM NÃO É SOLUÇÃO PRA RELACIONAMENTO. ABRIR RELAÇÕES NÃO É SOLUÇÃO PRA SALVAR O SEU NAMORO/CASAMENTO. NM SÓ RESOLVE A SUA VIDA SE VOCÊ SENTIR QUE O PADRÃO MONO NÃO SE ENCAIXA NA SUA FORMA RELACIONAL. E LEMBRANDO SEMPRE: NÃO MONOGAMIA SEM FEMINISMO É SOMENTE REFORÇO DE PRIVILÉGIO MACHISTA.

Nesse ponto do meu texto você deve estar assustade ou se perguntando porque eu tô nessa vida ainda com tanta coisa ruim. Assim como com a minha amiga, a minha intenção com as afirmações iniciais foi quebrar logo o primeiro impacto fantasioso de perfeição relacional que qualquer pessoa pudesse ter tentado incutir na cabeça dela (sorry not so sorry). E funcionou (e eu falei com ela no dia: “Agora que eu tenho sua atenção, vamos conversar”), então espero que tenha funcionado com você também. Agora que eu joguei um tijolo nas primeiras ilusões que fazem com que você esteja com a cabeça nas nuvens por causa da pessoa que te interessa ou coisa do tipo e colocamos os seus dois pés no chão, vamos aprender mais sobre realidades práticas que vão afetar a gente mais que muita merda de terceiros.

“Mantenha a calma e jogue um tijolo”. Isso sim é algo que pode resolver muitos problemas.

Não desiste de mim, vai tomar uma água e volta.

Além dos fatores externos que citei, se você realmente se identificar como pessoa não mono, vai precisar fazer uma revolução dentro de si. Diária e frequentemente você vai ser obrigada a confrontar suas inseguranças, mágoas e marcas. Não monogamia não é pros fracos de coração. Desconstruir sentimento de posse, construir compersão, trabalhar a sororidade, entender frequência afetiva. NÓS NÃO SOMOS EDUCADAS PRA ISSO. A sociedade nos educa pra ser rebanho. Quando você decide ser leoa, aprender, resolver e se libertar, pode se preparar para buscar uma caverna: vão caçar você com tochas e foices. Os seus monstros interiores não darão 100% de paz em momento algum, mas com muito estudo e trabalho você vai conseguir domesticar cada um deles, olhá-los e resignificar tudo aquilo que já viveu em termos relacionais.

Apesar de toda dor que isso vai gerar (porque sim, crescer dói blá blá blá), talvez essa experiência seja boa para organizar coisas dentro de você. Aprender a lidar com os próprios sentimentos é algo fundamental nos dias de hoje. OBVIAMENTE, você não precisa da não monogamia para isso, mas provavelmente só de estar aqui lendo o que eu tenho a dizer já é um passo para se abrir para algo “diferente/novo”. E na minha opinião, se entender NM te coloca sempre frente a frente com o que a monogamia, enquanto instituição de controle, plantou mais fundo em você. Rivalidade feminina, medo de ser insuficiente, o sentimento de que todo o sucesso da relação depende somente de você… tudo isso, se trabalhado corretamente (leia-se: com muito estudo e desconstrução), pode arrancar de vez essa erva daninha da sua vida e te deixar tranquila pra plantar no seu jardim outros níveis de auto confiança e felicidade.

Ah! E nunca se esqueça: TÁ TUDO BEM SE NÃO MONOGAMIA NÃO FOR PRA VOCÊ. HONESTIDADE CONSIGO É MAIS IMPORTANTE DO QUE QUALQUER OUTRO RELACIONAMENTO.

Outro ponto muito importante é que você vai precisar ter responsabilidade afetiva consigo e com mais quantas pessoas decidir se relacionar. Às vezes vai brigar com todas as suas relações. Às vezes todas elas têm um programa diferente pro mesmo dia. Às vezes você não vai estar bem e não vai querer ver nem a sua sombra. Vai precisar entender e equilibrar momentos com suas relações. Dividir seu tempo, sua atenção, seu espaço, às vezes planos e o seu espaço familiar. E tão importante quanto isso é entender os seus limites pessoais para que a relação possa funcionar da melhor forma possível.

E por falar em responsabilidade, a gente pode puxar outra coisa necessária e incrível que é o estabelecimento de regras claras e consensuais. Suas relações são únicas e diferentes, então elas podem e devem ter regras diferentes. Isso é algo que não te ensinam na monogamia: estabelecer limites e verbalizar as suas necessidades logo quando se decide que você vai estar junto com alguém. Não digo de fazer um tratado escrito em pedra, mas combinar coisas que podem ou não acontecer faz com que você se conheça melhor, com que a outra pessoa entenda você melhor e evita algumas surpresas desagradáveis. Além disso, ajuda demais quando é necessário discutir a relação, porque de certa forma já existe uma diretriz conhecida anteriormente por todas as pessoas envolvidas.

Baseado nisso, agora temos todo um contexto para que você entenda a minha segunda resposta pra minha amiga.

“Como é esse lance pra você?”

“Respire fundo”. Obrigada por chegar até aqui, vamos concluir essa jornada agora.

Não monogamia pra mim tem sido uma escola. Entrei numa relação sem saber nada, assinei um cheque em branco pra pessoa que eu me relacionava por isso, passei o pão que o diabo amassou e decidi aprender tudo o que podia sobre, conheci mulheres incríveis que me acolheram e acolhem até hoje, caminhamos juntas por muitas dificuldades e hoje escrevo pra essa revista igualmente incrível. Longe de mim romantizar a escrotidão das coisas que eu passei e agradecer por ter passado por elas, mas é importante reconhecer a minha força para passar por isso e crescer enquanto ser humano. Inclusive, escrever esse texto para vocês, depois de lançar um texto tão complexo e emocionalmente desgastante quanto o meu último (falar de bifobia é muito ruim), está sendo uma grande vitória.

Depois de aprender e estudar muito, percebi que a não monogamia jogou luz sobre a forma como eu me sentia ao me relacionar com as pessoas. Sempre achei que era errado. Sempre me falaram que eu era errada de não sentir ciúmes, mas ter “medo de perder a pessoa”. Eu fiquei de frente com as minhas inseguranças e até hoje tenho a sorte de poder trabalhar cada uma delas. Conheci pessoas maravilhosas e pessoas péssimas, e nesse caminho para me entender eu errei muito, mas atualmente posso me orgulhar de dizer que sido o melhor que posso ser para as minhas relações atuais. Entender e vivenciar a não monogamia potencializou a minha assertividade e aliviou uma pressão horrível que havia em mim: a de desejar muito compartilhar felicidade e encontrar pessoas que realmente sabem dividir.

Este espaço se tornou um espaço de luta também. Combater aquelas coisas bizarras que citei no começo desse texto faz parte da minha rotina diária. Repudio qualquer pessoa que pregue não monogamia ao invés de explicá-la de forma crua e sem floreios. É um modelo de relacionamento visceral, que te conecta com partes suas que talvez você nem saiba que estão aí. Ao mesmo tempo, quando você entende como ele funciona e se identifica, ele te liberta. Ele te mostra que você pode ser assim. E que com responsabilidade, aprendizado, compaixão (principalmente consigo) e desconstrução, vivenciar relações de forma mais leve é possível e muito gostoso.

Como tudo na vida, não é um mar de rosas. Mas é um lugar no qual me sinto confortável para ser quem eu sou e auxiliar outras pessoas como eu a se entenderem, se amarem e descobrirem que a vida pode ser mais colorida. Pra B., minha amiga querida, obrigada por ser a primeira pessoa a me ouvir. Você revolucionou meu mundo do seu jeito. Te amo muito. E você, pessoa leitora que corajosamente chegou até aqui, saiba que o fato de não ter desistido mostra que a sua curiosidade, resiliência e abertura pro diálogo são notáveis.

Obrigada pela confiança e espero que este texto ousado tenha chegado em boa hora na sua vida. Se gostou do texto, gasta uns minutinhos pra aplaudir, ajuda muito a dar visibilidade pra nossa Revista :) Caso queira conversar, contar de suas experiências ou tirar dúvidas, pode me escrever: a.bi.surdo.bia@gmail.com. Namastreta ❤

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Beatriz Torres ~ Bia❤

Bissexual, feminista, não mono. "O modo como você reúne, administra e usa a informação determina se vencerá ou perderá." ~ Bill Gates