POLARIZAÇÃO PARA DUMMIES, parte 2: O ISENTÃO

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
5 min readNov 27, 2020

Prosseguimos nossa série ilustrada sobre as origens da polarização ideológica que tomou conta da vida digital — e os mecanismos, involuntários ou não, que nos arrastam para o bate-boca sem fim. (Leia antes de começar: POLARIZAÇÃO PARA DUMMIES, parte 1)

Capítulo III: da identificação do isentão.

Vamos recapitular a lição anterior. Vimos quem são, como pensam e como se expressam o progressista

…o conservador

…e o reacionário.

Conheça agora mais um personagem em nosso cenário: o isentão.

Assim como os três primeiros personagens, o isentão acredita que suas próprias opiniões são mais acertadas que as das outras pessoas. Especialmente quando comparadas às do progressista

ou às do reacionário.

Uma coisa fica clara a partir dos últimos quadros: o isentão na verdade não chega a ter muitas opiniões próprias. Ele gosta mesmo é de apontar os problemas (reais ou imaginários) nas opiniões dos outros. Entretanto, seus argumentos, invariavelmente, dão combustível às ideias do conservador e do reacionário.

Se você ainda tiver dúvida sobre a identidade de um potencial isentão, basta observar seu posicionamento diante de um argumento conservador.

Em resumo, o isentão é aquele cara que se vê como perfeitamente ponderado e racional, distante das paixões ideológicas e equidistante dos extremos…

…mas que quando sai de cima do muro, invariavelmente aterrissa do lado do conservador. (E quase sempre na sombra.)

É importante entender que, apesar do nome, isentão não é sinônimo de isento. Ele acredita que suas opiniões são perfeitamente centradas e desprovidas de paixões ideológicas. Mas no fundo (e às vezes, no raso também) seu raciocínio é tão sujeito à polarização quanto o do conservador, o do reacionário e o do progressista. Vejamos como esse curioso comportamento influencia a gangorra da opinião pública.

Capítulo IV: de como o curioso comportamento do isentão influencia a gangorra da opinião pública.

Vocês lembram da gangorra da opinião pública, certo?

A opinião isolada de um isentão pode não ser suficiente para balançar a gangorra de vez…

…mas quando um coro de isentões, amplificado pela mídia corporativa, ecoa as ideias conservadoras (sempre, claro de forma “crítica” e “ponderada”)…

Também costuma haver dedo do isentão na criação dos famosos “espantalhos”: quando algum aspecto extremo do pensamento progressista é retratado pelo conservador (e pelo reacionário) como uma ameaça à sociedade. Ou como exemplo de radicalismo nocivo. Ou como caso de postura sectária. Etc. Se não, vejamos:

A figura abaixo sintetiza o espectro do pensamento progressista, com uma relativa minoria de ideias verdadeiramente radicais.

E abaixo, o espectro progressista que o reacionário enxerga:

O reacionário joga a isca…

…e o isentão morde, 9 entre 10 vezes.

Capítulo V: do habitat natural do isentão.

O isentão usa os recursos de seu habitat natural para desequilibrar a gangorra (quase sempre para o lado do conservador). O habitat natural do isentão é a mídia corporativa.

O isentão é tão bem recebido em redações de sites, revistas, jornais e emissoras de TV porque é sempre um sujeito culto, bem-falante e com fama de inteligente. E porque sua postura “sensata” se presta à imagem de imparcialidade que os veículos de imprensa procuram passar.

Os isentões são figurinhas recorrentes em debates televisivos (nos quais ninguém debate, todo mundo concorda com tudo)…

…colunas de opinião…

…e, claro, nas redes sociais.

No YouTube e no LinkedIn existe uma subespécie muito traiçoeira: o reacionário camuflado de isentão. Costumam se apresentar como coaches, empreendedores, palestrantes, profissionais de marketing multinível & outras atividades nebulosas.

Tudo isso influencia na polarização, com os meios de comunicação repercutindo argumentos enviesados como se fossem opiniões isentas. Mas lembrem-se, não são isentas: são isentonas.

Em breve, mais uma postagem da série POLARIZAÇÃO PARA DUMMIES. Stay tuned!

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)