Da esquerda: Malkmus, West, Spiral, Bob & Mark

“Sei lá… não importa o quanto a gente se esforce pra ser diferente, acabamos sempre soando como Pavement” — Stephen Malkmus

A história do indie rock norte-americano na década de 1990 é uma saga de contradições, potenciais desperdiçados, auto-sabotagens, excesso e escassez, artistas “certos” nos lugares e nas horas erradas. E uma trilha sonora magnífica entre um tropeço e outro. O boom do grunge no começo da década levou à subsequente adoção do rock alternativo pela indústria fonográfica. O processo colocou, por um breve período, guitarras, camisas de flanela e coturnos no centro da cultura pop; transformou veteranos radicais em respeitados patronos; levou uma pequena legião de jovens talentosos à morte, incapazes de se adaptar às pressões e cobranças do mercado e da fama; e torrou milhões de dólares numa busca inútil por um “novo Nirvana” que nunca chegou.

Se a história do indie rock noventista fosse um filme, o Pavement seria o protagonista. Formado bem ali na virada dos 80 para os 90 por Stephen Malkmus e Scott “Spiral Stairs” Kannberg (guitarras + vocais, ambos), o grupo sintetizou as principais correntes musicais que ajudaram a formar o som indie. E antecipou — na poesia, no visual, na postura pessoal e no direcionamento de carreira — os hesitantes passos do rock alternativo rumo ao cenário pop.

Em seu livro Labouring the Point? The Politics of Britain in “New Britain”, Matthew Bannister define o indie rock como “grupinhos de homens brancos tocando guitarras, influenciados pelo punk e pelo pop-rock branco dos anos 1960, em um contexto de independência em relação aos valores musicais do mainstream”. Uma definição precisa até demais, e que se encaixa no Pavement e em um sem-número de grupos que vieram antes e depois. Entretanto, a mais imprecisa banda de sua geração era (é) bem mais que apenas isso.

Por que, ao procurarmos por aí uma definição do termo “indie”, o Pavement é sempre uma das primeiras citações? Porque ao pensarmos na “desconfortável voz dos cantores alternativos”, a primeira voz que vem à mente é de Malkmus. Porque eles eram esquisitos demais para serem descolados, e entretanto eram a epítome do cool. Porque “indie” sempre significou o equilíbrio entre a iconoclastia do punk/pós-punk e o tradicionalismo herdado dos anos 60 e 70 — um equilíbrio que o grupo mantinha aparentemente sem esforço algum. Porque o Pavement olhou para o abismo do mainstream, o abismo olhou para eles de volta, e o Pavement disse apenas “Nah.”

Imagem postada por https://twitter.com/SurfThrash, grifo meu.

Do som abrasivo e lo-fi dos primeiros EPs à afabilidade melódica do LP final, Terror Twilight, a evolução do Pavement é uma história de rebeldia, confusão e, enfim, maturidade. Slanted and Enchanted (1992) não foi concebido como um trabalho “comercial”, mas naquela época pós-Nevermind, as definições do que poderia ser comercial eram muito mais elásticas. O que leva à progressão natural ouvida em Crooked Rain, Crooked Rain, um álbum muito mais amigável e ainda assim repleto de idiossincrasias. Àquela altura, Malkmus & Kannberg já contavam com uma banda de verdade, tendo agregado Mark Ibold (baixo), Steve West (bateria) e Bob Nastanovich (diretor de clima) à formação. (Considerado parte fundamental da personalidade do early Pavement, o baterista Gary Young simplesmente não cabia mais no grupo naquele momento de vai-ou-racha.)

Confrontado com a possibilidade de expandir seu público e, afinal, deixar de ser indie na prática (mas não na essência), o Pavement regateou. Desistiram— momentaneamente — de seguir explorando a veia melódica de Crooked Rain, Crooked Rain. Preferiram soltar um disco duplo repleto de canções barulhentas e imprevisíveis. Malkmus nega até hoje, mas Wowee Zowee era o som de um dedo do meio mostrado na cara da indústria musical. Em uma década que valorizava a autenticidade e a integridade acima de tudo, o terceiro álbum era o ato supremo de desafio. Nada mais indie 90’s do que isso.

Os dois discos subsequentes, mesmo mais domados e plácidos, revelam uma banda que, uma vez mais, se recusava a cumprir expectativas. Brighten the Corners e Terror Twilight demonstram que sim, o Pavement ia além da gritaria, do “oooh-oooh-ooooh-uh-uh-uh” e dos decalques do The Fall. Se assim o desejasse, e não por “sugestão” alheia, seja da crítica, da indústria ou dos fãs. Esses discos também delineiam a evolução de Malkmus como compositor, trocando o improviso e a abstração por canções mais estruturadas, quase convencionais.

Top 10 bônus: os melhores versos do Pavement

Os versos de Stephen Malkmus sempre foram elementos centrais na magia do Pavement. Raramente narrativas ou com mensagens claras, as letras da banda, quase todas escritas por SM, vagam entre o fluxo de consciência, a livre associação de palavras e o improviso puro. É como se ele cantasse a primeira coisa que lhe vem à mente, a despeito do óbvio trabalho e do tempo despendidos nas composições. Às vezes submetida à pura necessidade fonética, às vezes apresentando citações, personagens e situações inesperadas, às vezes com um humor surreal, a poesia de Malkmus se conecta com o ouvinte em um nível que antecede (ou que dispensa) o racional, evocando imagens e sentimentos quase à maneira dos simbolistas.

“You’ve been chosen as an extra in the movie adaptation of the sequel to your life” (“Shady Lane”)

One of us is a cigar stand / And one of us is a lovely blue incandescent guillotine” (“Type Slowly”)

“Those who sleep with electric guitars / Range Rovin’ with the cinema stars / And I wouldn’t want to shake their hands / ’Cause they’re in such a high-protein land” (“Elevate Me Later”)

Out on tour with The Smashing Pumpkins / Nature kids, I, they don’t have no function / I don’t understand what they mean / And I could really give a fuck / The Stone Temple Pilots, they’re elegant bachelors /
They’re foxy to me, are they foxy to you? / I will agree they deserve
absolutely nothing / Nothing more than me” (“Range Life”)

“You kiss like a rock but you know I need it anyway” (“Major Leagues”)

“He spoke of latent causes, sterile gauzes, and the bedside morale / He traipse around the table talking sentences so incomplete / …plete….plete / Boys are dying on these streets” (“Grounded”)

“What about the voice of Geddy Lee / How did it get so high? / I wonder if he speaks like an ordinary guy? / I know him and he does” (“Stereo”)

Fly, fly, fly, fly, fly, fly, fly / Don’t try, try, try, try, try / It’s a brand-new era, it feels great / It’s a brand-new era, but it came too late” (“Newark Wilder”)

“Heaven is a truck / It got stuck / On the breeze” (“Heaven Is a Truck”)

“Songs mean a lot when songs are bought / And so are you” (“Cut Your Hair”)

Apesar de todo seu fascínio, as letras eram apenas uma parte do quebra-cabeças. TUDO na banda era um convite à conjectura. Por que as capas e os encartes dos discos eram tão caóticos e repletos de frases desconexas? E os títulos das músicas, o que significavam? Por que Malkmus é tão blasé? De onde saiu Gary Young? Quem apresentou o The Fall a eles? E o Sonic Youth? E o Swell Maps? E o The Clean? Por que o lado D do vinil de Wowee Zowee vinha vazio? E a recusa em cantar corretamente as letras dos vários covers que a banda gravou, qual a razão? Como imaginar que uma banda tão intencionalmente hermética e cheia de pegadinhas poderia fazer sucesso comercial? Os anos 1990 acabaram e o Pavement acabou junto, no mesmo ano, e quase todas essas perguntas ficaram sem resposta.

Malkmus, em carreira solo, relutantemente aceitou o papel de elder statesman do rock alternativo ianque, revirando os olhos e soltando tiradas condescendentes nas entrevistas. Scott tentou seguir o mesmo caminho, com uma fração do reconhecimento (mas seu último disco como Spiral Stairs é até legal). Mark entrou para o Sonic Youth. Bob se dedica a sua paixão original: cavalos de corrida. E Steve West, além de tocar não em uma, mas em duas bandas, trabalha em construção e restauração de casas. De vez em quando, os cinco se reúnem pra fazer uns showzinhos por aí.

Malkmus sempre com essa cara de “OK, perdedores, vamos lá encarar mais uma turnê pra vocês não morrerem de fome.”

Faixas perdidas (& achadas)

O ranking a seguir traz todas as faixas lançadas pelo Pavement em discos oficiais, incluindo álbuns de carreira, reedições, coletâneas com outros artistas, EPs e singles. As versões avaliadas foram sempre as gravações de estúdio “definitivas” e incluídas em LPs/EPs/singles; regravações, versões alternativas e/ou ao vivo, demos & etc. não foram consideradas, exceto quando especificado.

Abri este subtítulo para elencar as poucas músicas que comprovadamente existem, mas não constam da discografia oficial do grupo. Com os relançamentos dos cinco álbuns originais e as coletâneas subsequentes, a Matador raspou 99% do tacho de lados-B, outtakes, gravações ao vivo e etc. É improvável que surja algo mais de relevante dos arquivos do grupo.

Ainda assim, identifiquei três faixas que existem em disco, mas não pertencem ao cânone fonográfico pavementiano oficial. Como base para pesquisa, usei a discografia da banda no Discogs.com para mapear os registros não oficiais. Não se trata, decerto, de uma lista definitiva. Quem souber de outras músicas que enquadrem nesses critérios pode largar o link aí os comentários.

  • “Voguing to Shane McGowan” (sic) se encontra no pirata Stuff up the Cracks, um CD de 1994 com raridades (sessões de rádio, B-sides e mais). É uma gravação de um show de 1993, na Dinamarca. O mesmo álbum traz outras quatro músicas que parecem ser inéditas, mas são apenas títulos provisórios/equivocados: “Mother Mary” (“Golden Boys”), “Why Should I Suspect?” (“Starlings of the Slipstream”), “Sebadoh/Helen Stones” (“All my Friends”) e “Dying on the Streets” (“Grounded”). A confusão se repete, com outras músicas, no pirata Georgia 1994, no qual constam três casos parecidos: “Big Gay Heart” (não é um cover dos Lemonheads, e sim uma versão inicial de “Black Out”), “Holly Springs Orchestra Song” (“Brinx Job”) e “Newark Springs Orchestra Song” (“Newark Wilder”).
  • “Black Walls”. O Setlist.fm reporta que esta canção foi tocada quatro vezes na turnê europeia de 1992. Há uma versão no bootleg ao vivo Stray Slack.
  • “Fountain Scissors”. Essa aqui é um caso complicado. A faixa foi lançada na coletânea Sidereal Rest “The Sleep Veichle”, repleta de artistas experimentais bem obscuros. A “música” do “Pavement” incluída não é nem música, nem do Pavement: são alguns segundos de uma gravação indistinta com a rotação alterada, aparentemente ao vivo, aí entra a intro de “Cut Your Hair”… e a faixa acaba. Para completar, o negócio foi creditado — de propósito ou não — ao Payment, e não ao Pavement. Não consegui encontrar outros detalhes. Por isso, e por não ser uma música “de verdade”, não a inclui no ranking. Pra quem quiser ouvir, é fácil encontrar no Soulseek.

181) “Recorder Grot (Rally)” — 21 segundos de ruído.

180) “Shagbag” — Barulhinhos eletrônicos aleatórios gravados nas sessões de Terror Twilight. A faixa foi desencavada na recente reedição deluxe do álbum.

179) “Drive-by Fader” — 28 segundos de teclados distorcidos.

178) “Sentinel” — O mesmo riff de “Sordid”, mas reduzido a 14 segundos.

177) “Sordid” — Um riff desgarrado que dura menos de 30 segundos, lançado na versão deluxe de Wowee Zowee.

176) “Kneeling Bus” — Instrumental curtinho que poderia ter sido mais bem aproveitado.

175) “Colorado” — Bobeira composta ao sintetizador, não chega a ser uma canção completa.

174) “Flood Victim” — Idem a “Colorado”, gravada na mesma sessão em 1993.

173) “It’s a Hectic World” — “Homenagem” gravada para um tributo aos Descendents.

172) “Chelsey’s Little Wrists” — Brincadeira dispensável de S&E, com letra (?) improvisada, uma batida desconjuntada e guitarras dessincronizadas.

171) “Drunks with Guns” — O instrumental é até interessante, mas em vez de compor uma canção de verdade, Malkmus se contenta em grunhir ruídos ininteligíveis. Desperdício.

170) “Space Ghost Theme I” — Em 1997, o Pavement foi o convidado musical do talk-show Space Ghost Coast to Coast, uma produção do canal Adult Swim que reciclava animações do desenho da década de 1960. (No episódio, Space Ghost apresenta a banda como “The Beatles”.) Em retribuição, ou não, gravaram uma irreconhecível versão do tema do programa.

169) “The List of Dorms” — Imagine-se no lugar de Stephen Malkmus em 1992. Você lidera a banda indie mais quente dos EUA e é idolatrado na cena alternativa na Inglaterra. O grupo é convidado a gravar uma sessão de estúdio para o programa topster da BBC Radio 1. Aí você “agradece” a oportunidade apresentando uma barulheira nonsense como esta, em vez de tocar algo decente.

168) “Watch Out” — Em 1999, a gravadora Grand Royal (fundada pelos Beastie Boys), em parceria com a marca de instrumentos Roland, fez uma proposta a 14 artistas: compor e gravar uma canção usando apenas uma Groovebox. Malkmus recebeu a engenhoca e não se fez de rogado. Soltou logo duas faixas, incluídas na coletânea At Home with the Groovebox. Esta aqui não passa de uma série de blips, blops e beats aleatórios + um rascunho de melodia, mostrando a falta de intimidade do roqueiro com o aparato.

167) “David’s Gone” — Dedicada a David Berman (1967–2019), parceiro de Malkmus nos Silver Jews, esta gravação de 1992 deve ser a maior raridade da discografia oficial do Pavement. Existe apenas numa coletânea indie lançada em cassete, em 1991. Traz só Malkmus cantando e (supostamente) Scott batucando. Para a fase em que foi feita, é até melodiosa, apesar do minimalismo.

166) “Exit Theory” — Fragmento descartado das sessões do segundo álbum, enterrado no lado-B de “Gold Soundz”.

165) “Rug Rat” — Cogitada para o repertório de Crooked Rain, ficou arquivada até 2004.

164) “Space Ghost Theme II” — Sim, é outra versão para o tema do programa do Space Ghost. Nesta aqui, ao menos há uma tentativa de fazer um groove e criar uma melodia. A letra se limita a repetir o nome do super-herói galáctico.

163) “Krell-Vid User” — Instrumental enterrado no fim do EP Perfect Sound Forever. Há um riff até promissor no começo, só que depois os caras sucumbem à preguiça.

162) “Mercy Snack: The Laundromat” — Incluída no single de “Summer Babe”, afastava-se deliberadamente do som mais polido da faixa de trabalho. Parece estar acima da capacidade de Gary Young como baterista.

161) “My First Mine” — Exemplar não muito brilhante da safra de 1991. Foi lançada num flexidisc dividido com a hoje obscuríssima banda inglesa Fluff. Há uma cópia à venda no Discogs.

160) “False Skorpion” — Dispensável bobeira gravada nas sessões do terceiro disco. A versão remanescente, registrada em um take, tem várias paradas e berros aleatórios, denotando ser ainda um rascunho em progresso.

159) “Stray Fire” — Outro outtake sem rumo que sobrou de Wowee Zowee.

158) “No More Kings” — Pouco conhecida por aqui, a série animada Schoolhouse Rock! (1973–1985) usava canções pop para apresentar conteúdos educativos na TV dos EUA, entre um episódio de Scooby-Doo e outro de Tutubarão. O Pavement regravou esta aqui para um álbum-tributo à série, lançado em 1996. Confessadamente obcecado pelo estudo de história, Malkmus escolheu uma música que fala da chegada dos colonos ingleses à América, onde criariam uma nação “sem mais reis”.

157) “Oddity” — Cover da banda australiana The Clean. Serviu para Scott brincar com uma drum machine e um sintetizador.

156) “Decouvert de Soleil” — Irrelevância meio cantada em francês, meio em inglês, com cara de demo-tape.

155) “Dancing with the Elders” — Versão alternativa e lo-fi de “We Dance”, que diverge da gravação oficial com uma coda instrumental mais acelerada.

154) “Neil Hagerty Meets Jon Spencer in a Non-Alcoholic Bar” — Apesar do título genial, é apenas um semi-improviso que a banda não se deu ao trabalho de concluir.

153) “5–4 = Unity” — Passagem de alívio cômico em Crooked Rain Crooked Rain, composto a partir do standard jazzístico “Take Five”. Mark Ibold classificou a faixa como “Dave Brubeck — habilidade = desastre.” Há uma versão com vocal que pode ser ouvida na versão deluxe do disco. Não chega a fazer muita diferença.

152) “It’s a Rainy Day, Sunshine Girl” — A banda maltrata o clássico do Faust em uma sessão de rádio gravada em 1997.

151) “Rain Ammunition” — A banda registrou esta canção em sua segunda sessão para o programa de John Peel na BBC. À época, tateavam no escuro em busca do estilo a ser consolidado no segundo álbum. Uma versão instrumental foi incluída, sem título, no lado-B do single 12 polegadas de “Cut Your Hair”.

150) “Shoot the Singer (1 Sick Verse)” — É difícil entender se Malkmus aqui é o cantor alvejado, ou o atirador que matou o cantor. De qualquer modo, o matador se arrepende no final (“O que foi que eu fiz?”). Para Jim Greer, da Spin, era a melhor música que a banda tinha feito até aquele ponto (Watery, Domestic).

149) “Greenlander” — Uma viagem imaginária à Groenlândia, a “ilha gelada no Norte” onde “o descongelamento de abril nos tira de casa de novo”. A leseira do vocal é acompanhada por um arranjo igualmente preguiçoso (no bom sentido).

148) “Baby Yeah” — Sua única aparição na discografia é numa gravação ao vivo de 1992, incluída na reedição de S&E. Não chega a ser grande coisa. A letra é minimal e a composição tem cara de inacabada. Vale pela convicção dos berros de Malkmus.

147) “Stare” — Enigmática sobra de estúdio do segundo álbum. Passa a impressão de um improviso sem rumo.

146) “Sensitive Euro Man” — Não mais que mediana, é indistinguível de várias outras faixas mid-tempo da fase Wowee Zowee. Talvez por isso, tenha sido descartada, quer dizer, oferecida para a trilha do filme Um Tiro Para Andy Warhol.

145) “Extradiction” — Faixa frankensteiniana de Wowee Zowee, no limite entre o experimentalismo e a aleatoriedade.

144) “Spizzle Trunk” — Podreira punk do EP Demolition Plot J-7, gravado em dois dias e lançado em 1990, numa época em que a banda nem era uma banda direito.

143) “Soul Food” — Uma jam gravada entre as sessões do terceiro álbum, traz o auxílio do produtor Doug Easley ao piano. Mostra que o quinteto daria uma boa banda de bar, se tivesse a disciplina para tanto.

142) “Texas Never Whispers” — Notável pela guitarra ultradistorcida na introdução… e pelo uso da palavra “lackadaisical” no refrão. A intro foi sampleada pelo Placebo em “Slave to the Wage”.

141) “Dark Ages” — Remanescente das sessões que antecederam o segundo álbum, sobreviveu (em parte) como “Fillmore Jive”. Sua parte final foi recortada diretamente da gravação da demo e transformada na introdução da faixa final de Crooked Rain.

140) “Haunt You Down” — Esta música foi lançada em um single de 7 polegadas (com “Jam Kids”), que vinha de brinde nos LPs da primeira tiragem americana de Crooked Rain. Mero experimento letárgico-anárquico, com o uso proeminente de sintetizadores (mal tocados).

139) “Coolin’ by Sound” — Registro do momento exato em que Scott deixa para trás sua obsessão com Mark E. Smith e adota outro compositor como inspiração… um certo Stephen Malkmus. Esta sobra de Crooked Rain tem letra improvisada e um vocal desafinado. Não é uma das criações mais inspiradas do guitarrista.

138) “Cataracts” — Outro outtake das sessões do quarto disco. A versão sobrevivente tem toda a cara de ser ainda um work in progress. Destoa do clima do álbum.

137) “Jam Kids” — Provavelmente improvisada na hora da gravação, esta faixa lançada em 1994 vence o ouvinte no cansaço.

136) “Same Way of Saying” — Essa faz parte da safra pré-Crooked Rain que foi dispensada. Versos nonsense (“Plugs without a socket / There’s no moon without a rocket”) e uma melodia hesitante não chegam a convencer.

135) “Western Homes” — Composição de Scott que encerra Wowee Zowee. Como tantas outras no álbum, se desintegra no fim.

134) “Kris Kraft” — O título se refere a uma tradicional marca de lanchas a motor. Malkmus imagina um dia passado em um iate clube, trajando calças caqui e topsiders. Claro que é mais uma faixa zombeteira da fase Wowee Zowee, completa com um tecladinho de timbre ridículo.

133) “Birds in the Majik Industry” — Propositalmente complicada, esta gravação de 1996 é da transição entre o terceiro e o quarto discos.

132) “Wanna Mess You Around” — É de 1996, mas soa como se tivesse sido gravada em 1990. Ou antes.

131) “Roll with the Wind” — Pavement brincando de fazer classic rock setentista.

130) “Cherry Area” — Toda a doideira represada nas canções de Brighten the Corners escapou nos lados-B e sobras de estúdio daquela época. Nesta aqui, exageram na espontaneidade e acabam com um resultado desajeitado demais.

129) “Stub Your Toe” — Um roquinho acelerado e esquecível, era uma das canções que Scott tentou emplacar, sem sucesso, em Terror Twilight.

128) “The Classical” — O lance mais inception da carreira do Pavement. Xingados e elogiados no começo da carreira por imitar o The Fall, em 1997 eles enfim decidiram gravar um cover da banda de Manchester. E justo em uma sessão do programa do John Peel na BBC — o maior fã do The Fall no mundo e o homem que apresentou o Pavement à cena indie inglesa. Como previsto, a releitura é anárquica. Da letra, só sobrou o mantra “I’ve never felt better in my life”. Fique sempre com a original.

127) “What Goes On” — Os caras são mesmo incapazes de fazer uma cover respeitosa. Nem o Velvet Underground mereceu reverência. Malkmus outra vez inventa uma letra na hora e lasca uns solos toscos com wah-wah, entre interjeições bizarras (“West, você vai cair fora!”, “Os Chilli Peppers fizeram uma versão dessa música”). A gravação só existe na edição quádrupla em vinil de Brighten the Corners: Nicene Creedence Edition.

126) “Sinister Purpose” — Em sua última tour, a banda andou tocando um cover desta música do Creedence Clearwater Revival. Uma gravação ao vivo, preservada no CD-bônus de Terror Twilight, traz um Malkmus quase sem voz.

125) “My Radio” — A letra é ridícula e a qualidade de gravação, paupérrima. Justificativa: foi gravada para uma coletânea hoje bastante obscura. Poderia render algo melhor, se houvesse mais tempo/recursos/interesse investidos.

124) “The Porpoise and the Hand Grenade” — Simpático lado-B de “Spit on a Stranger”. Só não dá pra levar a sério o patético timbre do tecladinho.

123) “Recorder Grot” — Sim, é pura zoeira lo-fi. E ainda assim, nas repetições obsessivas de “The ugly face the ugly face the ugly face”, é possível discernir a capacidade de Malkmus de criar melodias assobiáveis.

122) “Painted Soldiers” — Scott resolve compor sua própria “Cut Your Hair” e até que não sai mal.

121) “Saganaw” — Fosse um pouco mais bem-acabada, passaria por uma emulação decente do R.E.M. Entretanto, a intenção original parecia mirar, de novo, na country music (tem até uma tentativa de yodeling lé pelo meio).

120) “Be the Hook” — Um faux-classic rock irônico, que sobreviveu como demo arquivada até 2022 — quando, afinal, foi resgatada (e anunciada até com certo alarde) para Terror Twilight: Farewell Horizontal.

119) “Home” — Não fosse pelas microfonias, poderia estar tranquilamente em Slanted and Enchanted: o som do primeiro LP já estava bem amadurecido aqui.

118) “Passat Dream” — Em 1996, ainda havia resquícios de influências do The Fall nas composições de Scott, em especial no vocal. Aqui, elas são camufladas por uma levada quase funky. Na letra, o veículo da Volkswagen simboliza a opção por uma vida pacata e conservadora.

117) “Nail Clinic” — Das várias faixas que a banda descartou, digo, cedeu para coletâneas, split singles e quejandos, esta é uma das menos descartáveis. No entanto, não era boa o suficiente para entrar em Crooked Rain. Traz mais uma letra cheia de metalinguagem sobre o próprio ato de compor.

116) “Flux = Rad” — Punk rock troncho de Wowee Zowee. O vocal esganiçado sugere uma paródia de Kurt Cobain.

115) “Date w/IKEA” — Primeiro, Scott tentou imitar Mark E. Smith. Depois, tentou imitar Stephen Malkmus. Aqui, ele imita a si mesmo, quase gerando uma continuação de “Kennel District”.

114) “Rooftop Gambler” — Lado-B de 1999, tem uma sonoridade agradável, apesar da melodia sem foco.

113) “Fucking Righteous” — As guitarras zoadas e o vocal idem me fazem lembrar do Velvet fase White Light White Heat. Imagine “I Heard Her Call My Name” sob efeito de narcóticos, em vez de anfetamina.

112) “Our Singer” — Uma ideia de última hora que ganhou forma definitiva no estúdio; Scott e Gary nem tinham ouvido a música antes de gravarem a versão registrada em Slanted. Nas palavras do próprio Malkmus, nasceu como uma imitação de “Hip Priest”, do… The Fall. Aponta para um estilo que a banda iria burilar melhor nos próximos discos, uma sonoridade mais livre e improvisada.

111) “I Love Perth” — Declaração de amor à cidade australiana. Mereceu uma típica melodia pop desconjuntada.

110) “Tartar Martyr” — Scott tenta emplacar mais uma. Esta seria dispensada antes da gravação do segundo disco. Salva-se o riffão ganchudo.

109) “Golden Boys” — Cover da banda punk The Dickies. Malkmus se esforça para perverter a canção, trocando a letra e torcendo a melodia; ainda assim, o resultado é cativante. A versão foi gravada em uma sessão para a BBC, em um medley com “Serpentine Pad”.

108) “Easily Fooled” — Este lado-B do single de “Rattled by the Rush” soa descontraído, com a banda entretida num groove calmo e espontâneo. Será que o título, mencionado no verso “You’re so easily fooled”, refere-se aos fãs?

107) “The Killing Moon” — A versão do clássico do Echo and The Bunnymen perde as filigranas acústicas e ganha solos de guitarra. A emoção de Ian MacCulloch é trocada por uma evidente preguiça. Malkmus não resiste a esculhambar a letra, inventando uma terceira estrofe. O acorde menor no refrão faz MUITA falta.

106) “Sue Me Jack” — Com níveis de distorção guitarrística mais elevados que os usuais, esta faixa de 1992 contrasta uma melodia vocal disforme com uma levada reta, quase kraut. O trecho falado no fim fica por conta de Bob Nastanovich, narrando impressões sobre sua primeira viagem à Califórnia.

105) “Ed Ames” — O personagem-título era um cantor/ator que chegou fazer certo sucesso nos EUA na década de 1950. Ou talvez não seja, já que a letra (narrando a investigação de um assassinato) tem nada a ver com a vida do cara. Em vez de cantar, Malkmus declama a história, enquanto a banda mantém um groove sólido (e barulhento) como base.

104) “Folk Jam” — É, até onde sei, a única música do Pavement a contar com um banjo. Não é nem folk, nem uma jam.

103) “Price Yeah!” — A batida reta e o drone sintetizado demonstravam as primeiras influências kraut nas composições de Malkmus.

102) “Destroy Mater Dei” — Gravada na mesma sessão de rádio que rendeu “Neil Hagerty Meets Jon Spencer in a Non-Alcoholic Bar”, também é obviamente improvisada, só que bem mais inspirada. Se ao menos Malkmus tivesse escrito uma letra de verdade…

101) “Brink of the Clouds” — Demora a esquentar, mas quando SM berra “GO!”, lá pelos 2:15, a melodia sonâmbula enfim decola.

100) “Bad Version of War” — Gaiato número instrumental de 1992, no qual o grupo testa a então recente formação como quinteto (ainda com Gary).

99) “Internal K-Dart” — Lá pelo meio desta canção, quando o andamento é desacelerado, surgem os primeiros traços do som do Pavement “clássico”, cristalizado em Slanted and Enchanted.

98) “Mussle Rock (Is a Horse in Transition)” — Um digno esforço de Scott Kannberg, aproveitado no lado-B de “Father to a Sister of Thought”.

97) “Feed them to the Linden (Lions)” — No meio do caminho entre a zoeira de S&E e o apogeu melódico de Crooked Rain, estava o EP Watery, Domestic (1992). Esta faixa resume bem a transformação. Note como o baixo de Mark Ibold faz a diferença ao “amarrar” o arranjo, em comparação com o som do primeiro LP.

96) “Kentucky Cocktail” — Gravada em 1992, já era uma amostra do som que a banda buscaria em Crooked Rain. Trabalhar com um produtor profissional e um estúdio decente (ambos fornecidos pela BBC) sem dúvida fez diferença.

95) “Instrumental” — A composição e o arranjo são minimais, mas esta faixa de 1993 está acima da média dos diversos improvisos instrumentais que sobraram da época.

94) “Gangsters and Pranksters” — Divertida faixa do EP Pacific Trim, gravada na correria apenas por Malkmus, Bob e West. Se você pensou que os “galhofeiros” do título são uma referência aos Merry Pranksters da época da contracultura, pensou certo. Malkmus até resmunga no fim da canção: “I’ve got all this Harvard LSD / Why won’t anybody fuck me?”

93) “Speak, See, Remember” — Terror Twilight, ultimo álbum do grupo, é caracterizado por canções de estrutura convencional. Esta faixa é uma das exceções. Iniciada com um groove acústico quase jazzístico, descamba para uma seção roqueira (a melhor parte da música, inclusive). Notável por citar em sua letra o título do LP, acontecimento único na discografia da banda.

92) “Camera” — Cover do R.E.M. gravada para o lado-B do single de “Cut Your Hair”. É fiel à original, mais na forma e menos no espírito. Onde Michael Stipe soa triste, mas acolhedor, Malkmus parece cansado e exasperado. Acaba soando como Pavement e não como um cover.

91) “Beautiful as a Butterfly” — Sobra instrumental da época de Brighten the Corners. Sem vocais, fica fácil perceber o quanto as composições de Malkmus haviam evoluído (ou não…) rumo a formatos tradicionais.

90) “From Now On” — Em 1991, com a formação Malkmus/Scott/Gary consolidada, a banda já investia em composições com começo-meio-fim. A abrasividade, no entanto, permanecia. Esta faixa de Perfect Sound Forever é um exemplo desse equilíbrio precário.

89) “Platform Blues” — Sim, é um blues, pelo menos em parte. Entre mudanças repentinas de andamento e improvisos instrumentais, há trechos no qual a banda engata uma pesada jam blueseira. A gaita é tocada por Jonny Greenwood, do Radiohead.

88) “Hands Off the Bayou” — Um bom riff sobressai nesta sobra de estúdio das sessões do segundo LP.

87) “Perfect Depth” — A despeito da performance desleixada, da microfonia e dos vocais mixados em volume baixo demais, há uma melodia bonita ali. Em algum lugar.

86) “Jackals, False Grails: The Lonesome Era” — Um outro decalque do The Fall. Esse se distingue por longos (para os padrões de 1992) trechos instrumentais, que chegam a insinuar um suingue meio quadrado. Tem até um solinho desajeitado de guitarra! Termina de forma abrupta aos 3:12.

85) “Fame Throwa” — Outra faixa na qual Gary parece sofrer para manter a batida, entre as alternâncias de tempo. Malkmus imagina uma figura enigmática, o “lança-fama” que levaria a banda ao estrelato (“O relógio de diamantes, a última recompensa / Todas as coisas que tínhamos antes de você nos vender e pegar tudo”). No fim das contas, lamenta SM, o cara “gastou sua grana nos convencendo de que o deserto estava coberto de estrelas.”

84) “JMC Retro” — Seria “JMC” uma referência ao Jesus and Mary Chain? A melodia é bonita, pena durar menos de um minuto.

83) “Robyn Turns 26” — A outra faixa da banda na coletânea At Home with the Groovebox é muito melhor que “Watch Out”. Sobre uma levada quadradona, Malkmus arrisca um rap (!) em dueto com Heather Larimer, na época sua namorada. Alguns anos depois, ela também integraria o The Jicks, a banda que acompanhava o cantor em seus primeiros discos pós-Pavement.

82) “No Tan Lines” — Malkmus volta a se colocar no papel de uma penetra na alta roda, de olho nas marcas de biquíni das moças em Saint Tropez. Batida, melodia e um contracanto de “pa-pa-pa-ra-pa-pa-ra-pa” conferem ar pop ao conjunto, pelo menos até entrar o solo de guitarra.

81) “Westie Can Drum” — Simpático roquinho genérico. O título é uma zoação com o baterista Steve West. Animadinha demais para a calmaria de Brighten the Corners, foi vetada e arquivada.

80) “Ann Don’t Cry” — Malkmus canta suave para consolar uma certa Ann, mas hesita em revelar seus sentimentos reais (“Well my heart is not an wide open thing”). Nos versos de abertura, uma antecipação da dissolução do grupo (“The damage has been done / I am not having fun anymore”).

79) “Your Time to Change” — Há um quê de psicodelia nesta faixa de 1999. A ideia era copiar os Beatles fase Revolver.

78) “Maybe Maybe” — Uma das primeiras composições de Malkmus, prenunciava o potencial da banda para manter uma atmosfera de caos QUASE sob controle. O timbre das guitarras é muito típico das gravações feitas no estúdio de Gary Young, entre 1989 e 1992.

77) “Brinx Job” — Impossível não conectar o refrão “We got the money” à grana que a banda afinal começou a ver, depois do segundo álbum. A farsesca canção de Wowee Zowee faz referência a um assalto ocorrido em 1950; os cofres arrombados na vida real ocupam o lugar dos ganhos financeiros advindos do quase-sucesso.

76) “Perfume-V” — De volta ao lo-fi: a bateria soa como uma caixa de sapato, as guitarras meio desafinadas são um enxame de abelhas. O conjunto é redimido por uma interessante jogada na alternância de vocais. O título se refere ao perfume barato de uma prostituta, mas o “perfume V” no mundo real custa bem caro.

75) “Billie” — Tem uma das melodias mais luminosas de Terror Twilight, estragada de propósito com um refrão irreverente.

74) “The Hexx” — Ainda com o título de “And Then”, esta canção foi cogitada para a abertura de Brighten the Corners. Testada diversas vezes ao vivo nos shows daquela época, só foi ganhar uma versão oficial em Terror Twilight, do qual é a faixa mais longa. Há uma versão anterior ainda mais comprida, incluída no single de “Spit on a Stranger”. Tem um clima sombrio, que destoa da leveza dos dois últimos álbuns.

73) “You’re Killing Me” — A primeira faixa do primeiro EP do Pavement também é a primeira da lendária coletânea Westing by Musket and Sextet. Minimalista, recoberta de distorção e/ou estática de TV fora do ar, sequer tem bateria. Rusticidade e sujeira à parte, a originalidade da proposta era patente já naquela fase inicial.

72) “Angel Carver Blues/Mellow Jazz Docent” — Microépico de 1991, colando duas composições distintas — na verdade, a primeira parte é só um riffão pesado. A segunda seção tem mais cara de música completa. “Bem tocada” e agressiva, comprovava a evolução da banda em Perfect Sound Forever.

71) “For Sale! The Preston School of Industry” — Esta composição data de 1997, ou seja, em alguma hora deve ter sido cogitada para entrar em Terror Twilight. A única versão lançada é um take instrumental, mas há uma gravação com vocais (divididos entre Malkmus e Kannberg), ao vivo em um programa de TV na Dinamarca. Logo após o fim do Pavement, Scott pegou parte do nome da canção para batizar sua nova banda.

70) “Nigel” — Sobra arquivada de Brighten the Corners. Sempre quis saber se este título é uma referência antecipada ao produtor Nigel Godrich, com quem a banda trabalharia no álbum seguinte. Pelo som, diria que não: é uma faixa beatlesca repleta de sha-la-la-las e falsetes. A melodia é bem chiclete.

69) “Best Friend’s Arm” — PODERIA ser uma canção pop assobiável — os backing vocals fazendo “I can see I can see I can see I…” são hipnóticos. Só que os caras não resistiram a desmembrar toda a música, com um vocal esganiçado e quebradas instrumentais incongruentes.

68) “Starlings of the Slipstream” — Quando chegamos a ela, penúltima faixa do quarto álbum, estamos um pouco cansados de tantas músicas lentas e meio parecidas entre si. O próprio Malkmus parece concordar; a composição começa comportada e lá pro final ele desmonta a melodia, e a letra também…

67) “You Are a Light” — Começa melódica e suave e segue assim até o break instrumental dissonante. Poderia (ou deveria?) ser separada em duas.

66) “Baptist Blacktick” — A irmã caçula (malvada e punk) de “Box Elder”. Tem um dos chiliques mais memoráveis de Malkmus.

65) “Nothing Ever Happens” — Sobra de Slanted and Enchanted que teve um microtrecho aproveitado no fim de “Trigger Cut”. A combinação entre a voz de Scott, as guitarras em afinação alternativa e o tecladinho fora do tom até que tem seu charme.

64) “Fight this Generation” — De forma bem característica para o terceiro álbum, esta parece duas canções em uma. Ou talvez três, se contarmos a coda instrumental. A primeira parte é uma valsinha de melodia amorfa; a exortação-título só vem na segunda parte, a qual Malkmus admite ter “um pouco de The Fall”. Costuma crescer ao vivo.

63) “Soiled Little Filly” — Boa sobra de estúdio das sessões que precederam Crooked Rain, Crooked Rain. A transição para o som contido & organizado do segundo álbum estava (quase) completa.

62) “Circa 1762” — Mais redonda e direta que qualquer faixa do primeiro LP, tem como ponto alto um refrão com vocais alternados entre Malkmus e Scott. Registrada em uma sessão para o programa de John Peel na BBC Radio 1, em 1992, poderia ter entrado em Slanted, mas com certeza soaria bem diferente.

61) “Forklift” — Outro marco: a primeira canção claramente decalcada do The Fall, lançada no segundo EP da banda (1990). É uma das favoritas de Scott. Na bateria, marcando o tempo de forma errática, está Jason Turner e não Gary Young. É a única gravação do Pavement com Turner, que mantinha um projeto paralelo com Kannberg — “Forklift” fazia parte do repertório. Malkmus gostou do som e pôs uma letra em cima.

60) “Winner of the” — Esforço acima da média de Scott. Como sempre, ele chegou atrasado; a música seria adequada para Wowee Zowee, mas não cabia em Brighten the Corners. O arranjo vocal dá um efeito cool à composição.

59) “Raft” — A banda soa resoluta neste lado-B de 1995, desdobrando um groove reciclado da parte barulhenta de “Newark Wilder”.

58) “Half a Canyon” — Um falso-blues (!) que se transforma numa esticada jam motorik. Malkmus se esgoela como nunca, tentando evocar o espírito de Damo Suzuki. Segundo o próprio vocalista, ele desmaiou (!) logo depois de acabar a gravação. A letra não significa coisa alguma. Vale mais a pena prestar atenção nas guitarras.

57) “Pueblo” — Gravada pela primeira vez em 1993, alterna delicadeza melódica e desleixo proposital, antecipando o approach usado em Wowee Zowee. Além da versão oficial lançada no terceiro álbum, tem outras duas gravações alternativas, “Pueblo Domain” e “Pueblo (Beach Boys)”.

56) “Harness Your Hopes” — A esta altura, todo mundo já conhece a história de como este lado-B acabou se tornando a campeã de execuções entre as músicas do Pavement no Spotify. É realmente uma das faixas mais “fáceis” e assobiáveis desta discografia. Registrada na época de Brighten the Corners, soava apropriada para o repertório do LP seguinte. Poderia ser um single fácil — outra canção “pop demais” enterrada nos arquivos.

55) “She Believes” — “Box Elder” levou a fama, mas esta canção de Slay Tracks é mais reveladora das características do Pavement, por trazer a tensão entre a dissonância e a melodia, a ironia na letra e na interpretação vocal, a implosão deliberada na parte final.

54) “Strings of Nashville” — Delicada emulação do Velvet Underground (na época do terceiro disco homônimo). A melodia é imprecisa e a letra não diz muito. Mesmo assim, o conjunto, puxado por uma interpretação vocal particularmente pungente, é superior à soma das partes.

53) “Zürich Is Stained” — Malkmus canta sobre um relacionamento a perigo, e pede: “Me segura aqui, ou então me deixa correr”. Uma das mais plácidas e contidas faixas do LP de estreia, conta com uma inusitada slide guitar no arranjo.

52) “Secret Knowledge of Backroads” — Esta foi composta por Malkmus, Bob Nastanovich e David Berman na fase inicial dos Silver Jews. A versão do Pavement, gravada em uma sessão para a BBC em 1992, é típica da transição entre os dois primeiros álbuns. Melodiosa e fluida, também poderia se encaixar em Wowee Zowee.

51) “Frontwards” — Em Watery, Domestic, a banda se esforçou para soar mais polida e profissional, mesmo gravando no esculhambado estúdio de Gary Young. Esta canção já traz um som e uma estrutura bem característicos da fase madura do grupo, com a adição do baixo de Mark Ibold e Bob na percussão, ajudando a manter o tempo. Seriam as últimas sessões de gravação com Gary, que se auto-ejetou da banda pouco depois.

50) “Unseen Power of the Picket Fence” — O R.E.M. sempre foi uma influência declarada — mas não descarada — no som do Pavement. Além do cover de “Camera”, Malkmus compôs esta, ahem, homenagem a Stipe & Cia. Até a terceira estrofe, tudo mais ou menos bem, a letra cita algumas canções de Reckoning, e… do nada, a narrativa se desloca para a Guerra Civil Americana e imagina o general ianque Sherman marchando sobre a Geórgia (estado natal do R.E.M.) e… encontrando o quarteto no campo de batalha… Não tentemos entender. A gravação veio à luz na famigerada coletânea No Alternative (1993), que reunia o creme do rock alternativo americano da época.

49) “The Sutcliffe Catering Song” — Malkmus em sua versão mais marota (“And baby, you look a little cuter day by day”) e assobiável. A melodia quase sucumbe em meio à zoeira, a banda luta para manter o controle… até que tudo se desfaz.

48) “Rattled by the Rush” — Escolhida como single de um álbum sem canções pop óbvias, esta canção afrontava o ouvinte casual. Com melodia quebrada, trechos instrumentais dissonantes e uma letra desconexa, a mensagem era clara: não vamos oferecer outra “Cut Your Hair”. Ao declarar-se “abalado pela correria”, Malkmus apontava o possível trauma com as pressões do mercado musical e as cobranças para que a banda realizasse o potencial comercial sugerido por Crooked Rain.

47) “We Are Underused” — Posta no lado-B (o lado “experimental”) do quarto LP, traz uma combinação desconcertante. Introdução meio psicodélica, uma levada arrastada, uma letra que começa em uma cerimônia de casamento e termina com um cântico coletivo de “Nós somos subaproveitados”… Difícil saber qual era a intenção, eu apostaria em uma paródia dos Beatles fase White Album.

46) “No Life Singed Her” — Com suas guitarras motosserra e gritos descontrolados de Malkmus, soa como uma concessão à fase underground da banda. Com mais assertividade, porém. A letra conjura imagens de violência e sangue; som e fúria, significando pouca coisa.

45) “Motion Suggests Itself” — Uma introdução bisonha de teclados ajuda a esconder a canção real, com uma bela e preguiçosa melodia. O arranjo é, digamos, idiossincrático (com um órgão jovemguardista bem à frente).

44) “Give it a Day” — Quase beatlesca em sua melodia & harmonia, tem uma letra menos acessível (falando do movimento puritano na época da América colonial). Para Scott Kannberg, é a melhor composição de Stephen Malkmus.

43) “Blue Hawaiian” — A faixa mais surpreendente de Brighten the Corners. Seu andamento rapidinho destoa das outras e o canto falado, em tom baixo, tem uma cadência única. Se a letra parece um improviso desvairado, no instrumental Malkmus compensa lançando um de seus melhores solos.

42) “Heaven Is a Truck” — Na sequência da leseira de “Range Life”, vinha esta aqui, ainda mais sedada. O paraíso é um caminhão atolado na brisa. Ou algo assim. Que brisa, hein? É o ponto onde o folk-country narcotizado se transforma em psicodelia, dando tempo para o ouvinte respirar antes do grand finale de Crooked Rain, Crooked Rain.

41) “Transport Is Arranged” — O cansaço da vida na estrada é uma temática subjacente aqui, uma das faixas mais serenas do sereno Brighten the Corners. Metaforicamente, o break barulhento no meio é a excitação do espetáculo ao vivo, enquanto os versos e o refrão transmitem dúvidas e a resignação com as constantes viagens (“Well, I’ll waltz through the wilderness / With nothing but a compass and a canteen”).

40) “Serpentine Pad” — Simbolizava, em Wowee Zowee, a recusa categórica da banda a se render ao comercialismo. Isso era evidente tanto no som, punk e zoado, quanto na letra (“Force-fed integration / From the corporation / I don’t need this corporation attitude”). Parabéns a Bob Nastanovich pelos berros ao fundo.

39) “Stereo” — Brighten the Corners, lançado em 1996, trazia um Pavement repaginado, tentando entender seu lugar no mundo. No primeiro single, escolhido também para abrir o LP, pareciam desarmados & desencanados. A ironia pesada e a iconoclastia do álbum anterior davam lugar a um humor juvenil e a uma atitude relaxada. Não abriram mão da idiossincrasia, com o vocal falado e as piadinhas sobre Geddy Lee. Só que é uma canção mais direta, com um riff hipnótico (“A música toda é só o riff”, concedeu Malkmus) e um refrão pra berrar junto.

38) “All My Friends” — Uma bela amostra do que poderia ser o segundo álbum com Gary Young na bateria. Foi gravada no estúdio do baterista em 1993, na preparação para Crooked Rain, Crooked Rain. Melodiosa e direta, tem um componente de caos que surge sutil e vai tomando conta da canção, quando o grupo desacelera o andamento. Entre as muitas sobras dos álbuns, é uma das melhores.

37) “Major Leagues” — Por conta própria ou não, o Pavement perdeu a oportunidade de ascender à primeira divisão (comercial) do rock em 1994/95. Esta música de 1999 usa a expressão esportiva num contexto romântico; a “primeira divisão” representa o casamento e a constituição de uma família, e o protagonista da letra parece ter dúvidas sobre seu futuro. Um pouco como a própria banda, em 1994/95. Uma balada com sotaque country, representa o ápice do Pavement “adulto e pop”, que ganhou um lustre extra com a produção límpida de Nigel Godrich. (“Fiquei muito feliz de poder gravar Malkmus cantando afinado”, disse o produtor.)

36) “Embassy Row” — Metade de Brighten the Corners — a metade lenta e reflexiva — se passa antes dessa faixa, que também começa devagar… e engrena afinal uma quarta (“Embassy Row / The fumes they lay low…”) Eram o cansaço e a resignação que caracterizam o álbum se metamorfoseando em agressão. As imagens desconexas da letra compõem uma mensagem política, com a revolta contra diplomatas que passeiam de limusine. No refrão, Malkmus anuncia que vai “tomar a coroa”. Mas também mira a esquerda (“I’m sick of being misread / By men in dashikis / and their leftist weeklies”), em versos que também podem ser lidos como um recado aos fãs obcecados com sua poesia (eu).

35) “Black Out” — Uma das faixas mais “normais” de Wowee Zowee, com um clima ameno que remetia à descontração do álbum anterior. A letra, entretanto, conta com imagens sombrias, como “um hall da fama fechado de vez” e pensamentos que se contorcem “feito cascavéis”.

34) “Father to a Sister of Thought” — É a “Range Life” de Wowee Zowee, carregada na influência country com a adição de uma slide guitar, tocada pelo produtor Doug Easley. Por ter um refrão e ser uma das mais bem comportadas do disco — e na falta de outras opções — acabou lançada como segundo single, confundindo de novo as expectativas do público.

33) “AT&T” — Outro potencial single desperdiçado pela zoeira. O refrão (“Whenever, whenever, whenever…”) nasceu para ser um clássico. Se ao menos Malkmus se concentrasse em cantar afinado, ou em escrever uma letra decente (“Maybe someone’s going to save me / My heart is made of gravy”). Só que aí não seria Wowee Zowee, né. Segundo o produtor Mark Venezia, foi gravada inteiramente por Malkmus tocando todos os instrumentos, em menos de duas horas, a partir de um mero rascunho de canção.

32) “Old to Begin” — Malkmus contempla o envelhecimento, citando menopausa, estresse, exaustão, dores lombares e cartões de crédito (!), em mais uma faixa lenta do quarto álbum. O tom, no entanto, não é lamentoso, apesar de — outra vez — ecoar o cansaço gerado pela correria e a frustração por expectativas não cumpridas.

31) “Heckler Spray” — Este número instrumental abria Perfect Sound Forever, último EP lançado antes de Slanted. Não passa de um rascunho, quase no limite da abstração. E mesmo assim, tem status de clássico. Demonstra a evolução do grupo até ali na busca por um som mais assertivo, sem abrir mão da excentricidade. Muito aclamada pelos locais ao ser tocada no show do Planeta Terra (SP), em 2010.

30) “Two States” — Mais um retorno gaiato ao The Fall, com direito a citação de “The Classical” (“There is no culture”). Os versos “We want two states / North and South” ecoam na letra de “Unfair”, gravada no LP seguinte. Mas de onde veio a referência a “40 milhões de adagas”? Deixa pra lá, concentre-se na música. O riff e o refrão grudento, de autoria de Scott, estão entre os melhores de Slanted and Enchanted.

29) “Hit the Plane Down” — Última chupação 100% descarada do The Fall na discografia da banda, cortesia de Scott Kannberg. A coisa aqui transborda para a paródia, com uma linha de baixo pesadona e um vocal filtrado contribuindo para o tom urgente. A letra, claro, não é sobre derrubar um avião. Versos como “Estou tomando conta da sua vida, estou tomando conta da cena”, “Não me incomodaria em ter só um miligrama” e “Tenho que derreter isso (wooh, essa é boa)!” evocam o uso de drogas pesadas, endêmico na cena alternativa no começo da década de 1990. E a conclusão, “Não há sobreviventes”, soa profética e sinistra.

28) “Kennel District” — A maior contribuição de Scott Kannberg ao cânone pavementiano. Superada a obsessão com o The Fall, o cara afinal acertou na mosca e compôs a canção mais pop de Wowee Zowee. A Matador até cogitou lança-la como single. Foi descartada pois não houve tempo/verba para regravar uma versão radio-friendly. “Eu queria que tivesse sido um single, pois é bem barulhenta”, disse o autor. Até hoje é presença certa nos setlists, quando ganha peso e empolgação.

27) “Type Slowly” — Malkmus iniciava sua transição entre o indie rocker e o singer-songwriter, consolidada na carreira solo. Afinal, é uma canção de amor, ainda que mais oblíqua que “Shady Lane”. Das várias faixas de passo lento em Brighten the Corners, esta é a mais deliberada. Não há nem mesmo uma sugestão de freakout como em “Transport Is Arranged” ou “Old to Begin”; à parte um leve crescendo dissonante na seção instrumental, tudo é lânguido, como sugere o título. Só a pirraça de Malkmus ao final (“Liberaaaaaaaaaaaaaaals…”) ameaça cortar o clima. Quem quiser adrenalina pode conferir a versão alternativa (“Slowly Typed”), encontrável na reedição deluxe de BtC.

26) “Fin” — Na intenção de criar um épico para fechar Brighten the Corners, o quinteto mirou, nas palavras de Malkmus, em “um feeling lento, pianos, ecos… aqueles solos-de-guitarra-de-última-música-do-disco a la Neil Young”. Mesmo sem alcançar o clima, aham, orgânico de “Fillmore Jive”, é um epílogo bastante digno. Confere peso ao disco, sem destoar da atmosfera melancólica e lesada. Como última pegadinha, o título tanto pode ser lido como “fim” em francês, quanto referir-se a uma barbatana de peixe (versão divulgada por Malkmus).

25) “Spit on a Stranger” — Uma doce canção de amor com uma letra inesperadamente agressiva no refrão, escolhida como single e faixa de abertura de Terror Twilight. Para Malkmus, “tem algo de Beatles… é uma música bonita, com guitarras em afinação padrão” — um resumo da jornada do grupo até aquele ponto. Os versos “Now I see the long and short / The middle and what’s in between” mostram o vocalista contemplando essa jornada, em ponderação. Os destrambelhados imitadores do The Fall de 1989 se transformaram nos estetas do indie pop de 1999, sem vergonha de produzir canções 99% convencionais, com começo/meio/fim e letras 90% coerentes.

24) “Cream of Gold” — Um riff ameaçador introduz a faixa mais rascante do quinto álbum, colocando a banda em território próximo ao grunge. A letra reconhece a irreversibilidade da passagem do tempo (“Time is a one-way track and I am not coming back”) e revela desilusão e abandono (“I dream in beige, why d’you leave me so far now”), sentimentos que, de novo, prenunciavam a dissolução da banda em 1999.

23) “Carrot Rope” — Segundo Scott Kannberg, Stephen Malkmus detesta esta canção e foi “obrigado” a inclui-la em Terror Twilight. É por isso que, na contracapa do álbum, a faixa é creditada como “…and Carrot Rope”, como se fosse um post-scriptum. “Não tenho a menor ideia do que significa essa música”, disse o vocalista. “Simplesmente um absurdo completo. É quase um número de musical.” Na real, é mesmo uma canção fora da curva na obra da banda. Jovial, descontraída e assobiável, é o tipo de composição que Malkmus sempre se recusou a criar, mesmo tendo toda capacidade para fazê-las. Se tivesse surgido alguns anos antes, ganharia um arranjo esculhambado e seria enterrada num lado-B. No posto de última faixa do último LP, brilha como uma despedida agridoce.

22) “Box Elder” — A música que revelou o Pavement, por obra do DJ John Peel. Exemplo precoce do potencial pop da banda, é uma das poucas parcerias reais entre Malkmus e Kannberg (o primeiro compôs a melodia baseado no riff criado pelo segundo). Incluída no EP de estreia, Slay Tracks 1933–1969, foi regravada pelo Wedding Present, o que transformou o então duo californiano em uma microsensação na cena indie britânica. (Hoje parece bizarro, mas por um certo tempo houve gente invertendo a situação e achando que a música era do WS, e o Pavement a regravara.) O título se refere a um lugarejo no estado de Montana, com menos de 2 km quadrados de área e população de menos de 800 pessoas.

21) “Summer Babe (Winter Version)” — As experiências realizadas entre 1989 e 1992 chegaram a um ponto de equilíbrio ideal na primeira faixa do LP de estreia. Foi claramente formatada para ser um single de trabalho (tinha até um baixo de verdade no arranjo, uma raridade no som da banda na época). Segundo Malkmus, foi “o começo de uma tradição: colocar a música mais chamativa para abrir o álbum”. Sumariza a maturidade na abordagem noise pop burilada por Malkmus e Scott (e Gary). É cool & emotiva, solar & chapada, bagunçada mas não caótica, esquisita & atraente em iguais medidas. Como notou Mark Hogan, abrir o disco com a frase “Ice, baby” apenas dois anos depois do hit de Vanilla Ice demonstrava não apenas autoconfiança e ironia — também aventava a possibilidade de por um pezinho fora do underground…

20) “Grounded” — Uma das faixas mais enigmáticas de Wowee Zowee. O estranho, ou talvez nem tanto, é que a canção sobrou das sessões de Crooked Rain, Crooked Rain. Sobrevive, inclusive, uma versão alternativa gravada na época do segundo álbum. Alongados trechos instrumentais alternam ruído e delicadeza e o vocal narcoléptico conduz a canção por caminhos inesperados. Já a letra, em uma primeira olhada, é uma crítica à hipocrisia da classe médica, que gasta dinheiro em carros de luxo e furadores de gelo feitos de cristal (!) enquanto há “garotos morrendo nas ruas”.

19) “Cut Your Hair” — O maior sucesso (comercial) do Pavement também é uma metacanção sobre fazer sucesso, sobre concessões feitas em busca do sucesso, sobre se vender (ou não) ao mercado. Claro que, o Pavement sendo o Pavement, eles iriam aproveitar para embalar isso tudo em sua canção mais descaradamente acessível, criando um template para o indie pop do resto da década. A letra, de acordo com Malkmus, fala de como o mundo da música valoriza o insignificante e o superficial na hora de distinguir um artista dos demais. A ideia é sumarizada na segunda estrofe. Trata-se de uma “banda especial”, mas tudo que o ouvinte consegue lembrar é do cabelo do baterista. Decerto, os novos fãs do grupo focaram nos contagiantes “oooh-oooh-ooh-uh-uh-uh-uh” e ignoraram as ironias da letra.

18) “Stop Breathin’” — Segundo Malkmus, a substituição de Gary Young por Steve West permitiu à banda desacelerar e investir em canções lentas. Ao mesmo tempo, a técnica mais precisa de West deu uma base para que os arranjos flutuassem de forma graciosa, sem a sensação de desastre iminente causada por Gary. A terceira faixa de Crooked Rain, Crooked Rain era um exemplo da nova orientação. Em uma discografia marcada por melodias vagas e harmonias imprevisíveis, esta se destaca; parece canalizar a porção viajante do Sonic Youth na forma de uma jam psicodélica. A alternância entre dedilhados delicados e súbitas turbulências guitarrísticas evoca uma dinâmica similar à do post-rock, que ainda estava em fase de consolidação.

17) “Shady Lane” — Doce e ultramelódica, esta faixa de Brigthen the Corners é a ideia do Pavement de uma canção de amor convencional. Ainda que a letra narre um encontro frustrado, que culmina com um passa-fora num saguão de hotel. O desejo do protagonista por uma “alameda sob sombras (de árvores)” ecoa a temática da precursora “Range Life”. Se tivessem lançado como single na sequência de Crooked Rain, Crooked Rain, a história da banda seria bem outra… Como Malkmus é incapaz de zerar a ironia, pespegou na gravação um finalzinho dissonante (creditado como “J vs.S”) — um espirro de vinagre na doçura.

16) “Range Life” — Imagine ser um fã da fase Slanted e se deparar, no álbum seguinte, com uma faixa quase “normal” como esta. Com influência country, ainda por cima! Na letra, Malkmus concluía o arco narrativo iniciado em “Cut Your Hair”. O show acabou, a banda amadureceu (“Hey you gotta pay your dues / Before you pay the rent”) e agora ele anseia por uma vida simples e organizada. Até a marca dos 3:38, quando se inicia a terceira estrofe, era a canção mais convencional da carreira da banda… aí entra o infame verso sacaneando os Pumpkins e os Stone Temple Pilots. Para Scott Kannberg, o trecho foi inspirado pelo “ciúme” sentido pela banda ao ver os “rivais” contemporâneos na TV. “Éramos bem marrentos naquela época”, disse o guitarrista. “Sabíamos que éramos bons, comparados a todo o resto que rolava na época.” Foi o suficiente para incluir a canção na lista das 50 maiores tretas da história do rock, vejam vocês.

15) “Grave Architecture” — É a música mais divertida de Wowee Zowee e, por tabela, a música mais divertida da banda. “Divertida”, claro, para quem vê graça na narrativa de um passeio por um cemitério, ao som de um arranjo esquizofrênico que saltita entre o lounge e o gutural. A letra ainda reverbera dúvidas sobre a carreira da banda e sobre os “vigaristas” que precisam “de talento para se reproduzir”. Nessa mistura entre o cativante e o bizarro, é a canção que sintetiza o álbum, com suas mudanças bruscas e inesperadas e uma overdose de ironia (incluindo na interpretação vocal).

14) “Fillmore Jive” — Para Malkmus, além de ser o disco californiano da banda, Crooked Rain Crooked Rain também era a interpretação do Pavement para os clichês do classic rock. Tudo isso junto gerou esta faixa, um épico cheio de solos de guitarra para encerrar o disco. Quer algo mais “rock de roqueiro” que isso? A referência californiana era ressaltada no título, lembrando a mítica casa de shows de San Francisco. Entretanto, nada é tão simples. Trata-se da crônica da exposição do grupo à sedução e aos excessos do showbiz, resultando numa ressaca evidente na interpretação vocal. As longas passagens instrumentais remetiam ao Neil Young setentista, convertendo em reverência o tom desencantado da letra em estilo fluxo de consciência. (Malkmus também citou Eagles e Free como referências para a canção.) O Pavement se esforçou em criar outras jams com o mesmo clima nos próximos álbuns, só que nunca conseguiu superar a primeira.

13) “In the Mouth a Desert” — É um ripoff do Sonic Youth, e também é muito mais que apenas isso. Preste atenção ao delicado interplay de guitarras dissonantes na introdução, denotando a busca por uma sutileza ainda não alcançada. À performance vocal, que vai da exaustão à exaltação. À letra com possíveis referências ao uso de drogas pesadas (a heroína deixando a boca do protagonista seca como um deserto?). E acima de tudo, preste atenção aos “woo-woos” — a irreprimível vocação pop vindo à tona de novo, em meio ao ruído. (P.S.: foi a única música do Pavement que Malkmus cantou em seu único show solo no Rio de Janeiro, em 2013.)

12) “Conduit for Sale!” — O mais descarado decalque do The Fall nesta lista. Como fã de Mark E. Smith e cia, foi uma das faixas que mais me chamou a atenção na primeira audição de SaE. A referência exata era “New Face In Hell”, de 1980, da qual os caras chuparam a levada de guitarra. Para sermos francos, a “composição” é apenas o refrão (“I’M TRYIN’”), com Malkmus se descabelando progressivamente a cada repetição. A história nos intervalos é impenetrável: umhomemricoherdaterrasvaliosasmasdesperdiçaafortunaedeixaseusvassalosinfelizeseacabadoandotudoparacaridade, ou algo assim. Bônus por seu posicionamento na tracklist do álbum, ensanduichada entre as delicadas “In the Mouth a Desert” e “Zürich Is Stained”.

11) “Loretta’s Scars” — No repertório de Slanted and Enchanted, as “cicatrizes de Loretta” se sucediam aos “pequenos punhos de Chelsey”. Outra alusão ao suicídio? Se for, poucas vezes o tema teria merecido um tema musical tão esfuziante. É um magistral exercício de concisão pop, com uma única estrofe que vira refrão e uma levada circular, hipnótica. Ao tentar repetir a proeza no segundo álbum, a banda acabou compondo a superior “Elevate Me Later”.

10) “Trigger Cut/Wounded Kite at :17” — “Summer Babe” era o single óbvio de Slanted, mas esta aqui, com seu arranjo bem amarrado e um refrão glorioso, inesperado, é uma construção pop ainda mais perfeita. O “sha-la-la” na ponte pós-refrão era pra ser uma sacanagem… ou talvez não? De qualquer modo, serve para disfarçar o amargor de uma letra que faz alusões a um assassinato. Ou a um suicídio. Para quê serviria o “casaco cheio de pedras e areia”, além de ajudar um corpo a afundar?

9) “So Stark (You’re a Skyscraper)” — O melhor lado-B do grupo, disponível hoje na edição deluxe de Slanted and Enchanted. Demonstra de forma exemplar o approach imprevisível de Malkmus ao compor, criando uma tensão crescente que nunca se resolve. Ou melhor, se resolve num berro que esfrangalha a tortuosa melodia, desembocando num gaiato “rat-tat-tat”. A letra é toda críptica, mas os versos “I / Can’t live / Beside the spiral staircase / When the money’s coming in”, com sua óbvia alusão a Scott Kannberg, são os mais intrigantes. A banda segue em uma performance contida, com destaque para a linha de baixo que torna o arranjo sutilmente ameaçador.

8) “Gold Soundz” — Eleita melhor música da década de 1990 pelo Pitchfork, mostra, como notou o jornalista Mark Richardson, o Pavement abrindo o coração e se expondo com sinceridade ao ouvinte. É apenas uma canção alegre e nostálgica, desprovida da ironia e dos quebra-cabeças líricos que sempre marcaram o grupo. (Mentira, há uma ironia sim: quando ele canta “E eles estão chegando ao refrão agora” logo antes do refrão.) É aí — nessa inesperada falta de mistérios — que talvez resida o maior mistério da composição. Malkmus nos convida a retornar àqueles sons dourados, a encher a cara sob o sol de agosto (é verão na Califórnia, né?) e a não perder tempo “pondo o passado sob quarentena”. E nós acreditamos no que ele canta, pois como não acreditar?

7) “We Dance” — Melancolia não é um sentimento que se costuma associar à música do Pavement. Daí o espanto (e o encanto) provocados por esta canção — escolhida, como provocação, para a abertura de Wowee Zowee. Um lamento acústico no qual Malkmus confessava que “não conseguia se sentir satisfeito” e não tinha “a menor noção” do que estava acontecendo. Se analisada no contexto da carreira da banda até ali, após o namoro com o sucesso comercial em Crooked Rain, parece representar o “dia seguinte” após os excessos descritos em “Fillmore Jive” (que era a última faixa do LP anterior). Já em relação ao próprio WZ, era um oásis de sinceridade dentro um disco carregado de ironia e autosabotagem. Coloca-la como faixa de abertura era apenas a primeira pegadinha. “Poderia ter sido um lado-B, mas se você a põe na frente, a música torna-se importante para o álbum. É um recado”, disse Malkmus em 2018.

6) “Debris Slide” — O grande momento do EP Perfect Sound Forever. É mais a ideia de uma canção do que uma canção propriamente dita, mas o mesmo pode ser dito sobre boa parte da obra de Stephen Malkmus. Um riff, uma estrofe, um refrão (com o primeiro de muitos “pa-pa-para-pa”), uma estrofe, um refrão, uma seção dissonante no meio, um refrão e acaba tudo em menos de dois eufóricos minutos. Perfeição noise pop, e a prova de que o Pavement seria lembrado mesmo se tivesse acabado antes de lançar o primeiro LP.

5) “Newark Wilder” — “Escutando hoje, ainda acho essa música estranha”, disse Scott em 2015. Mesmo assim, é uma das favoritas do guitarrista em toda a obra do Pavement. Sem dúvida, é a mais intrigante faixa do segundo álbum. A combinação entre a melodia intangível, as guitarras em afinação heterodoxa e a insustentável leveza da harmonia cria uma sensação de vertigem. Mark Ibold afirmou que o título se refere a violência e gangues suburbanas (Newark, claro, é a vizinhança de Tony Soprano). Entretanto, os sussurros de Malkmus sugerem adultério, divórcio, anseios carnais. Era uma era novinha em folha para a banda, e a sensação era ótima.

4) “Silence Kid” — Algumas vezes, sinto vontade de voltar no tempo. Voltar aos meus 20 anos, voltar a 1994, e ter de novo a sensação de ouvir pela primeira vez esta música, a primeira faixa de Crooked Rain Crooked Rain. Seriam quatro composições em uma? Uma faixa de abertura com dois inícios falsos, um meio sem refrão e um epílogo inesperado. E de onde vinha aquela melodia? Era mesmo roubada de Buddy Holly? Ou Malkmus apenas pegou o microfone e saiu cantando a primeira coisa que lhe veio à mente? Enfim, muitos mistérios na introdução de álbum repleto de mistérios… A realidade era menos intrincada. A intro quebrada era o Pavement tentando tocar classic rock (“É engraçado ouvir a banda tocando aquilo”, disse o cantor), a melodia não passava de “um monte de ‘ganchos’ se sucedendo bem rápido, e de repente acaba”. Mesmo a letra, que trazia um personagem e uma narrativa mais ou menos definidos, tem um desfecho pedestre (“No fim, o cara está drogado e vai ser masturbar”). Bem, não importa. A magia permanece intocada, mesmo depois de centenas de audições desde 1994.

3) “Unfair” — O Pavement safra 1994 era maduro, melódico, centrado. Entretanto, o potencial para a autocombustão ainda estava lá, e em Crooked Rain ele foi todo concentrado nesta faixa, que fecha o lado A. É a continuação enfezada do passeio californiano de “Elevate Me Later”, na qual Malkmus desenha um conflito entre a região norte do estado (que inclui a cidade de Stockton, onde nasceu a banda) e o sul, onde moram os “picaretas do cinema” que sugam os recursos naturais produzidos pelo norte (“The South takes what the North delivers”). É a performance mais agressiva do disco, ainda que não chegue aos extremos da fase inicial. Ao vivo, Malkmus deixa Bob Nastanovich se encarregar da gritaria, para gáudio da audiência.

2) “Elevate Me Later” — Crooked Rain é o “disco californiano” do Pavement, uma aparente incongruência já que a banda nasceu na Califórnia — embora o álbum tenha sido gravado em Nova York. E “Elevate Me Later” é a mais californiana do álbum, ensolarada e resplandecente, contando também com uma letra que remete à separação de castas sociais em Los Angeles: primeiro, os pobres que protestam na “cidade cujo nome esquecemos”, depois a realeza de Hollywood (“Passeando de Range Rover com as estrelas de cinema”). À beira do sucesso popular, Malkmus não se rende ao glamour (“Eu não gostaria de apertar a mão deles”) e ainda procura manter o espírito rebelde (“Tantas fortalezas e caminhos para atacar”). A erupção noise que irrompe aos 2:07 simboliza a revolta social preconizada na letra. Em termos musicais, é uma evolução de “Loretta’s Scars”. No selo do vinil, a faixa vem creditada como “Ell Ess Two” (“Loretta’s Scars Dois”, sacaram?), só que muito, muito mais hipnótica, fluida, encantadora. Há uma versão alternativa com esse outro título na reedição deluxe do álbum.

1) “Here” — Uma escolha bastante justificável e, ao mesmo tempo, não muito óbvia para o primeiro lugar. Canção mais Velvet/Lou Reed na história da banda, também já foi definida como “a ‘Every Breath You Take’” do indie rock, comparação até cabível. Ambas são anti-baladas cobrindo temas bem mais sombrios do que suas melodias podem sugerir. Peça central do disco que definiu o indie rock dos anos 1990, se destaca por sua singeleza dentro de um repertório cheio de berros e guitarras distorcidas. De modo bem adequado a uma trajetória marcada por paradoxos, a faixa menos característica do álbum é a que melhor resume a personalidade da banda. Desde o verso inicial, “Here” definiu, com clarividência, a jornada do Pavement. Há o sucesso que nunca chega, a “luta estéril” para defender uma “doca vazia” (a integridade artística e a ética indie?), os “especialistas pélvicos” com suas “ficadas de uma noite” (o romance fugaz da geração noventista com o mainstream?). A atitude prevalente é de resignação, adequada ao hino definitivo do “movimento” slacker. Malkmus, então aos 24 anos, canta com a apatia de um veterano alquebrado. Ainda assim, ele sabe que não deve levar tudo tão a sério. Tudo não passa de uma piada ruim, “mas não tão ruim quanto esta.”

E temos playlist, claro. A principal plataforma de streaming disponibiliza praticamente todas as faixas citadas na lista. Ficaram de fora apenas as muito raras.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)