TODAS AS 254 MÚSICAS DE MORRISSEY (SOLO), DA PIOR À MELHOR

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
63 min readNov 17, 2023

[Esta lista complementa a anterior, TODAS AS 73 MÚSICAS (dos) THE SMITHS, DA PIOR À MELHOR. Leia outras listas semelhantes na coleção TODAS AS MÚSICAS, DA PIOR À MELHOR.]

Em outubro de 2006, a BBC convidou seus espectadores na Grã-Bretanha a escolherem, em uma votação online, o “maior ícone britânico vivo”. Uma lista com mais de 600 nomes (personalidades públicas de destaque, entre membros da família real, políticos, empresários, cientistas, atletas, artistas) foi disponibilizada, e mais de 200 mil pessoas votaram. O resultado saiu em dezembro daquele ano: o vencedor foi Sir David Attenborough, biólogo, historiador e apresentador de TV. Considerado um dos “tesouros nacionais” do Reino Unido, Attenborough é admirado universalmente como um mais destacados divulgadores de causas ambientais no mundo nos últimos 70 anos.

O segundo nome mais lembrado na votação foi o de Stephen Patrick Morrissey.

O fato de um astro do rock ter chegado perto de uma unanimidade mundial como Attenborough dá uma pista da importância do ex-vocalista dos Smiths no imaginário coletivo britânico… e, por tabela, em toda a cultura pop. Desde seu despontar no cenário indie inglês, em 1983, Morrissey transcendeu e subverteu todas as expectativas usualmente aplicadas aos popstars. Ele se tornou o maior letrista de sua geração; o mais ambíguo símbolo sexual da história do rock’n’roll; um feroz ativista dos direitos dos animais; o anjo vingador de todos os solitários, tímidos, abandonados e infelizes; um performer incansável, a arrastar multidões para shows que mais parecem cultos religiosos; o mais afiado polemista pop de nossos dias — tão afiado que nem ele mesmo escapa do próprio gume (mais sobre isso alguns parágrafos adiante).

E há, naturalmente, a música. Diante de todas as facetas descritas acima, às vezes até parece ficar em segundo plano. Hoje, as pessoas que ainda ouvem suas canções se dividem em três grupos:

  1. As pessoas normais que sempre o verão como o ex-vocalista dos Smiths. Lembram de “Suedehead” e de mais nada. (Foram essas pessoas que, no show de 2018 aqui no Rio de Janeiro, aplaudiram freneticamente o cover de “Back on the Chain Gang”, depois voltaram à apatia.)
  2. Os ex-fãs indignados que renegaram o cantor depois das sucessivas, aham, polêmicas das últimas décadas (mais sobre isso alguns parágrafos adiante!).
  3. Os ainda-fãs, decerto indignados, mas ainda fãs (eu).

Quem nunca prestou (ou deixou de prestar) atenção à carreira solo de Morrissey perdeu um punhado de álbuns excepcionais e outros menores, mas sempre interessantes. E um conjunto de dezenas de canções brilhantes — e as melhores delas estão ali, pau a pau com as melhores dos Smiths. A maioria da humanidade ainda vê a trajetória solo como uma nota de rodapé na biografia da banda. Mas os Smiths duraram pouco mais de cinco anos e lançaram quatro álbuns; Morrissey está aí sozinho há 36 anos, com 13 discos de estúdio, três ao vivo e uma caralhada de compilações e singles nas costas. Menosprezar essa obra e trata-la como um apêndice é um equívoco.

Mas é um equívoco justificável. A voz e a persona do cantor sempre serão traços indeléveis do apelo dos Smiths e esses traços continuam a dominar sua música até hoje, apesar das variadas reviravoltas estilísticas e experimentos conduzidos desde 1988. Não dá para culpar o ouvinte casual que simplesmente não consegue distinguir entre a banda e a fase solo. Mesmo porque, no decorrer dos anos, vários dos parceiros musicais do cantor se esmeraram em copiar o som da banda.

Essa característica era mais perceptível na primeira fase (1988–1991). Seu principal parceiro daquela época, o produtor Stephen Street, até arriscava uma ou outra ousadia. Mas na dúvida, costumava recorrer ao decalque das harmonias de Johnny Marr e dos grooves de Andy Rourke e Mike Joyce. A tendência se agravou quando os próprios Rourke e Joyce entraram em cena, gerando uma reunião de 75% da formação da banda (complementada pelo “quinto Smith”, Craig Gannon). A coisa começou a mudar um pouco com a substituição de Street por Mark E. Nevin, responsável pelas composições do segundo álbum de estúdio, Kill Uncle (1991).

A transição para um “som 100% solo”, entretanto, só se concretizou em 1992 — a bordo de uma banda de jovens rockabillies que, sob a produção de Mick Ronson, acompanharam Mozz em Your Arsenal. O disco marcava a chegada dos guitarristas Alain Whyte e Boz Boorer. O primeiro tornou-se o mais profícuo e longevo parceiro (musical) do cantor, e seu principal compositor entre 1992 e 2009. O segundo foi o diretor musical de sua banda (e co-compositor em várias faixas importantes) até 2021. Revitalizado pelo punch do novo grupo, Morrissey experimentou sua primeira renascença… interrompida em 1997, em meio à recepção reticente dada ao álbum Maladjusted e ao exílio auto-imposto do cantor em Los Angeles.

A terceira fase começa em 2004, quando You Are the Quarry, primeiro álbum em sete anos, arrebatou crítica e público. A chegada de novos parceiros (Jesse Tobias, Gustavo Manzur, Mando Lopez) nos anos subsequentes gerou discos cada vez mais ecléticos e variados… e, eventualmente, cada vez mais excêntricos e irregulares. Ao pop guitarreiro aprimorado nas décadas anteriores, o cantor agregou influências latinas e orientais, e buscou inspiração na eletrônica e no erudito. Mas aí já estamos na década de 2010, na qual Morrissey passou gerar manchetes não por seus sucessos musicais, e sim por declarações públicas cada vez mais alarmantes.

Se a eleição da BBC para escolha do “maior ícone britânico vivo” acontecesse hoje, é provável que Morrissey não entrasse nem no Top 200. Isso porque o homem se tornou uma das figuras mais repudiadas do cenário pop, consequência de uma sucessão de posicionamentos dúbios (na melhor das hipóteses) e abertamente reacionários (na pior). Não entraremos em detalhes dos muitos episódios lamentáveis envolvendo o cantor (aqui tem um bom resumo; outros históricos alentados estão aqui e também aqui). Também não é o caso de defender ou passar pano. Ele já gasta uma grana considerável com advogados e não precisa de argumentações pro-bono. Cabe, no entanto, uma tentativa de contextualizar a guinada ideológica do cara que, um dia, já desejou ver Margaret Thatcher guilhotinada.

Mais do que progressista ou reacionário, Morrissey sempre foi, acima de tudo, do contra. Na Inglaterra da década de 1980 — quando a revolta punk deu lugar à alienação yuppie, ao new romantic e a um certo conformismo generalizado — o espírito contestador do jovem mancuniano o impeliu à esquerda. Os Smiths participaram de eventos do Red Wedge; em entrevistas e canções, o frontman não poupava críticas à família real britânica e ao Partido Conservador.

Os anos se passaram e causas progressistas como a tolerância religiosa, a luta contra a xenofobia e contra o racismo e a cooperação entre países por meio de organismos de atuação continental/global ganharam mais espaço no establishment ocidental. A guerra cultural travada nas últimas décadas é uma reação conservadora a esses avanços. E é uma guerra na qual se empregam armas de destruição em massa: intolerância, discursos de ódio, preconceitos, desinformação.

Diante de um mundo em mudança, o eterno “do contra” escolheu seu lado na guerra cultural. O lado direito. Sua índole indomável reagiu de modo instintivo ao que os conservadores chamam, alternadamente, de “tirania do bem”, “o politicamente correto”, “a cultura de cancelamento” ou simplesmente “movimento woke”. Ele era politicamente incorreto quando o “correto” era apoiar Thatcher e Reagan. E viu-se obrigado a continuar a sê-lo, no mundo de Barack Obama e da União Europeia. Como imaginar um Morrissey contente com o estado das coisas — qualquer que seja o estado das coisas?

Sua peculiar relação com a identidade nacional britânica só complica o panorama. Desde jovem, Morrissey cultua uma Grã-Bretanha idealizada, baseada nos filmes, livros e programas de TV que eram seus melhores amigos na infância e adolescência. Essa visão (essencialmente reacionária) bate de frente com a realidade de uma Inglaterra cada vez mais miscigenada e diversa. As respostas contrariadas do cantor: flertar com movimentos cripto-fascistas e xenófobos e lançar ofensas a pessoas não-caucasianas. Em sua cabeça, essas atitudes são coerentes para alguém que sempre desconfiou de qualquer tipo de instituição (incluindo, claro, a mídia) e/ou de correntes hegemônicas de pensamento.

A cada nova declaração bisonha, ressurgiam do arquivo os maus passos: “O reggae é nojento”, a Union Jack, o apoio ao Brexit. Por mais que o cantor relativize, diga-se perseguido e mal interpretado, não há como mudar a percepção do público. Quem defende a liberdade de expressão absoluta tem que arcar com a responsabilidade pelo que diz, e suas consequências. É impressionante a quantidade de pessoas que se consideram pessoalmente traídas pela postura do ex-ídolo, a ponto de renegar toda sua carreira solo.

(O que, claro, é insuficiente, se não 100% inútil. Não adianta cancelar um e preservar o outro. Eles são um só. O Morrissey dos Smiths é o mesmo dos anos solo. O que mudou foi o mundo. E nós também.)

E então, como lidar? Escrevi sobre pessoas detestáveis e suas obras admiráveis há uns anos, e ainda defendo hoje o que expressei no passado. Nunca procurei em Morrissey um amigo pessoal, uma inspiração ou um modelo de conduta. Mas seus versos e sua voz me trouxeram (trazem) conforto, risadas e comoção. São emoções muito mais importantes que qualquer opinião política equivocada. Não me sinto “traído” por sua conduta pessoal pois nunca “confiei” nela. Dou-me o direito de continuar acompanhando sua carreira e a admirando quando ela merece. (Nos últimos anos, os motivos têm sido escassos, mas tudo bem.)

Há muitos anos, o próprio Mozz escreveu que “para uma alma solitária, a mais apaixonada canção é facilmente superada… mas não se esqueça das músicas que te fizeram chorar, e das músicas que salvaram a sua vida”. E que “a passagem do tempo deixa vidas vazias, esperando para serem preenchidas”. Cada um preenche a sua como lhe convém, e eu preencho a minha com as músicas que salvaram a minha vida.

“Muitas vezes, subestimamos o efeito que a música tem em nossas vidas, e a frequência com que recompramos as canções que amamos, e de repente nos vemos aos 74 anos de idade e ainda amamos aquilo que amávamos aos 14. A música pop é tratada como uma bobagem transitória — mas não é. Todas aquelas letras se transformam em epitáfios em nossas lápides.” — Morrissey, em 2018.

A lista que segue contém todas as canções gravadas e lançadas por Morrissey desde o fim dos Smiths. Indispensáveis para a pesquisa e a redação foram o site Morrissey-Solo.com, o mais completo repositório online de dados sobre o homem, e a inescapável Mozipedia de Simon Goddard. Muitas horas também foram gastas fuçando o acervo do site https://illnessasart.com/ e sua incrível coleção de clippings abrangendo toda a carreira do cantor, durante e depois dos Smiths.

Como esta lista só contém músicas lançadas oficialmente, não há qualquer faixa de Bonfire of Teenagers, álbum gravado em 2022 e que, até a publicação deste post, encontra-se engavetado pela gravadora Capitol. Há pelo menos uma meia dúzia de canções (gravadas ao vivo) do LP circulando naquela plataforma do passarinho azul. Não aquele, o outro. Também não há músicas do anunciado Without Music the World Dies, LP cujas gravações foram completadas em fevereiro de 2023. Até o momento, não tem data confirmada de lançamento, nem gravadora.

254) “Subway Train” — Quase não dá pra considera-la uma faixa oficial: uma versão abreviada deste cover (original dos New York Dolls) encontra-se no álbum ao vivo Live at Earl’s Court, num medley com “Munich 1958 Air Disaster”.

253) “I Didn’t Know What To Do” — Difícil justificar o resgate desta canção esquecida de Gilbert O’Sullivan, gravada ao vivo em 2014. Alívio cômico?

252) “East West” — Cover dos Herman’s Hermits. Morrissey é fã da banda, sua conterrânea de Manchester, desde a infância. Peter Noone, cantor dos H’sH, não curtiu a versão.

251) “Journalists Who Lie” — O caso de ódio & ódio entre Morrissey e a imprensa inglesa rendeu essa bisonha faixa, composta em 1989 e só lançada em 1991. A produção de Clive Langer e Alan Winstanley não deu jeito na desconjuntada composição.

250) “Darling, I Hug a Pillow” — Bizarra, tanto na letra quanto na (falta de) melodia. Ansiando por uma conjunção carnal que nunca chega (“Why can’t you bring figs all pulpy and moist? / Roasted in passion and salty of voice?”), o cantor apela para versos pobres (chega a rimar “face” com “face”). Mais um experimento fracassado de I Am Not a Dog On a Chain.

249) “If You Don’t Like Me, Don’t Look at Me” — Rock inexpressivo composto por Jesse Tobias, mais um pretexto para uma letra pobre e lamuriosa.

248) “Knockabout World” — Surpreende por sua sonoridade bem anos 80. Em termos de letra e melodia, não entrega quase nada.

247) “King Leer” — Música de Kill Uncle, na qual o arranjo — um semi-rockabilly acústico — e a letra fraca compõem um resultado involuntariamente hilariante.

246) “Fantastic Bird” — Sobra das sessões de Your Arsenal que só veio à luz em 2009. Apesar da empolgação da banda, o vocal não demonstra muito ânimo.

245) “Love Is On Its Way Out” — De letra preguiçosa e melodia amorfa, é uma das piores de I Am Not a Dog on a Chain.

244) “One of Our Own” — Desovada no pacote de faixas-bônus da reedição de World Peace…, essa canção de Gustavo Manzur ganhou uma melodia vocal preguiçosa, quase inexistente.

243) “Happy Lovers At Last United” — Mais uma das parcerias iniciais com Stephen Street, muito calcada em sonoridades chupadas dos Smiths. A interpretação vocal é tingida de ironia e tristeza, mas a melodia fica aquém do esforço do cantor.

242) “Shame Is the Name” — A melodia é desarticulada e a letra é uma mixórdia, misturando crítica política e reprimendas a adolescentes que desperdiçam a vida bebendo. Mais interessantes são o sample de um diálogo do filme Os Incompreendidos, de François Truffaut, e a discreta participação de Chrissie Hynde na voz de apoio.

241) “Treat Me Like a Human Being” — Composta por Stephen Street para o repertório de Viva Hate, ficou arquivada por mais de 20 anos. O relançamento de 2011 resgatou a demo original da canção, uma balada de vaga inspiração r’n’b que realmente não tinha lugar no álbum.

240) “Jim Jim Falls” — De levada funky, com direito a teclados eletrônicos em destaque, era a abertura desconcertante de I Am Not a Dog On a Chain.

239) “The Kid Is a Looker” — Mais um protagonista enigmático neste lado-B de 2011. “Ele não sabe fazer coisa alguma / Mas que diabo / O garoto é bonitão”, canta Morrissey sobre um astro pop pré-fabricado. Uma pista? Na capa do single, Rick Astley aparece ao lado de Mozz, em uma foto de 1989.

238) “I Thought You Were Dead” — Energético lado-B gravado na época de Low In the High School, bem distante do clima mais sombrio do resto do álbum. Se não fosse pela inclusão meio deslocada de um violino cigano, poderia ser um rockabilly da fase pré-Your Arsenal.

237) “There Speaks a True Friend” — Dirigindo-se a um amigo (imaginário, provavelmente), o cantor se lamenta: “Você listou todas as coisas que as pessoas não suportam em mim…”. A canção, aproveitada no lado-B de “You’re the One for Me, Fatty”, termina de modo espantosamente abrupto.

236) “Forgive Someone” — O que há instigante nesta aqui é a última estrofe (“Shorts and supports and faulty shower heads / At track and field we dreamt of our beds / In the bleachers you sit with your legs spread, smiling / ‘Here’s one thing you’ll never have’”). Sabendo do passado atlético do artista nos tempos de escola, os versos podem aludir a um flerte da época.

235) “Get Off the Stage” — Escrita em 1989 para sacanear Mick Jagger, cuja presença nos palcos (aos 46 anos!) parecia embaraçosa a Morrissey. Rara parceria com o baixista Andy Rourke, soa 100% genérica, a despeito de um acordeão maroto no arranjo. A ironia é que a letra acusa os Stones de repetirem a si mesmos… Inquirido sobre a música em 2005, o cantor classificou os versos de “patéticos”.

234) “Sorry Doesn’t Help” — Dedo em riste, Morrissey condena mais um ex-amigo: “Você mentiu sobre suas próprias mentiras (…) e pedir desculpas não vai nos ajudar”. A energia na execução da banda é insuficiente para disfarçar o caráter genérico da composição.

233) “The Slum Mums” — Mais uma mistura de crítica social e melodrama over, do jeito que apenas ele sabe fazer. Para o bem ou para o mal. Afinal, são as agruras de “seis crianças imundas, de seis pais ausentes”, entregues à benevolência do governo. Não bastasse o mundo-cão da letra, ainda enfiaram um sample de choro infantil na abertura…

232) “When You Close Your Eyes”— Original de Carly Simon (!), essa regravação de 2018 não chega a redimir uma música que já não era lá muito boa.

231) “A Song from Under the Floorboards” — Cover do Magazine, banda conterrânea (mas não contemporânea) dos Smiths. A versão original, mais arejada e minimal, é bem melhor.

230) “Mute Witness” — O humor negro da letra (sobre uma garota surda-muda) não orna com a alegria do arranjo. Merece ficar largada na meiúca de Kill Uncle.

229) “The Girl from Tel-Aviv Who Wouldn’t Kneel” — Curioso número de sonoridade latino-jazzística, cortesia de Gustavo Manzur. Estranhamente, abriga uma letra crítica a respeito da geopolítica no Oriente Médio.

228) “He Knows I’d Love to See Him” — Escrita pouco mais de dois anos depois da separação dos Smiths, parecia obviamente dirigida a Johnny Marr. Kevin Armstrong, parceiro do cantor na composição, não era um substituto à altura; para (não) compensar, a melodia vocal praticamente inexiste.

227) “Bobby, Don’t You Think They Know?” — A única surpresa aqui é a participação da cantora Thelma Houston. Saiu como single em 2020: uma escolha estranha, visto que há faixas mais interessantes em I Am Not a Dog on a Chain. O personagem-título é uma incógnita, mas parece ter problemas com drogas (“Snowcaine, toot and horse / then something worse”).

228) “When Last I Spoke to Carol” — Violões em brasa e metais mariachi dão um ar tragicômico à história de Carol, uma garota de compleição pálida nascida em 1975; ela morre sem que “ninguém venha resgata-la”. Consta que a ideia original era ter Herb Alpert tocando o trompete na faixa.

227) “(I’m) The End of the Family Line” — Uma saída típica para os parceiros de Morrissey nos primeiros discos era emular o som dos Smiths. Mark Nevin aplica o truque aqui; o cantor decerto percebeu, dado o desânimo no vocal e a letra repetitiva.

226) “Driving Your Girlfriend Home” — Um bizarro triângulo amoroso é o foco desta canção de 1991. Linder Sterling faz backing vocals no refrão, conferindo um colorido extra a uma faixa que, na melhor das hipóteses, é um decalque esquálido dos Smiths.

225) “I’m OK by Myself” — “Isso pode te surpreender, mas eu estou bem sozinho”. Não brinca! Para reafirmar sua resignada condição de solitário, Morrissey sacou de um rock barulhento assinado por Jesse Tobias. Aliás, muito barulho por quase nada.

224) “Children in Pieces” — O tema é familiar: abuso infantil cometido em escolas. A referência é o caso real das “escolas industriais” comandadas pela igreja católica na Irlanda, para onde crianças órfãs eram encaminhadas e sofriam o diabo na mão de padres e freiras. A letra pesada combinaria melhor com um arranjo mais solene.

223) “Christian Dior” — Inusitado tributo ao estilista francês, no qual Morrissey lamenta: “Você desperdiçou sua vida (…) poderia ter corrido por aí (…) engravidando mulheres ou beijando garotos pelas ruas de Nápoles”. Resta saber se o cantor não falava sobre si mesmo…

222) “Don’t Make Fun of Daddy’s Voice” — Na galeria de personagens do songbook morrisseyniano, o papai desta letra é um dos mais inusitados: um sujeito que ficou com “algo entalado na garganta” quando adolescente, e hoje é zoado pelos filhos por sua voz… pouco convencional. (Cheque o som esganiçado emitido aos 1:13.)

221) “Mountjoy” — Falta uma melodia mais marcante para justificar sua duração, superior a cinco minutos.

220) “Sunny” — Nos anos 1990, Morrissey deixava seus músicos soltarem os cachorros nos álbuns e selecionava canções mais ortodoxas para os compactos. Curtinha, “Sunny”, de 1995, é uma de suas composições mais frouxas entre as lançadas como single.

219) “Safe, Warm Lancashire Home” — Uma das primeiras parcerias Morrissey/Street, composta durante as sessões de Viva Hate. O parceiro e produtor ainda mantinha-se atrelado aos clichês smithianos, tateando em busca de estilo próprio. Sobreviveu como demo, lançada no lado-B de “Glamorous Glue”.

218) “My Love, I’d Do Anything for You” — Um hard rock, ou quase, composto por Mando Lopez para Low in High School. A sonoridade bombástica é adequada para uma faixa de abertura. O problema é que Morrissey encarna o velho ranheta mais uma vez (“Teach your kids to recognize and despise all the propaganda / filtered down by the dead echelons of the mainstream media”).

217) “Heir Apparent” — A história da letra (Morrissey volta a Manchester e revê a si mesmo mais jovem, partindo para Londres, cheio de sonhos) merecia versos e melodia melhores. Whyte ainda tenta umas graças, mudando o tom da canção no final.

216) “It’s Hard to Walk Tall When You’re Small” — A música era, em sua concepção original, uma balada composta por Spencer Cobrin. Desencavada em 2004, virou um rockão assinado por Alain Whyte.

215) “Lady Willpower” — Aqui, o mancuniano realiza sua fantasia pessoal de encarnar Elvis na fase Las Vegas, acossado por um arranjo de metais hipertrofiados.

214) “Oh Well, I’ll Never Learn” — Simplezinha parceria com Stephen Street. Simplezinha até demais. Sobrou para o lado-B do single inaugural da carreira solo, “Suedehead”.

213) “Dial-a-Cliche” — Óbvia tentativa de emular os momentos mais delicados dos Smiths. Ainda que o compositor/produtor Stephen Street tenha mencionado “Norwegian Wood”, dos Beatles, como referência.

212) “Redondo Beach” — Versão ao vivo para o clássico de Patti Smith. Voz vacilante e arranjo de timbres duvidosos depõem contra a homenagem.

211) “When You Open Your Legs” — Apesar da influência latina no ritmo e no arranjo, essa canção se passa em Tel Aviv. Depois de ser expulso de uma boate (às 4h da manhã!), Morrissey perde tudo quando seu/sua amante abre as pernas. Esquisita demais, com uma melodia tortuosa demais, sobrevive graças à força da interpretação vocal.

210) “It Happens Every Time” — Música lançada em 1966 por Tim Buckley, que mereceu uma regravação anódina em 2020.

209) “Loneliness Remembers What Happiness Forgets” — Apesar do bom vocal (como em todas as regravações de California Son), o arranjo-de-praça-de-alimentação prejudica o resultado final.

208) “Skin Storm” — Bradford era uma bandinha indie inglesa surgida no fim dos anos 1980. Como tantas outras bandinhas indies, amava os Smiths. Morrissey era fã e, pra dar uma forcinha, regravou em 1991 esta canção do primeiro álbum dos caras. Suave e olvidável.

207) “Human Being” — Cover meio lesadão dos New York Dolls, gravado nas sessões de Ringleader. A despeito da óbvia identificação do cantor com a música, falta vigor. O saxofone caótico no fim serve como elo com a gravação original.

206) “Satellite of Love” — O clássico de Lou Reed regravado ao vivo e lançado como single em 2013, algumas semanas após a morte do autor. Com voz meio gasta, Morrissey altera a melodia original e alguns versos (“I cannot stand the TV”).

206) “Judy Is A Punk” — Curta, grossa e fiel versão do clássico dos Ramones, gravada ao vivo em 2016.

205) “Back On The Chain Gang” — Morrissey e Chrissie Hynde têm uma amizade cultivada em encontros esparsos no passar dos anos. A líder dos Pretenders já havia regravado, em 1995, “Everyday Is Like Sunday”. Esta versão do hit de 1982 foi feita para a edição deluxe de Low in High School. Depois de uma abertura marota (meio reggae, meio música de carrossel), o cover evolui de forma muito similar à original.

204) “No One Can Hold a Candle to You” — Em 2004, ninguém mais lembrava da existência do grupo Raymonde, que chegou a ser apontado — em um brevíssimo interregno em 1987 — como um possível sucessor dos Smiths. Mas Morrissey lembrava, pois a banda era liderada por James Maker, amigo de longa data do cantor. Este cover foi gravado para o lado-B de “I Have Forgiven Jesus”, com um arranjo quase idêntico ao original.

203) “It’s Over” — Regravação até contida para o dramalhão clássico de Roy Orbison, mais um dos hits que marcaram a pré-adolescência morrisseyniana. Quem entorna o caldo mesmo é Laura Pergolizzi, aloprando nos vocais de apoio.

202) “That’s Entertainment” — Outro cover meio sedado, desta vez revisitando a obra-prima de Paul Weller. Preste atenção em algumas sutis alterações na letra.

201) “Who Will Protect Us from the Police?” — Sutil como uma tropa de choque, o cantor alude a tanques na rua e ataques à liberdade de expressão, em alguma ditadura distópica. A coisa ganha caráter bem palpável no encerramento, com brados de “VE-NE-ZUEEELA”; a canção é dedicada aos manifestantes que foram às ruas de Caracas protestar contra o governo Maduro, em 2017.

200) “Oh Phoney” — Não fica claro quem é o “farsante” denunciado nesta canção de 1989. Pode ser um cantor rival (“You sing a lovely song to scale”), desfavoravelmente comparado ao pior dos criminosos de guerra (“Ooh, who can make Hitler seem like a bus conductor?”). A hilária e exagerada interpretação vocal é o traço mais marcante.

199) “I Wish You Lonely” — Só tem 2:58, mas parece durar mais. Boz até que se arrisca, apresentando uma batida pesada e bases de sintetizador. A melodia vocal repetitiva impede o conjunto de decolar.

198) “You Say You Don’t Love Me” — O clássico dos Buzzcocks, em uma releitura ao vivo. Morrissey nunca escondeu a influência que seus conterrâneos punks exerceram sobre os Smiths. Esta letra, sobre um amor não correspondido, é particularmente morrisseyniana.

197) “Morning Starship” — Chegada a hora de gravar seu primeiro LP de covers, Morrissey escolheu sua canção favorita de Jobriath para abrir os trabalhos. Opção deliberada, pois o obscuro cantor glam americano (1946–1983) é um dos heróis máximos do cânone morrisseyniano. A regravação é agradável, com uma performance vocal segura.

196) “Suffer The Little Children” — Não confunda com a quase-homônima composição original incluída no primeiro álbum dos Smiths. Essa é de Buffy Sainte-Marie, mais uma das obsessões kitsch da adolescência. Para deixar uma marca pessoal na regravação sem descaracteriza-la, o produtor Joe Chicarelli meteu uma tuba e um piano marretado no arranjo.

195) “I Am Not a Dog On A Chain” — Com mudanças de andamento e clima um tanto desconexas, essa composição de Jesse Tobias encontra Morrissey em um mood irônico, saltitando entre a canção de ninar e o rock pesado. Na letra, o cantor se orgulha de “não ler jornais” e de “usar o próprio cérebro”, conversinhas perigosas em tempos de conspirações e paranoias.

194) “You’ll Be Gone” — Cover de Elvis Presley, retirado da trilha sonora do filme Louco por Garotas (1964). Na gravação ao vivo, a banda eleva ao quadrado a inspiração latina do arranjo original, e Morrissey se esbalda.

193) “Drive-in Saturday” — O cantor costumava apresentar esta canção de David Bowie em sua turnê de 2007; consta que a recepção da plateia não era muito animadora. Ainda assim, a afeição pelo cover foi suficiente para que uma versão ao vivo fosse lançada no lado-B do single de “All You Need Is Me”. O vocal é rascante, passional.

192) “Lucky Lisp” — No retrospecto da parceria Morrissey/Street, não é das mais empolgantes. Relegada ao lado-B de “The Last of the Famous International Playboys”.

191) “What Kind of People Live in These Houses?” — Cruel e condescendente visão do proletariado, condenado a repetir os erros das gerações passadas. Ainda que Tobias se esforce nas guitarras slide, não há oportunidade para um refrão decente.

190) “Rose Garden” — A fixação morrisseyiana pela estética camp atinge um ponto alto aqui. Falta fôlego ao vocal em mais de um momento. Esta, até os Fevers gravaram, o que dispensa comentários adicionais.

189) “Are You Sure Hank Done It This Way?” — Inesperada cover de Waylon Jennings, gravada ao vivo e lançada na versão deluxe de Low in the High School. O “Hank” citado, óbvio, é o Williams. Um arrasta-pé digno.

188) “Lenny’s Tune” — Uma interpretação solene e um arranjo espartano para esta versão. Tim Hardin compôs a tristonha canção em homenagem ao comediante Lenny Bruce; a gravação mais conhecida é de Nico, com o título “Eulogy for Lenny Bruce”.

187) “I Knew I Was Next” — Letra, melodia e arranjo indistinguíveis de tantas outras da safra 2004–2006.

186) “Found Found Found” — O produtor/parceiro Clive Langer confessou ter escrito esta música “em cinco minutos”. A falta de esforço combina com a letra, na qual Mozz resmunga: “Quanto mais amor se dá, mais você acaba perdendo”. Pelo menos ele não sofre por muito tempo: a música dura dois minutos cravados.

185) “The Harsh Truth of the Camera Eye” — Comprido e esquisito número em compasso de valsa, que demonstra a falta de rumo do homem na época de Kill Uncle.

184) “Brow Of My Beloved” — É bonita, mas inconsequente. Há uma sensação de demo inacabada no arranjo eletrônico criado por Boz Boorer. Morrissey canta bem, de forma contida — ainda que melodia e letra não ajudem muito.

183) “Lover-To-Be” — Possivelmente inspirado pelas temporadas passadas em Roma, Morrissey apresenta aqui um amante “de bom material italiano”. A voz já teve dias melhores. Boz se esforça na pilotagem de um arranjo complexo, alternando ritmos sincopados.

182) “The Father Who Must Be Killed” — Um refrão bem pop, adornado por um coral infantil, alivia um pouco a barra da letra (na qual uma garota mata o pai adotivo a facadas).

181) “I Just Want to See the Boy Happy” — Uma das mais fracas de Ringleader of the Tormentors. Mozz parece se esforçar para encaixar alguma melodia sobre o rock composto por Jesse Tobias, sem muito resultado.

180) “Yes, I Am Blind” — Talvez o mais perto que Morrissey chegou de gravar uma balada soul, composta em parceria com Andy Rourke. O título é metafórico, referindo-se à incapacidade de ver coisas boas na vida, só as ruins. Esquecida por muitos anos, voltou ao repertório dos shows do cantor na década de 2010.

179) “How Can Anybody Possibly Know How I Feel?” — A pergunta só pode ser retórica, vinda de um artista cuja carreira se baseia em chorar pitangas. A letra é agressiva e desbocada, referindo-se às “15 milhas de merda” pelas quais o cantor foi arrastado (uma metáfora, espero) e a uma misteriosa figura vestindo um uniforme fedorento.

178) “Black-Eyed Susan” — Composta com Alain Whyte, é uma espécie de elo perdido entre o som pop de Vauxhall and I e o experimentalismo de Southpaw Grammar. Parece uma faixa normal daquela fase, até descambar para uma parte atonal no meio.

177) “Girl Least Likely To” — Fechando os olhos, dá pra imaginar essa como um lado-B dos Smiths, na fase inicial da banda. Faz sentido, pois a música foi composta por Andy Rourke.

176) “At Amber” — Sobra de estúdio da parceria com Stephen Street, originalmente se chamava “The Bed Took Fire”; uma versão com o título original se encontra na reedição de Bona Drag. Poderia ser uma faixa menos inspirada de Strangeways Here We Come.

175) “My Hurling Days Are Done” — Encerramento convencional para I Am Not a Dog on a Chain, um disco repleto de faixas pouco convencionais. É a que mais soa como “Morrissey padrão”, mas como carece de brilho, decepciona.

174) “Bengali in Platforms” — Esta é a canção que iniciou o meme do “Morrissey racista & xenófobo”, lá pelos idos de 1988. A letra dirige-se a uma garota indiana — a “bengali de saltos plataforma” — que tenta se integrar à sociedade britânica. O conselho do mancuniano: desista de seus “planos ocidentais”, a vida já é difícil pra quem nasceu na Inglaterra. Por mais que o cantor tenha negado o intuito preconceituoso, versos como “Don’t blame me, don’t hate me / Just because I’m the one to tell you” soam, no mínimo, reacionários. Não por acaso, a música nunca foi executada ao vivo.

173) “Jacky’s Only Happy When She’s Up on the Stage” — Lançada no ano em que o parlamento britânico aprovou o Brexit, esta canção explana a posição de Morrissey (“Everybody’s heading for the exit / Exit, exit”). Ele já negou essa interpretação. A personagem-título, uma atriz fracassada e solitária, compartilha o nome com a irmã mais velha do cantor.

172) “Drag the River” — Arranjo agradável para uma melodia vocal qualquer-nota. A letra sombria não casa com a leveza do som.

171) “Black Cloud” — Rock com interpretação vocal angustiada e participação (imperceptível) de Jeff Beck (!) na guitarra.

170) “Honey, You Know Where to Find Me” — Parceria baixos-teores com Boz Boorer. De arranjo leve e vocal límpido, foi gravada nas sessões de Southpaw Grammar, mas só veio à tona em 2009 — uma decisão inteligente, pois iria destoar bastante do turbulento clima do LP.

169) “Interlude” — No fim dos anos 80, Morrissey cismou que iria gravar um dueto com Siouxsie Sioux. Escreveu um punhado de cartas à cantora (“Escritas à mão, em uma caligrafia louca e infantil”, segundo a própria), sugerindo possíveis colaborações. O negócio saiu do papel em 1993, quando ambos cantaram (em sessões separadas) uma versão de um antigo sucesso da cantora americana Timi Yuro. Nos vários meses que separaram a gravação do lançamento, a dupla brigou e o single saiu, sem qualquer promoção, creditado a “Morrissey & Siouxsie”. Difícil superar a frustração com o resultado, dado o potencial do dueto. Não chega a haver uma real conexão entre os dois vocalistas e o romantismo onírico da letra fica apenas na sugestão, sob cellos e violinos.

168) “Sorrow Will Come in the End” — Em 1996, o baterista dos Smiths, Mike Joyce, obteve ganho de causa num processo contra Morrissey & Marr, no qual ele pedia revisão dos royalties relativos à banda. A dupla foi condenada a pagar cerca de £ 1,25 millhão a Joyce (mais as custas legais). O cantor segurou todo seu ódio contra o ex-amigo e o sistema legal britânico e o soltou nesta canção de 1997, classificada por Simon Goddard como “uma das coisas mais esquisitas que Morrissey já gravou”. Em tom solene, Mozz declama a letra, na qual ameaça: “Não cerre seus olhos / Um homem que corta gargantas tem todo o tempo do mundo / E eu vou te pegar”. O arranjo soa como uma releitura maníaca de uma musiquinha de parque de diversões. Acabou excluída da versão inglesa de Maladjusted (para evitar o risco de um OUTRO processo) e nunca foi executada ao vivo.

167) “The Loop” — Entre o rockabilly e o country, a faixa marcava a metamorfose sonora entre Kill Uncle e Your Arsenal. Há várias outras melhores no mesmo estilo. A versão mais legal é a de Beethoven Was Deaf.

166) “All the Young People Must Fall in Love” — Faltam melodia e rimas melhores nesse single lançado em 2018. O vocal é OK, entretanto.

165) “The Truth About Ruth” — Baladão melodramático, que vai aumentando o tom bombástico aos poucos… até lançar mão de uma cantora de ópera sampleada! A verdade sobre Ruth: “ela”, na verdade, se chama John. Ou se chamava, já que a canção se encerra proclamando: “Cedo ou tarde, todos nós acabamos cortados”. Literalmente, pelo visto.

164) “My Life Is a Succession of People Saying Goodbye” — Favorita para o posto de “título mais coitadista” deste ranking, e olha que a disputa é puxada. A letra é curtinha mas tem seus achados (“And all of the best things / In life are behind glass / Money, jewelry, and flesh”).

163) “The Ordinary Boys” — Concebida originalmente por Stephen Street como um baladão ao piano. Colada ao vocal, a harmonia sub-smithiana deixa tudo com gosto de deja-vú… talvez uma sobra rejeitada de Meat Is Murder? Morrissey não deve ter muito apreço pela canção, visto que na mais recente reedição de Viva Hate (2012), a faixa foi excluída e substituída pela até então inédita “Treat Me Like a Human Being”.

162) “Once I Saw The River Clean” — Sob uma base eletrônica bem oitentista, Morrissey relembra passagens de sua infância: passeios com a avô, um single do T-Rex, logradouros dos subúrbios de Manchester. Por falta de competição, é uma das mais interessantes de I Am Not a Dog on a Chain.

161) “This Is Not Your Country” — Lamentosa balada com uma letra comentando a opressão do governo inglês sobre a Irlanda do Norte. A interpretação vocal é impecável e tocante. Falta, contudo, mais ambição na melodia e no arranjo.

160) “Ammunition” — Faixa genérica de Malajusted, com harmonia manjada e melodia idem.

159) “Something Is Squeezing My Skull” — Tentativa de resgatar, em 2009, o pique da fase Your Arsenal. Chega perto, mas o som, apesar de pesado, é limpinho demais. A letra é muito mais interessante: o que aperta o crânio de Morrissey são drogas (antidepressivos e sedativos). Ele pergunta “por quanto tempo mais preciso tomar essas coisas?”, até chegar ao clímax um tanto desesperado (“Você jurou que não me daria mais”).

158) “He Cried” — O refrão é quase excelente, mas não engrena. Falta energia tanto à música quanto ao vocal.

157) “Art-hounds” — Depois de uma espantosa abertura (com um arranjo de metais suingado!), esta sobra de World Peace Is None of Your Business adentra território mais familiar. “Minha vida é ópera”, canta ele em falsete. Sim, a gente sabe.

156) “All the Lazy Dykes” — Canção menor de You Are the Quarry. Os ruidinhos aleatórios do arranjo não combinam com a interpretação solene.

155) “I’m Not Sorry” — “The woman of my dreams / Well, there never was one”, confessa Morrissey lá pelo fim desta faixa mediana de 2004.

154) “My Dearest Love” — Um arranjo potente (com um riff de piano aparentado ao de… “Unbelievable”, do EMF) serve de base para a chorumela de sempre (“Take me to the place I’ve been dreaming of / Where the grotesquely lonely / Meet the grotesquely lonely”). Em linha com uma tendência preocupante nos últimos anos, o som é mais interessante que a melodia vocal.

153) “Because of My Poor Education” — Baladão arrastado, cujo título promete uma letra mais confessional — mas não entrega.

152) “Michael’s Bones” — Lado-B de 1989 que remete aos momentos mais sombrios dos Smiths. Indagado sobre a fonte de inspiração da letra, Morrissey se limitou a dizer que “era um caso triste demais para ser comentado”.

151) “Earth Is the Loneliest Planet” — A letra é aquele mimimi tradicional (“Live with aloneness that no one else knows” etc.), mas a música… depois de uma introdução falada à capella, o arranjo pensado por Gustavo Manzur mistura violões latinos e uma levada funky. Ainda mais surpreendente é o vídeo, no qual Morrissey contracena com Pamela Anderson (?!) — a playmate também é militante do vegetarianismo.

150) “In Your Lap” — Ditaduras caem no Oriente Médio, senhores da guerra queimam, mas tudo o que Morrissey quer é enfiar a cara no colo de alguém. Um solene arranjo de piano dá densidade extra aos versos.

149) “Do Your Best and Don’t Worry” — Rock menos inspirado de Southpaw Grammar, que oferece mais uma chance para o baterista Spencer Cobrin brilhar.

148) “Don’t Interrupt The Sorrow” — Canção de Joni Mitchell, já classificada por Morrissey como “a maior letrista que já viveu”. A regravação dá um ar quase de cocktail-jazz à rusticidade suave da versão de Joni (com direito a um solo de sax soprano no lugar da slide guitar original).

147) “Some Say I Got Devil” — Provavelmente o mais obscuro cover de California Son. Morrissey a sacou do repertório de Melanie Safka, cantora folk americana que chegou a emplacar alguns hits no começo da década de 1970. Comparada à original, a regravação reteve a atmosfera fatalista, trocando o minimalismo acústico por violentos stabs de cordas sintetizadas.

146) “Cosmic Dancer” — Cover espectral do clássico do T-Rex, paixão do Morrissey adolescente. A versão gravada ao vivo em 1991 traz só o cantor e Boz Boorer ao violão.

145) “The Youngest Was the Most Loved” — Roquinho mediano cujo ponto de atenção é a intervenção de um coro de crianças italianas cantando “There’s no such thing in life as normal” — quase uma versão inglesa do aforisma de Caetano Veloso (“De perto ninguém é normal”). Desapontado com o desempenho do single nas paradas, o cantor desancou publicamente seu empresário da época, cobrando mais empenho na divulgação.

144) “You’ve Had Her” — Uma das primeiras parcerias com Boz Boorer, lançada no B-side de “Certain People I Know”. Vocais e instrumental etéreos conferem um certo ar psicodélico à balada.

143) “Smiler with Knife” — Tem uma bela coda instrumental, iniciada aos 3:35. Só que, pra chegarmos até lá, é preciso aturar Morrissey se arrastando languidamente à espera de um sedutor sorridente que brande uma faca.

142) “Sing Your Life” — Vocais ultra-afetados para uma composição apenas mediana, o segundo single extraído de Kill Uncle. É relevante por marcar o ponto em que o cantor começa a se aproximar musicalmente do rockabilly, ainda que a produção de Langer/Winstanley careça do punch demonstrado em Your Arsenal. O clipe é uma gracinha retrô; preste atenção, em 1:46, à aparição de Chrissie Hynde.

141) “Satan Rejected My Soul” — Último single lançado pelo cantor na década de 1990. Há um esforço para compor um refrão grudento, mas Morrissey parece perder o interesse lá pelo meio da canção.

140) “One Day Goodbye Will Be Farewell” — A bateria cavalar e as guitarras fazem lembrar a fase Southpaw Grammar. O tom da composição apresenta alguns desafios para a garganta do homem, em especial no refrão meio torto.

139) “Istanbul” — O recente interesse de Morrissey pelo Oriente Médio aparentemente se inicia nesta faixa de World Peace Is None of Your Business. Apesar da melodia qualquer-nota, tem uma levada de guitarra interessante.

138) “Asian Rut” — Movida por uma linha de baixo (acústico) quase jazzística e um violino melodramático, é um dos momentos mais estranhos de Kill Uncle. A letra narra a vingança de um jovem de origem asiática contra os ingleses que mataram seu amigo. Apesar do caráter bem explícito da narrativa, foi apontada, mais de uma vez, como evidência de xenofobia.

137) “Little Man, What Now?” — Gravada no primeiro disco solo, prenunciava os flertes com sonoridades latinas que viriam nas décadas seguintes. Apesar de curtinha (menos de dois minutos), é uma das mais ousadas de Viva Hate. O homenzinho do título é um ator juvenil dos anos 1960 que, fracassado e esquecido, tem em Morrissey seu último admirador.

136) “Reader Meet Author” — Apontada pelo cantor como sua colaboração favorita com Boz Boorer, é uma das faixas mais contidas e “normais” de Southpaw Grammar.

135) “Scandinavia” — Caprichando no histrionismo vocal, Morrissey relata uma confusa história de amor e crime passada em algum país nórdico. A batida pesada e o arranjo de cordas completam a teatralidade da interpretação.

134) “Staircase at the University” — Suicídio não chega a ser um tema incomum nesta lista. Mas aqui a coisa é tratada de forma fria e explícita (“Escada na universidade” / Ela se atirou lá de cima / E sua cabeça se partiu em três”). É a conclusão antecipada de mais um drama familiar, que vem acoplado a uma melodia um tanto alegre demais… concluída com um vibrante solo de violão flamenco!

133) “Tony the Pony” — Entre o rockabilly e a reverência aos Smiths, Mark Nevin tentou emplacar essa em Kill Uncle. Acabou relegada ao lado-B de “Our Frank”. Apesar de ser longa demais, tem um bom arranjo entrelaçando guitarras e violões. Entre falsetes, Morrissey emite um raro palavrão (“There’s a free ride on fucked-up Tony”) em surdina, quase no fim da letra.

132) “Lifeguard On Duty” — O som é um jangle pop genérico, salvo do purgatório por uma melodia vocal leve e saltitante. Num achado trocadilhesco, Morrissey pede que o salva-vidas “salve-o da vida” em si. Divertidinha.

131) “Such a Little Thing Makes Such a Big Difference” — Inspirado (por ordem de Morrissey) em uma antiga canção dos Sparks, Stephen Street compôs este lado-B em 1988. O estilo do vocal e o arranjo remetem, uma vez mais, às antigas parcerias com Marr, com um toque extra de leveza. Melhor verso: “Most people keep their brains between their legs”.

130)“Kiss Me a Lot” — Divertido single extraído de World Peace…, no qual o fraseado de trumpete confere uma influência latina no arranjo.

129) “Friday Mourning” — Balada de melodia bonita, que quase sucumbe ao excesso de sacarina e autocomiseração.

128) “Ganglord” — De volta ao mundo do crime: o protagonista é um malandro perseguido pela polícia, que recorre ao “senhor da gangue” para se salvar. O desespero dos pedidos de “Save me!” soa convincente. E ainda há tempo para um comentário social — “Eles (a polícia) dizem ‘para proteger e servir’ / Mas o que eles querem dizer na verdade é / ‘Voltem para o gueto’”.

127) “Only A Pawn In Their Game” — Morrissey cantando Bob Dylan?! Decisão inusitada: a Mozipedia sequer traz um verbete dedicado ao americano, indicando que BD nunca chegou a ser uma referência relevante para o ex-Smith. A pista reside na letra sobre o ativista negro Medgar Evers, cuja vida foi estudada por James Baldwin, um dos autores favoritos de Morrissey. Divagações à parte, é uma versão potente, com a percussão e o acordeão dando um tom de folk irlandês ao arranjo.

126) “Kick the Bride Down the Aisle” — Uma bela melodia acompanha versos um tanto misóginos (“Look at that cow / In the field / It knows more than your bride knows now”).

125) “Julie in the Weeds” — Em sua quarta década como letrista, Morrissey ainda insiste em criar personagens e contar histórias. Infelizmente, os resultados têm sido irregulares. Ele parece admitir o problema nesta faixa de 2012 (“No one has a clue / Nobody quite knows what to do”). Soa agradável, entretanto.

124) “Trash” — Versão da canção dos New York Dolls, que, gravada ao vivo em 1991, ganhou um desvairado pique rockabilly.

123) “Lost” — Bonita parceria com Spencer Cobrin. Só é um tanto parecida com outras músicas daquela fase (1997) para merecer uma posição mais alta.

122) “Angel, Angel Down We Go Together” — Muito sentimentalismo nesta faixa de Viva Hate, para a qual o produtor/parceiro Stephen Street concebeu um suntuoso arranjo de cordas. Apesar de toda a carga sonora e poética, dura apenas 1:39.

121) “Let the Right One Slip In” — Interessante sobra das sessões de Your Arsenal, tem o mesmo pique dos momentos mais roqueiros do disco. E antes que vocês perguntem: sim, o título inspirou o escritor sueco John Lindqvist, autor de Deixa Ela Entrar.

120) “I Can Have Both” — Descaradamente smithiana, esta composição de Boz Boorer quase entrou em Maladjusted. Na reedição de 2009, Morrissey a aponta como uma de suas favoritas daquela fase. Talvez por conter uma nada velada confissão de bissexualidade (“Eu posso ter ambos / Não é preciso escolher”).

119) “I Am Two People” — Afogado em autopiedade e autodepreciação, o cantor (nascido em 22 de maio) pondera sobre a dualidade típica dos geminianos. “Sou duas pessoas, uma você conhece e não gosta, a outra você não conhece, mas não quer conhecer”. Os “yodel-lê-hi-hi” no fim podem irritar os ouvintes menos convictos.

118) “Disappointed” — Stephen Street se empenha na criação de uma paródia involuntária do arranjo de “How Soon Is Now?”, para uma letra que também fala de solidão e inadequação social. Morrissey confessa estar apaixonado por uma garota… só que no penúltimo verso, dá pra trás (“No, I’ve changed my mind again”).

117) “Please Help The Cause Against Loneliness” — Entre as faixas gravadas na fase Viva Hate/Bona Drag e arquivadas, esta é uma das melhores. Uma linha de baixo à la Motown impulsiona uma melodia irrequieta e uma letra (falsamente) tristonha. Depois que a música foi, nas palavras do cantor, “congelada”, Sandie Shaw a resgatou e gravou uma versão bem parecida, em 1988.

116) “Piccadilly Palare” — Em uma entrevista em 1989, Morrissey admitiu, entre risadinhas, ter ouvido pela primeira vez o termo palare “na boca de prostitutos”. Trata-se de um palavreado bem específico, usado no bas-fond londrino desde os anos 1950, popular nos bastidores teatrais e… entre prostitutos. (O refrão avisa: “É só uma gíria tola / Entre os rapazes da minha gangue e eu”.) A música de acompanhamento é alegre (ops) e saltitante, contrariando o tom meio sombrio da letra. O produtor Clive Langer admitiu que buscava uma sonoridade similar à do Madness — e por isso convidou o vocalista Suggs para fazer os backings.

115) “The Public Image” — Simples mas bonita criação de Boz Boorer. Os vocais soam convincentemente emocionados ao passear por versos melodramáticos como “But just be careful when you walk / On those old broken stones / Because they are my feelings”. Não precisava durar 5:10, mas tudo bem.

114) “Papa Jack” — Composição de Alain Whyte prejudicada por um arranjo um tanto esquizofrênico, que não faz justiça à melodia doce e à letra melancólica. Começa acústica e delicada e acaba em um pastiche pseudo-psicodélico. Deveria ter seguido acústica até o fim…

113)“The Bullfighter Dies” — A defesa dos direitos dos animais sempre foi assunto seriíssimo para Morrissey. Mas não neste single de 2012, que abusa do humor negro para celebrar a vitória de um touro sobre um matador. À parte o refrão simpático, é 100% inconsequente, tanto de letra quanto de música.

112) “The Never Played Symphonies” — Graciosa sobra de estúdio de You Are the Quarry, na qual Morrissey compara os sexualmente frustrados (“The never-laid”) a “sinfonias que nunca foram executadas”. Trivia: a mãe de Alain Whyte a considera a mais bonita das canções compostas pelo filho.

111) “Neal Cassady Drops Dead” — Uma das mais intrigantes de World Peace… A letra é puro nonsense mas traz uma tentativa (involuntária?) de rap, emoldurada por uma batida pesada e guitarras distorcidas. Seria ainda mais interessante se durasse um minuto menos.

110) “Nobody Loves Us” — Praticamente uma prévia de “Alma Matters”, também co-escrita com Alain Whyte e lançada com dois anos de antecedência. Refrão bem decente, assim como a performance vocal.

109) “Good Looking Man About Town” — Experimento bacana de Whyte, que cola uma instrumentação com influência árabe a uma acelerada levada funky.

108) “Never Again Will I Be A Twin” — Tem um certo groove pós-punk, diferenciado da sonoridade tradicional da carreira solo do cantor. Apesar de um verso genial (“The operation went well, but the patient died”), a letra não diz coisa com coisa.

107) “The Secret of Music” — I Am Not a Dog on a Chain é um disco repleto de momentos inexplicáveis, mas este aqui leva a taça. Esticada por quase 8 minutos, a faixa junta um arranjo atmosférico-atonal, um sample de Olivia Newton-John, um vocal estranhamente agudo e uma letra (ao que parece) improvisada. O estranho é que acaba dando certo. Poderia funcionar como trilha sonora de Twin Peaks.

106) “A Swallow on My Neck” — Ligeirinho lado-B lançado em 1995. O arranjo, que entrelaça violões e guitarra, e a melodia vocal se combinam em um agradável clima smithiano.

105) “Munich Air Disaster 1958” — Tributo às vítimas do desastre aéreo que matou, em 1958, oito jogadores do Manchester United (time do coração do cantor). Na letra, Morrissey diz desejar “ter caído com eles” (ainda que o acidente tenha ocorrido 15 meses antes de ele nascer!). A interpretação e o arranjo dramático equilibram bem pathos e sinceridade.

104) “Mama Lay Softly on the Riverbed” — A sinistra história de um filho a prantear o suicídio da mãe (após ser perseguida por “porcos em fardas cinzentas” e “homens com dinheiro”). A levada marcial confere uma urgência angustiante à narrativa.

103) “Days Of Decision” — Uma das melhores versões de California Son. Pouco é adicionado à gravação original (de Phil Ochs). Basta um vocal emocionado, valorizando a simples e bela melodia, e dá tudo certo.

102) “You Were Good in Your Time” — Morrissey se despede de alguém que foi importante no passado, mas hoje se encontra frágil, às portas da morte. Ou, em uma interpretação alternativa, o moribundo poderia ser o próprio Mozz, e o narrador, um de seus fãs. Há emoção verdadeira na narrativa, que começa melancólica e se torna fúnebre; a melodia é interrompida bruscamente, substituída por uma colagem de ruídos e diálogos sampleados (que, segundo o cantor, representam “a passagem para outro mundo”).

101) “Spent the Day in Bed” — Lânguida faixa de trabalho de Low in High School. Ficar o dia todo na cama é a forma que Morrissey encontrou para evitar o notíciário (“que te faz sentir pequeno e solitário”) e os deslocamentos inúteis (“nada de ônibus, nada de chefe, nada de trem, nada de chuva”). O instrumental por baixo tem um groove assertivo, que embala bem a preguiça rabugenta da letra.

100) “You Should Have Been Nice to Me” — A composição de Boz Boorer não é particularmente memorável, mas é redimida por uma interpretação serena e sincera. Ameniza o tom recriminatório da letra, possivelmente dirigido a Jake Walters (“Você deveria ter sido legal comigo / Não te custaria um centavo”). Gravada em 1995, foi descartada do repertório de Southpaw Grammar (corretamente: não tem nada a ver com o resto do álbum) e só saiu em 2009.

99) “I Like You” — Poderia ficar perdida na meiúca de You Are the Quarry. Sobressai pela batida dançante e pela convicção nos vocais, especialmente na seção final (“Because you’re not right in the head…”).

98) “This Song Doesn’t End When It’s Over” — Aqui a voz soa cansada, mas a composição de Boz Boorer é rica, alternando tons maiores e menores para causar um efeito impactante.

97) “It’s Not Your Birthday Anymore” — Em meio aos rocks agressivos e irônicos de Years of Refusal, esta composição de Whyte oferecia a chance para o cantor se esparramar. Performance vocal poderosa.

96) “Israel” — Prima-irmã de “In Your Lap”, do mesmo disco: ambas compostas por Gustavo Manzur, ambas se voltam para o Oriente Médio (na letra), ambas são baseadas em piano. Esta tem um arranjo mais ambicioso, com rufadas marciais e sinistros drones subsônicos.

95) “Oboe Concerto” — Confere um tom sombrio para o encerramento de World Peace Is None of Your Business. Lenta e levemente ameaçadora, tem um clima similar ao do clássico “Death of a Disco Dancer”. A atmosfera surreal é alimentada pelo arranjo cheio de ruidinhos e dissonâncias; lá pelo meio, surge um solo de clarineta (nada de oboé), soprada pelo co-autor Boz.

94) “Interesting Drug” — Lançada no auge da febre neopsicodélica britânica gerada pelo ecstasy, esta composição de Stephen Street se refere a outros tipos de drogas. A letra aborda o drama de pessoas pobres que recorrem a narcóticos para escapar de seus problemas cotidianos. Combinada à música — alegre, esfuziante até –, a narrativa parece um pouco deslocada.

93) “I Don’t Mind If You Forget Me” — A ideia de Stephen Street aqui era cruzar Buzzcocks com Motown (metendo ainda um deslocado solo de guitarra atravessando os últimos versos). A letra parecia uma óbvia cartinha para Johnny Marr (“The pressure to change, to move on / Was strange and very strong / So this is why I tell you / I really do understand / BYE BYE”), entre a resignação e o despeito.

92) “There’s a Place in Hell for Me and My Friends” — Reservada para fechar Kill Uncle, esta sombria e minimal balada destoa do clima alegrinho do álbum. No mais recente relançamento, a versão original foi substituída por um arranjo novo, com a banda completa e passo mais acelerado. Prefira a original.

91) “Teenage Dad on His Estate” — Balada glam com uma letra nada glamourosa, sobre um rapaz de família pobre obrigado a casar ainda na adolescência. Não tem problema, pois o protagonista “está feliz com seu bebê e sua casa modesta”. Pelo menos até chegar a estrofe final, quando o segredo da felicidade é revelado (“The grin on the face of the boy with the methadone”).

90) “You Must Please Remember” — Bem típica dos primeiros anos de Alain Whyte como parceiro. A melodia demora a engrenar, mas na seção final (“Oh… Remember, remember”) evolui para uma sequência de acordes ascendentes, um momento realmente difícil de esquecer.

89) “I’ve Changed My Plea to Guilty” — Para o autor da Mozipedia, esta é a melhor colaboração entre o ex-Smith e Mark Nevin. Simples mas emocionada peça conduzida ao piano, com pelo menos uma estrofe brilhante: “Outside there is a pain / Emotional air raids exhausted my heart / And it’s safer to be inside”.

88) “Sweetie-Pie” — Gravada como uma delicada balada em compasso de valsa, foi remixada por Morrissey (à revelia do co-autor, Michael Farrell) e transformada em um experimento fantasmagórico — juntando synths atonais, microfonias e a voz da cantora Kristeen Young. É a versão que foi lançada na coletânea Swords; a original, bem mais comportada, pode ser ouvida aqui.

87) “My Love Life” — Une uma melodia bonita, uma interpretação convincente, uma harmonia sutilmente detalhada e backing vocals de Chrissie Hynde. Entretanto, o resultado final é menor que a soma das partes: a canção se perde entre outras tantas semelhantes da fase inicial. Lançada em single, patinou nas paradas em 1991, o que sem dúvida contribuiu para assar a batata de seu compositor, Mark Nevin.

86) “Will Never Marry” — Em tom suave, quase desencantado, Mozz reafirma sua vocação para a solidão ao recusar um pedido de casamento. Stephen Street abriu a caixa de ferramentas e preparou um arranjo com violas, violinos, guitarras rascantes e efeitos sonoros dissonantes (incluindo a voz de sua própria esposa, gemendo “Steven” durante a coda instrumental). Vini Reilly também aparece, embora sua participação tenha sido editada da versão incluída em Bona Drag; para ouvi-lo, é preciso recorrer ao single de “Everyday Is Like Sunday”.

85) “People Are the Same Everywhere” — Rockão que nunca mereceu versão de estúdio; uma gravação ao vivo está no lado-B de “The Last of the Famous International Playboys”. Datada de 2011, conta com uma melodia forte e uma banda empolgada. Caberia tranquilamente no lugar de uma meia-dúzia de faixas de World Peace

84) “Noise Is the Best Revenge” — Lado-B de 2005 que merecia uma exposição maior. As guitarras e a harmonia desenhada por Boz remetem à velha fixação glam; o vocal soa cansado, mas rascante (a gravação é de uma sessão da BBC, ao vivo no estúdio).

83) “Pashernate Love” — Uma das primeiras parcerias Morrissey/Whyte, composta em 1991. Já prenunciava o som mais potente de Your Arsenal. Um dos melhores lados-B daquela fase de transição. (Aliás: “pashernate” = “passionate”.)

82) “I’ll Never Be Anybody’s Hero Now” — Aqui o melodrama chega a transbordar, e Morrissey aproveita para surfar na onda, sem medo de soar brega. A performance exagerada joga uma sombra de ironia sobre os versos lamentosos (“I am a ghost and as far as I know I haven’t even died”).

81) “I’d Love To” — Climática balada de 1994 que recupera um pouco dos momentos mais sutis dos Smiths. As guitarras de Boz assumem um timbre bem similar às de “Please Please Please Let me Get What I Want”, ainda que o resultado final seja bem mais encorpado. A coda instrumental é bem bonita.

80) “Come Back to Camden” — Emocionada/emocionante balada na qual o cantor relembra o bairro londrino no qual viveu nos anos 1990. A música de Boz Boorer emprega clichês harmônicos manjados, mas que sustentam bem a melodramática interpretação vocal e a letra nostálgica.

79) “At Last I Am Born” — Um dos momentos mais barrocos de Ringleader of the Tormentors (ou mesmo de toda a carreira solo do artista). Guardada para o encerramento do álbum, combina um coro infantil, guitarras à la Morricone e percussão tonitruante. O “nascimento” aludido na letra aborda a superação do mais longo celibato (“I once was a mess of guilt because of the flesh”) da história da música pop.

78) “Best Friend on the Payroll” — Um refrão de melodia bem familiar levanta esta faixa de 1995, cuja letra (dizem) se refere ao fotógrafo Jake Walters, personagem do círculo mais íntimo de Morrissey na década de 1990.

77) “Mexico” — “Gostaria de ter nascido mexicano, mas é tarde demais pra isso agora”, disse o cantor em 1999. O engajamento entre Mozz e sua enorme fanbase latino-americana é notório, e ele retribuiu a devoção gravando esta balada em 2004. A delicada melodia é envenenada por versos que questionam a ingerência dos EUA sobre o país vizinho.

76) “Have a Go-Merchant” — Um bom riff de Alain Whyte, casado a uma melodia vocal bem grudenta, justifica a presença constante deste lado-B em várias coletâneas.

75) “The Edges Are No Longer Parallel” — Caprichada composição de Alain Whyte, relegada ao status de lado-B. Enquanto o cantor se descabela (“My only mistake is I’m hoping”), o arranjo se ergue num crescendo com guitarras em wah-wah e uma bateria descabelada. Poderia ter entrado no repertório de Maladjusted.

74) “Lifeguard Sleeping, Girl Drowning” — Não se deixe enganar pela delicadeza da música. Como anunciado no título, é a história de uma garota que “nadou muito longe contra a correnteza e merece tudo que vai lhe acontecer”. É a faixa mais plácida e, ao mesmo tempo, a mais perturbadora de Vauxhall and I. Relatos da época indicam que o cantor suou no estúdio para atingir o tom agudo e sussurrante na gravação.

73) “America Is Not the World” — Morrissey resume aqui sua relação de amor & ódio com os EUA, alternando ironia e sinceridade ao abordar o imperialismo ianque e o conservadorismo local. É uma das canções mais aberta e diretamente políticas desta lista. Pode ser considerada a versão transatlântica de “Irish Blood, English Heart”, do mesmo álbum. Escrito antes da eleição de Barack Obama, o verso “onde o presidente nunca é negro, mulher ou gay” caducou.

72) “I’m Not a Man” — Essa é para quem gosta de ver significado oculto em tudo: o cantor dedica uma das faixas mais longas de sua discografia para (re?)afirmar que “não é um homem”. A letra desfia um rosário de comportamentos tipicamente machistas (incluindo, claro, comer carne). Negar a masculinidade, então, é motivo de orgulho. Justifica-se assim o caráter quase épico do arranjo e a emoção no vocal.

71) “Action is My Middle Name” — Quase-balada na qual Morrissey, bem saidinho, afirma que “não tem mais tempo a perder” e oferece a seu interlocutor “horas de diversão”. Na única versão lançada oficialmente, gravada ao vivo em uma sessão da BBC, a voz parece um pouco vacilante.

70) “Home Is a Question Mark” — Acima da média do repertório de Low in High School. Talvez por ter sido resgatada de uma parceria anterior (com Alain Whyte) e retrabalhada, anos depois, junto ao baixista Mando Lopez. A interpretação é dramática — o cantor encerra a faixa com um agônico berro de “MYSEEEEEEEEELF “–, maquiando a ironia e a carga sexual da letra.

69) “All You Need Is Me” — Os versos iniciais descrevem o relacionamento que muitos fãs mantêm com o cantor: “You hiss and groan / And you constantly moan / But you don’t ever go away”. No resto da letra, Morrissey se apresenta como “a voz suave cantando na sua cabeça” e “o homem pelado nos seus sonhos”, antes de assegurar, em tom de quase ameaça, que ele é tudo de que precisamos. Como trilha sonora, um rock com guitarras proeminentes e baixo distorcido.

68) “Now I Am a Was” — Inexplicavelmente, esta assobiável canção co-escrita por Spencer Cobrin foi vetada do repertório final de Maladjusted. A edição expandida de 2009 conserta a injustiça. A letra cita, de forma marota, a famosa frase de Orson Welles sobre sua carreira em Hollywood (“Eu comecei no topo e me esforcei para chegar ao fundo do poço”).

67) “Rebels Without Applause” — Surpreendente aperitivo do álbum cancelado Bonfire of Teenagers. Lançado em streaming em novembro de 2022, é o single mais pop e travesso que o cantor cometeu em muitos anos. O incrível é a presença de Chad Smith e Josh Klingoffer (sim, aqueles do Red Hot Chilli Peppers!), suprindo respectivamente bateria e guitarra em um groove jingle-jangle não muito dessemelhante aos momentos mais alegrinhos dos Smiths.

66) “Hairdresser on Fire” — Um dos melhores lados-B da fase inicial, deveria ter sido incluída em Viva Hate (a gravadora insistiu, sem sucesso). O refrão é memorável.

65) “I Know Very Well How I Got My Name” — Delicada, condoída e curtinha, esta faixa de 1988 estava no lado-B do primeiro single solo do homem. A guitarra em primeiro plano é tocada por Vini Reilly. Os versos “You think you were my first love but you’re wrong / You were the only one who’s come and gone” podem — ou não — ter sido dirigidos a Marr…

64) “Ambitious Outsiders” — Teatral momento de Maladjusted, no qual um sombrio arranjo de cordas sintéticas faz a cama para uma letra ainda mais sombria — e enigmática. Pode ser uma narrativa em primeira pessoa sobre um assassino de crianças (não seria a primeira vez que o cantor aborda o tema). Ou, extrapolando para um contexto mais político, os “forasteiros ambiciosos” que “se aproximam a cada dia” seriam… imigrantes?

63) “I Bury the Living” — A mais longa e intrigante faixa de Low in High School compartilha o título com um filme de terror dos anos 1950. A letra não remete ao longa: é uma condenação da guerra e do militarismo em geral. De modo expressionista, a canção alterna climas desolados e assustadores. Lá pela marca dos 5 minutos, tudo muda de figura. Instrumentação e melodia se tornam delicadas e o vocalista, em falsete, incorpora a mãe de um soldado morto em combate. Um bravo experimento.

62) “Roy’s Keen” — A popular música da rosquinha (“Rosquinha, roooos-quuuuinha…”)! Muito criticada pelos fãs mais ortodoxos pelo título infame, um trocadilho com Roy Keane, ex-jogador do Manchester United. Ao menos tem um refrão decente, apesar da letra ridícula (“We’ve never seen a keener / Window-cleaner”). A edição revisada de Malajdusted excluiu a faixa.

61) “You Know I Couldn’t Last” — Um hipertrofiado melodrama glam, bem adequado para o fechamento de You Are the Quarry. Em uma corrosiva crítica à indústria musical, Mozz detona fãs, críticos, gravadoras, modismos e até “as sanguessugas do Norte”, possível referência a algum falso amigo de Manchester — provavelmente Mike Joyce. “Seus royalties trazem luxo / E também a miséria mental”, canta ele no fechamento, num afetadíssimo falsete.

60) “Break Up the Family” — Estranhamente positiva, ainda mais no contexto da então recente dissolução dos Smiths. O homem se diz apaixonado pela primeira vez — e não se sente mal com isso! É até possível entrever um certo otimismo, quando ele se diz feliz em “envelhecer e abandonar aqueles anos sombrios”. A produção econômica e “moderna” (para 1988) destoava bastante de tudo que o cantor havia lançado até então.

59) “I Will See You in Far-Off Places” — Ringleader of the Tormentors é um disco no qual Morrissey se mostra particularmente angustiado com a morte. A faixa de abertura traz a letra mais politizada do repertório, mas a obsessão com a finitude permanece. A harmonia de inconfundível sabor árabe inspirou o cantor a falar sobre as invasões ianques no Oriente Médio (“Se seu Deus te proteger / E se os EUA não te bombardearem” / Acredito que vou te ver”), escoltado por um arranjo adequadamente ribombante.

58) “I Am Hated for Loving” — Número semiacústico de Vauxhall and I. Gravada a princípio em uma versão mais pesada, foi retrabalhada e virou a canção mais leve do álbum. O vocal resignado ameniza o chororô dos versos, um tanto clichêzenta.

57) “World Peace Is None of Your Business” — Disfarçada de balada pop sessentista, esta canção traz uma nada sutil mensagem “anti-sistema”, dirigida aos “pobres tolos” a quem só resta trabalhar, pagar impostos e se calar. Sobra até para nós, brazucas (“Each time you vote /
You support the process / Brazil and Bahrain / Egypt, Ukraine / So many people in pain”). O som é potente e elaborado, e bem mais interessante que a letra.

56) “Alma Matters” — O hit de Maladjusted é uma das canções favoritas do próprio Morrissey. Agradável e cativante, mas não perfeita: a letra é inconsequente (apesar de uma boa declaração de independência: “It’s my life to wreck my own way”), e sua duração parece artificialmente inflada com repetições do refrão. Uma boa ideia esticada demais.

55) “Used to Be a Sweet Boy” — Morrissey tenta entender o que deu errado em sua vida. Ele era um garotinho tão doce, e então… A culpa só pode ser da criação, né? Mais uma vez, o tema pesado ganha tratamento musical leve. Alain Whyte compôs uma valsinha adornada por ruídos atmosféricos, elevando o tom lamentoso da letra.

54) “Ouija Board, Ouija Board” — Massacrada pela crítica britânica ao ser lançada como single em 1989, merece uma revisão. O arranjo barroco é bem elaborado, cheio de detalhes. Os vocais são excelentes, incluindo backings “fantasmagóricos” em um tom alto. Mas os jornalistas aparentemente não conseguiram superar a excentricidade da letra, que narra uma tentativa de se comunicar com uma amiga falecida usando a tal tábua Ouija do título. O relativo fracasso comercial do compacto levou o cantor a repensar o formato de seu segundo álbum, Bona Drag — planejado para ter canções inéditas, acabou virando uma coletânea de singles e B-sides.

53) “Spring-Heeled Jim” — Em contraste com a leveza reinante em Vauxhall and I, aqui o clima pesava um pouco. A história de um conquistador inveterado, que vive a vida em alta velocidade, é ilustrada com samples de um documentário sobre jovens dos subúrbios de Londres, nos anos 1950.

52) “Our Frank” — No saco de gatos que é Kill Uncle, cujo repertório foi abandonado até pelo próprio Mozz, esta é a pérola redentora. “Frank” não é um nome, e sim um adjetivo (“franco”), referindo-se às conversas abertas, mas deprimentes, que ele mantém com alguém. Mas o tom é farsesco, em vez de trágico. O arranjo, marcado por um piano insistente (marca registrada dos produtores Clive Langer e Alan Winstanley), ressalta a comicidade.

51) “I Have Forgiven Jesus” — Em um acerto de contas tardio com o Filho do Homem, o cantor se diz abandonado, depois de ter sido “um bom menino”. Ele culpa Jesus por ter nascido “com tanto amor para dar, em um mundo sem amor”. Há, como sempre, um traço de sarcasmo tragicômico na aparente blasfêmia. Se resta dúvida, basta ver o vídeo, no qual Mozz chora suas pitangas… vestido de padre. Não por coincidência, foi lançada na Inglaterra como single na semana do Natal de 2004.

50) “Billy Budd” — A mais animada e curta faixa de Vauxhall and I mostra uma adaptação do som cru do disco anterior ao estilo polido do produtor Steve Lillywhite. O personagem-título foi batizado a partir de um romance de Herman Melville — ou, mais provavelmente, do filme homônimo, protagonizado por Terence Stamp, um dos crushes cinematográficos do cantor.

49) “Dagenham Dave” — O personagem-título poderia ser o de “The Boy Racer”, do mesmo álbum. Dave vive com a cabeça nas nuvens, e todos — todas, na verdade — o amam. Ainda assim, na conclusão da historinha, ele parece tentado a dar uns pegas em alguma parte não explicitada da anatomia morrisseyniana (“He’d love to touch / He’s afraid that he might self-combust / I could say more / But you get the general idea”). Pop, mas adequadamente pesada, como convinha ao primeiro single extraído de Southpaw Grammar.

48) “I’m Throwing My Arms Around Paris” — Depois de viajar pelo mundo tentando esquecer mais um desastre amoroso, Mozz abraça Paris, já que “apenas as pedras e o aço aceitam meus ossos”. O drama se resume à letra, encaixada em uma melodia bastante assobiável. Lançada como single em 2009, permanece (até 2023) como a última canção do cantor a atingir o Top 40 da parada inglesa.

47) “Sister I’m A Poet” — Stephen Street corta um dobrado para imitar Johnny Marr e Andy Rourke ao mesmo tempo… e, afinal, consegue! É uma de suas melhores colaborações com o cantor, retendo clara inspiração nos Smiths, mas com vibração própria. Rearranjada por Alain Whyte e Boz Boorer, transforma-se ao vivo num rockabilly rascante.

46) “Let Me Kiss You” — Escrita como presente (?!) para Nancy Sinatra (!), é uma balada de versos especialmente cruéis e autodepreciativos [“Close your eyes / And think of someone / You physically admire (…) But then you open your eyes / And you see someone / That you physically despise”). Só que, assim como o vocal, o arranjo é leve, conduzido por um belo dedilhado de guitarra criado por Alain Whyte. As versões ao vivo são mais pesadas; Morrissey aproveita para encarnar o feioso protagonista, de forma teatral.

45) “Jack The Ripper” — Primeira parceria escrita com Boz Boorer. A figura de Jack, o Estripador, serve como metáfora (mais ou menos explícita) para mais um sedutor impiedoso, personagem recorrente na galeria morrisseyniana. A versão ao vivo, registrada em Beethoven Was Deaf, é muito superior ao take de estúdio, lançado no single de “Certain People I Know”.

44) “To Me You Are a Work of Art” — Um grande refrão nesta composição (padrão, porém caprichada) de Alain Whyte — o acorde menor bem colocado sempre emociona. Guitarras e cordas orquestrais se combinam para criar um clima grandioso.

43) “Wide to Receive” — Prima-irmã de “Trouble Loves Me”, do mesmo álbum. Mais lânguido que nunca, Morrissey se declara “aberto para receber quase qualquer coisa” de seu interlocutor, hmmm… A letra não é lá muito profunda, mas traz ao menos um achado confessional (“And I don’t get along with myself / And I’m not too keen on anyone else”).

42) “Margaret on the Guillotine” — Das muitas letras politizadas desta lista, esta é decerto a mais direta. A Margaret do título é ela, a Thatcher. (O título remonta à época dos Smiths e chegou a ser cogitado para o álbum que afinal se chamaria The Queen Is Dead.) O approach “tema pesado X música leve”, uma das marcas registradas do cantor, chega a um paroxismo nesta faixa de Viva Hate. Entre dedilhados delicados e sintetizadores etéreos, Morrissey sonha ver a primeira-ministra guilhotinada e pergunta várias vezes: “Quando você vai morrer?” Vini Reilly brilha em um solo de violão abruptamente interrompido… pelo ruído da lâmina fatal descendo.

41) “That’s How People Grow Up” — Um lamento tragicômico sobre como o desapontamento amoroso contribui (na marra) para o amadurecimento. No fim, conclui: sim, há coisas piores do que nunca ter sido amado… como, por exemplo, quebrar a coluna num acidente de carro. Morrissey viu a oportunidade de criar mais um excelente refrão e não desperdiçou.

40) “The Teachers Are Afraid of the Pupils” — A temática é familiar: opressão e ameaças de violência na sala de aula, desta vez do ponto de vista do professor. O som, contudo, é completamente novo. Faixa de abertura de Southpaw Grammar, estende-se por longos 11 minutos, boa parte dos quais são apenas instrumentais. Sobre o verso-chave (“To be finished would be a relief”), Morrissey já disse que pode tanto se referir ao professor da letra, quanto a ele mesmo, que então ansiava se livrar das pressões da carreira musical. Um sample de música erudita (tirado da “Sinfonia n° 5 em Ré Menor”, de Shostakovich) dá um caráter lúgubre ao arranjo. Era a síntese da estranheza do álbum, e impressiona até hoje.

39) “Alsatian Cousin” — A mais pesada e surpreendente canção do disco de estreia, escolhida como faixa de abertura para causar máximo impacto. As guitarras são altas e distorcidas; a linha de baixo agressiva foi inspirada, segundo Stephen Street, em “White Lines”, do Grandmaster Flash. A barulheira guitarrística, pasmem, foi fornecida por Vini Reilly, que chegou a disputar com Street o crédito pela composição. Morrissey inquire logo no primeiro verso: “Você e ele eram amantes?” E não fica claro o gênero do/da primo/prima alsaciano/a a quem o cantor se dirige.

38) “Maladjusted” — Um riff circular e um vocal quase falado sublinham o tom de ameaça na faixa-título do sexto álbum. O desajuste crônico em relação ao resto da humanidade é uma temática antiga, mas poucas vezes soou tão urgente como aqui. E no entanto a narração é feita por uma garota “desencaminhada” aos 15 anos — o que mais ela poderia fazer? Abertura impressionante para um disco irregular.

37) “Tomorrow” — Rockão de inspiração glam que fechava Your Arsenal. Não por coincidência, vinha na sequência de “I Know It’s Gonna Happen” e trocava o tom esperançoso da anterior por um sentimento dúbio em relação ao futuro. A letra sintetiza o drama de uma paixão incubada: Morrissey implora para que o ser amado retribua (“Não vou contar a ninguém”) e sofre pela chegada do amanhã — que inevitavelmente vai desfazer o sonho da noite anterior.

36) “Southpaw” — A quase-faixa-título do álbum de 1995 é um dos pontos altos daquela safra — na qual a banda assumiu o protagonismo, deixando o cantor em segundo plano em diversas canções. Boa parte da duração (10 minutos) é ocupada por um longo e denso interlúdio guitarrístico, que dá caráter épico ao drama comezinho da letra (“There is something that you should know / The girl of your dreams / Is here all alone”).

35) “Wedding Bell Blues” — Brejeira versão do sucesso de Laura Nyro, original de 1967. Note que a letra, feita para ser cantada por uma mulher, não passa por adaptações. Apesar de substituir a naturalidade da interpretação de Nyro por um vocal meio canastrão, o resultado é adorável. Os backing vocals são fornecidos por Billie Joe Armstrong.

34) “You Have Killed Me” — Na sequência das aventuras vividas pelas ruas de Roma em “Dear God Please Help Me”, Morrissey se diz metaforicamente “assassinado” por um amor que o abandonou. Já os versos “I entered nothing / And nothing entered me / Till you came with the key” podem ser metafóricos, ou não… Em excelente forma vocal, o homem estava aqui no auge de sua fixação com a capital italiana, polvilhando a letra com referências culturais (Visconti, Pasolini, Anna Magnani).

33) “Seasick, Yet Still Docked” — Simples e encantadora melodia, que ganhou um arranjo acústico bem semelhante aos tramados por Johnny Marr. A sonoridade é tão hipnótica, que nem se percebe a letra cheia de lamúrias genéricas (“Sou uma pobre alma, ninguém nunca me deu coisa alguma na vida etc.”). Os ouvintes atentos perceberão a antecipação da intro de “I Know It’s Gonna Happen” no fim.

32) “You’re Gonna Need Someone on Your Side” — Mark Nevin compôs esta mas não chegou a grava-la. Para Your Arsenal, Morrissey já havia descartado o antigo parceiro e reunido sua nova banda de rockabillies: Alain, Boz, Gary e Spencer. A guinada fifties se concretiza nesta canção, reservada para a abertura do álbum. Sob um riff descendente, ameaçador — mais para Cramps do que para Carl Perkins — Mozz oferece um ombro amigo. Mas o interlocutor não “parece muito animado” com a ideia. Ainda assim, era o início de uma nova era para o cantor.

31) “You’re the One for Me, Fatty” — E por falar em nova era… até 1992, Morrissey nunca tinha arriscado um título tão “fofo” para uma canção. A melodia que acompanhava a declaração de amor a um gorducho era tão saltitante e jovial quanto. No acompanhamento, a banda nova não deixava a coisa desandar para a galhofa.

30) “Suedehead” — Primeiro hit da carreira solo… e, no Brasil, o único. É razoável que, para muita gente, seja a perfeita somatória e única referência da trajetória do homem. Obviamente aparentada ao som dos Smiths, trazia no refrão (“I’m so sorry”) um possível pedido de desculpas pelo fim repentino da banda, apenas alguns meses antes. O curioso é que o cantor não queria lança-la como single, e só consentiu ao ver-se “carregado pelo entusiasmo alheio” pela canção. Como recompensa, chegou ao 5º lugar na parada britânica, mais alto que qualquer compacto do grupo.

29) “Trouble Loves Me” — Baladão sentimental de Maladjusted, que poderia tanto estar no repertório setentista de Bowie quanto em algum musical da Broadway. Versos cheios de autopiedade impecável (“Show me a barrel and watch me scrape it”, “Oh please fullfill me, otherwise kill me”) se sucedem, em um crescendo bem arquitetado por Alain Whyte.

28) “Certain People I Know” — Simpática mistura de rockabilly e glam composta por Alain Whyte para Your Arsenal. As “certas pessoas”, a quem Morrissey alude de forma muito sarcástica, eram os membros de sua entourage íntima. Já foi debatida a semelhança da sequência de acordes com a de “Ride a White Swan”, do T-Rex. Curiosamente, foi lançada como single, apesar de não representar bem o novo som trabalhado no álbum de 1992.

27) “In the Future When All’s Well” — A melodia esfuziante e o vocal enfático não camuflam a temática sombria da letra. Sim, é mais uma das canções de Ringleader a encarar a perspectiva da morte. “O futuro se encerra com um longo, longo sono”, sentencia Morrissey. Como em tantas outras, o contraste entre a música e a poesia dá um caráter ambíguo e intrigante à gravação.

26) “On the Streets I Ran” — Em Ringleader, a mesma aflição que gerou “Life’s a Pigsty” é a materia-prima desta faixa. Mas no lugar do desespero funéreo, aqui o poeta se revolta contra a inevitabilidade da morte, e pede a Deus que leve “qualquer um — o nascituro, o recém-nascido, o enfermo — mas me poupe”. À medida que a histeria aumenta, a banda embarca na onda, na performance mais contundente do álbum.

25) “Dear God Please Help Me” — Esta aqui causou furor em 2006, com sua narrativa de um encontro sexual com um homem. Morrissey confessa ter “barris de explosivo entre as pernas” e cede ao aceno de um sedutor em Roma. Depois, pede ajuda a Deus. Mas aconteceu mesmo? Mais surpreendente que a letra é o conjunto sonoro, que conta com um arranjo sutil de Ennio Morricone e um vocal contido, mas cheio de emoção.

24) “The World Is Full of Crashing Bores” — Patética e hilária em sua trip autodepreciativa, esta faixa de You Are the Quarry explora à perfeição a face tragicômica de Mozz. Em um mundo cheio de pés-no-saco, Morrissey se desespera: devo ser um deles, pois ninguém me toma nos braços… mas não eu sou, juro que não sou! O refrão é acachapante, dos melhores desta lista.

23) “The Operation” — Morrissey deixou a banda soltinha no estúdio durante as gravações de Southpaw Grammar. Deixou tão solta, que deu na introdução desta faixa: um solo de bateria de dois minutos, cortesia de Spencer Cobrin, instruído a imitar Keith Moon. (Ainda bem que a música inteira chega perto dos sete minutos.) A palpável empolgação do quarteto de instrumentistas se equipara à acidez da letra, na qual Morrissey, afetado e cruel, dispara: “Todo mundo aqui tá de saco cheio de você”.

22) “Life Is a Pigsty” — Dos muitos experimentos sonoros das últimas duas décadas, esta faixa de 2006 é um dos mais impressionantes. É um retorno às atmosferas mórbidas de clássicos como “Meat Is Murder” e “Death of Disco Dancer”. Em colaboração com o produtor Tony Visconti, Morrissey transformou uma singela composição de piano de Alain Whyte em um pesadelo dissonante de duas partes. Começa “normal”, quase funky, e degenera para uma melodramática suíte perpassada por trovões e gongos, na qual Mozz se descabela: “Mesmo agora, na hora final de minha vida, estou me apaixonando…”

21) “The National Front Disco” — Canção crucial na longa trajetória de flertes com o nacionalismo extremista inglês, representado aqui na figura do partido National Front. O cantor, óbvio, sabia do potencial explosivo da composição e da provocação embutida nos versos. A letra não glorifica a organização — o ponto de vista é o de uma mãe que lamenta ter “perdido” o filho para as fileiras do NF. No entanto, ao focar no drama humano em vez de condenar explicitamente a ideologia, a canção foi apontada como “prova” da simpatia de Morrissey pelo neofascismo. Nada disso impediu que a faixa, uma das mais vibrantes e imediatas de Your Arsenal, se transformasse em uma das favoritas dos sets ao vivo na década de 1990.

20) “Late Night, Maudlin Street” — Momento mais aventureiro de Viva Hate, assumia ares épicos entre as demais músicas do disco, todas bem mais curtinhas. Morrissey encomendou ao produtor/compositor Stephen Street um arranjo inspirado em Joni Mitchell, fluido o suficiente para suportar a longa narrativa e os meandros da melodia vocal. O tom aqui é autobiográfico, relembrando/recriando desventuras passadas em 1972: um amor à primeira vista, inseguranças adolescentes, pílulas estranhas. Na reedição de 2012 do álbum, a música teve a introdução e o fadeout abreviados.

19) “The Lazy Sunbathers” — Entre a inveja e o desdém, esta canção apresenta os “preguiçosos que se banham ao sol”, i.e., os ricos. Eles são incapazes de se importar com o aquecimento global, a queda de religiões, crianças bombardeadas — com o fim do mundo, em resumo. Um raro momento de crítica social em Vauxhall and I, no qual a ironia aguda da letra é potencializada pela leveza do arranjo.

18) “Why Don’t You Find Out for Yourself” — Aqui, Morrissey dirige-se a um talento iniciante na carreira musical, oferecendo, ou tentando oferecer, conselhos: o interlocutor nunca lhe dá ouvidos, então por que não deixa-lo descobrir por conta própria? Tema recorrente para o cantor desde a fase dos Smiths, as traições nos bastidores da indústria rendem aqui uma pérola agridoce. Gravada como um rockão, foi transformada pelo produtor Steve Lillywhite em uma suave toada acústica, combinando com a serenidade dos vocais.

17) “The Boy Racer” — Tem um lugar especial no meu coração, por ter sido a música que abriu o primeiro show que vi do homem. Faixa mais assertiva de Southpaw Grammar, o disco mais assertivo de sua carreira solo. Derrapando sobre a fronteira do hard rock, a canção apresenta o “rapaz corredor” do título, um cara que, além de ser gente boa, endinheirado e cheio de garotas, ainda é (ou se considera) bem-dotado: “He thinks he’s got the whole world in his hands / Stood at the urinal”.

16) “Whatever Happens, I Love You” — Um dos grandes b-sides desta lista. A banda provê um galope bombástico, adornado com dissonantes solos de clarinete. Morrissey rebate com um canto sereno, lamentando mais um amor perdido. Entretanto, a sequência de “yes, yes, yes, oooooh yes” ao fim sugere que ainda há alguma possibilidade carnal no affair… A dinâmica entre o arranjo e a interpretação vocal sintetiza o desequilíbrio emocional sugerido pela letra.

15) “Glamorous Glue” — Em seu melhor modelito recriminatório, Mozz gira a metralhadora (“Everyone lies”) e, seis anos antes de se mudar para a América, dava a letra: “Olhamos para Los Angeles / Para o idioma que usamos / Londres está morta”. Uma das mais potentes faixas de Your Arsenal, canaliza Bowie (“The Jean Genie”) e Bolan (“The Slider”). GLAMourosa, sacou? E tem Smiths, claro: Alain Whyte confessou ter chupado um pouco de “Shoplifters of the World, Unite” para compor as frases de guitarra.

14) “Everyday Is Like Sunday” — Melhor momento do disco de estreia solo, é um só tempo melancólica e luminosa, frágil e contundente. Esquecido em uma cidadezinha no litoral inglês, o cantor anseia por um cataclisma nuclear que oblitere sua vidinha tediosa. Na busca por uma sonoridade que o distinguisse dos Smiths, o cantor permitiu que Stephen Street e Vini Reilly criassem um arranjo climático, com cordas sintetizadas e muito reverb. A conjunção de tristeza confessional + sonoridade grandiosa soava única e inédita, e ajudou a tornar a canção uma das mais populares desta lista (é, com boa vantagem, a música que Mozz mais cantou ao vivo).

13) “We Hate It When Our Friends Become Successful” — Single que apresentou Your Arsenal, inaugurando uma nova fase sonora e poética para o cantor. Morrissey abandonava o rescaldo smithiano de Viva Hate e as filigranas pop de Bona Drag/Kill Uncle e criava um som novo, mais potente e pessoal, escudado por Alain Whyte e Boz Boorer. Na poesia, recuperava um humor vitriólico que andava sumido. A letra se refere à intensa competição entre as bandas de Manchester e foi inspirada pelo (breve) sucesso do grupo James, que chegou a abrir shows dos Smiths no comecinho da carreira.

12) “Irish Blood, English Heart” — Importantíssima na trajetória solo de Mozz por vários motivos. Marcou sua volta em 2004, depois de uma ausência de sete anos. (Chegou ao número 3 da parada de singles na Inglaterra, o posto mais alto atingido pelo cantor com ou sem os Smiths.) Politicamente, deve ser sua letra mais incisiva, sintetizando suas crenças antiestablishment acima de qualquer moda ideológica. Ataca a família real, o sistema político inglês, o patriarca Oliver Cromwell. E, batendo direto naqueles que o chamavam de xenófobo, anseia pelo dia em que saudar a bandeira britânica não será visto algo “vergonhoso, racista ou parcial”. Tudo isso é despachado com uma grande performance vocal, secundada por uma banda muito afiada.

11) “Boxers” — Morrissey criou inúmeras narrativas em suas letras; esta provavelmente é a mais tocante. À primeira vista, não passa de (mais) um exercício sobre uma obsessão pessoal (o cantor passou a ser fã de boxe em meados dos anos 1990). Mas a letra vai além, apresentando de forma muito humana um lutador que fracassa no ringue, diante de sua família e amigos. Whyte embala tudo em um jingle-jangle melodioso que combina à perfeição com a compaixão exibida na historinha. Um dos melhores singles da melhor fase do homem.

10) “First of the Gang to Die” — Crimes e criminosos são assunto para Mozz desde os Smiths. Esse fascínio rendeu, em 2004, um clássico instantâneo feito em parceria com Alain Whyte. A combinação riff + levada + refrão é uma das mais grudentas e contagiantes desta lista. Distrai o ouvinte da pequena tragédia contada na letra, a história de um bandidinho chicano que foi, como antecipa o título, o “primeiro rapaz perdido a ir comer grama pela raiz”. O refrão final é um primor de ironia lamentosa (“And he stole from the rich and the poor / And the not-very-rich / And the very poor / And he stole all hearts away”).

9) “November Spawned a Monster” — Ponto alto da fase inicial e uma das mais impressionantes criações de sua carreira solo. De acordo com o cantor, foi a primeira vez em que deixou de sentir falta da parceria com Marr e se viu “em uma posição melhor” em comparação aos Smiths. Clive Langer, compositor e produtor da faixa, tramou um arranjo alinhado ao padrão “indie dance” em voga em 1990, com baixo, piano e percussão saltitantes. É um choque comparar a música com a letra, que narra as agruras de uma garota tetraplégica, o “monstro” do título. Convocada para “interpretar” a protagonista, a cantora Mary Margaret O’Hara fornece uma sequência de gemidos lá pelo meio — uma passagem ainda hoje inquietante.

8) “Moon River” — Monumental cover do standard de Mancini/Mercer, de longe a melhor das dezenas de regravações desta lista. Sobre a canção, o artista observou que a “plenitude prometida na letra está sempre no futuro, então há esse sentimento que nunca se concretiza”. Para traduzir essa percepção, foi criado um arranjo transcendental, com uma longa seção instrumental encharcada de reverb — ao fim da qual a voz do cantor retorna, espectral, como que vinda do além. A voz feminina sampleada não é de Audrey Hepburn, e sim da atriz britânica Peggy Evans. Óbvio que tudo isso se aplica à versão integral (9:38), encontrável na coletânea World of Morrissey.

7) “The More You Ignore Me, the Closer I Get” — Ápice do “Morrissey fofo” sugerido em Your Arsenal e concretizado em Vauxhall and I. Talvez seja a mais bem-humorada canção de amor escrita por ele, num tom que alterna zombaria, ameaça e, enfim, súplica (“Let me i-iiiiiinnn…”). O riff é inesquecível, a melodia irresistível. Tem importância extra por ser a primeira parceria com Boz Boorer a ser lançada como single (e emplacou o número 8 na parada britânica). Impossível ignorar.

6) “The Last of the Famous International Playboys” — No som e na formação, este single de 1989 foi o mais perto que chegamos de uma reunião dos Smiths. Afinal, o cantor estava uma vez mais acompanhado de metade da formação clássica (Andy Rourke e Mike Joyce), mais o agregado/renegado Craig Gannon. Pena que Stephen Street nunca calçaria os sapatos de Johnny Marr… Tudo bem, é uma canção divertidíssima, digna mesmo dos bons momentos da velha banda. Street tinha concebido um andamento arrastado, inspirado no The Fall (!). Morrissey sugeriu acelerar o passo, dando leveza pop à gravação. A letra é inspirada na história real dos irmãos Kray — um par de irmãos gêmeos que dominou o submundo de Londres nos anos 1950.

5) “We’ll Let You Know” — Os parceiros (musicais) de Morrissey nunca têm certeza do uso que o cantor fará das composições que recebe. Não raro, canções sutis e doces ganham letras dissonantes, como é o caso desta peça de Alain Whyte; sobre uma instrumentação acústica, Morrissey canta de forma suave sobre violência em estádios de futebol. E conclui, de forma inquietante, que os hooligans são “os últimos britânicos de verdade”. O longo interlúdio instrumental antes do fim empresta um efeito assombroso às palavras. Em meio ao rugido das guitarras de Your Arsenal, esta delicada joia falava mais alto.

4) “Hold On to Your Friends” Vauxhall and I é o album mais, aham, positivo da discografia morrisseyniana, dentro ou fora dos Smiths. Muito de sua leveza se deve a esta belíssima composição de Alain Whyte, aproveitada para criar uma ode à amizade. Ainda conta com traços de ironia lamuriosa, mas a mensagem é inequívoca: todo mundo precisa de amigos, até Morrissey. Na instrumentação, Whyte brilha do inicio (com um sutil dedilhado acústico) ao fim (em um solo rascante), passando pelo meio (a harmonia é nada óbvia, serpenteando sob a melodia vocal).

3) “Now My Heart Is Full” — Em uma guinada improvável, testemunhamos aqui mais uma reinvenção. Ficava para trás a misantropia chorosa, entrava em cena o Morrissey de coração cheio, sem medo do sentimentalismo desbragado. Em uma entrevista de 1995, o cantor se referiu a esta música como “a expressão definitiva de minha passagem para a idade adulta, para a maturidade”. Pode-se dizer que contém diversas personas do artista: o sarcástico (“Your Father cracks a joke / And in the usual way empties the room”), o solitário (“Tell all of my friends / I don’t have too many”), o nostálgico (“Dallow, Spicer, Pinkie, Cubitt / Every jammy Stressford poet”). E, por fim, o apaixonado (“I was tired again, I tried again / And now my heart is full”). A música não fica atrás, com Boz caprichando mais que nunca nas texturas e crescendos.

2) “Speedway” — O grande momento de Vauxhall and I destoa do clima leve e ensolarado do resto do álbum. Morrissey guardou todo seu rancor fatalista para o fechamento do disco, destilado num mini-épico de arranjo expressionista. A letra é um lamento contra um ex-amigo/ex-amante que agora deseja ver o cantor sob sete palmos. Mas Mozz é quem ri por último, ao revelar que “todas aquelas mentiras” ditas sobre ele… bem, não eram mentiras. Não tem problema, garante: do jeitinho dele, sempre foi fiel. Por mais glorioso que seja o refrão, a conclusão da música o supera, com uma turbulência que antecipava a agressividade de Southpaw Grammar.

1) “I Know It’s Gonna Happen Someday” — Mesmo após o fiasco crítico de Kill Uncle, o guitarrista Mark E. Nevin achou que continuaria a ser o parceiro preferencial de Morrissey. Entretanto, só duas de suas composições foram aproveitadas no álbum seguinte, Your Arsenal. A “vingança” de Nevin: uma delas era esta, a mais bela canção que o cantor gravou depois do fim dos Smiths. Melodramática como boa parte da obra solo, ainda assim carrega um inegável sentimento de esperança. O solitário crônico assume um inédito tom pessoal e confortador, ao pedir a alguém (ou a si mesmo?) que espere, tenha fé, um dia o amor vai chegar… Era uma abordagem nova para o cantor, já prenunciando o romantismo agridoce de Vauxhall and I. A poesia intimista e simples contrasta com a dramaticidade do som. Traz um arranjo e melodia particularmente pungentes, adornados por fantasmagóricos samples e uma citação quase explícita a “Rock’n’roll Suicide”… de David Bowie, que regravou a própria “I Know It’s Gonna Happen Someday” em 1993. Se o Bowie, que era O BOWIE, considerava esta música a melhor do Morrissey, quem sou eu pra discordar?

A tradicional playlist chega bem desfalcada. A principal plataforma de streaming não conta com o álbum World Peace Is None of Your Business. Diversos b-sides e gravações raras incluídas em coletâneas também estão fora do Spotify. Eis o que deu pra arrumar:

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)