Vires in numeris

Cartas de um Flaneur — #017

Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira
5 min readOct 8, 2020

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Após uma breve temporada, estamos de volta! Desculpe-me por ter feito você esperar. Espero que eu não tenha perdido o jeito 😅 e que ainda tenha interesse no que tenho para te escrever. Esta carta é praticamente uma extensão da anterior. Talvez esse hiato tenha sido necessário para que as ideias se acomodassem melhor e assim prosseguirmos com o nosso papo. Na última carta apresentei a definição de opcionalidade, assimetria e convexidade. Pois bem, hoje trago aqui um assunto que exemplifica todos esses conceitos e mostra a “força em números”.

Para contextualizar o tema, voltaremos ao século XVII. Naquela época acontecia a revolução científica, período o qual as ciências tiveram um desenvolvimento ímpar na história da humanidade. Durante esse tempo muitas crenças foram questionadas, inclusive o catolicismo. Dado o cenário anterior, entra em cena o nosso personagem, Blaise Pascal.

Talvez você se recorde dele das aulas de química ou física, mas apresento aqui um outro lado desse gênio. Como algumas das grandes mentes desse período revolucionário do conhecimento, Pascal era cristão e, provar a existência ou não de Deus, era motivo de extensos debates e questionamentos. Diante de todas as argumentações à favor ou contra uma figura superior, Pascal enfatiza que seria irracional não acreditar em Deus e expôs as alternativas para tal, o que ficou conhecido como a aposta de Pascal.

Os cenários abaixo definem os termos e as consequências de cada uma das alternativas da aposta:

i) Deus existe e eu acredito Nele. Meu ganho nesta situação é infinito, pois estarei exposto à todas as recompensas que isso me trará, pelo simples custo de seguir a doutrina religiosa.

ii) Deus existe e eu não acredito Nele. Nesse cenário a minha perda é infinita, pois serei punido por toda a eternidade por não cumprir as diretrizes da crença.

iii) Deus não existe e eu acredito Nele. Nesta situação eu terei perdido algumas horas indo à missa aos domingos e me privando de certos prazeres, mas nada muito significativo.

iv) Deus não existe e eu não acredito Nele. Neste último cenário o meu ganho não é muito significativo. Vou ter aproveitado os prazeres mundanos e não vou ter perdido tempo nenhum idolatrando algo que não existe.

Desta forma, a aposta na crença que Ele existe é a mais vantajosa das quatro alternativas pelo simples motivo da assimetria de ganhos, pouco a perder e muito a ganhar. É uma escolha convexa em sua essência. Pascal entendeu a ideia!

Não quero aqui converter ninguém, não é o objetivo desta carta. O que podemos tirar da aposta de Pascal é que devemos perseguir essas opcionalidades como forma de nos expor a ganhos ilimitados. Mas como isso se aplica ao mundo dos investimentos e ao nosso modelo de alocação de portfólio, descrito há algumas cartas?

Nassim Taleb (sempre ele) cunhou uma estratégia de alocação de portfólio que vai de encontro com tudo isso que discutimos até agora, o barbell strategy. A estratégia da barra de supino, como pode ser traduzida, tem seu cerne na mitigação de riscos desnecessários. Sua posição deverá ser tão hiperconservadora e tão hiperagressiva quanto puder. Ela sugere colocar a maior parte do seu portfólio, digamos uns 90%, em instrumentos extremamente seguros, como títulos públicos, ouro ou dólar, e alocar a menor parte do seu patrimônio, no caso os 10% restante, em apostas extremamente especulativas, como ações ou opções.

Desta forma, o máximo que você poderá perder é a pequena parcela que foi alocada em alto risco, sendo preservada a maior parte do seu capital. Porém, essa pequena parcela em alto risco está alocada em ativos convexos, cuja assimetria é convidativa. E fazendo uso da opcionalidade, essa parcela do barbell strategy tende a compor positivamente o resultado do seu portfólio de investimentos como um todo.

Irei me aprofundar sobre esta pequena parcela onde a matriz de payoff é favorável ao investidor. Há vários ativos que possuem as características necessárias e podem compor esta parte de alto risco no seu portfólio, já cometamos sobre algumas delas aqui. Mas quero apresentar uma que julgo ser a mais convexa entre as opções apresentadas: o Bitcoin.

O Bitcoin surgiu em 2009 como uma resposta à crise do subprime. Criado por Satoshi Nakamoto, o Bitcoin consiste em um sistema de transação de valor de maneira digital e descentralizada, ponto a ponto. Todas as transações são registradas na blockchain, uma espécie de grande livro contábil, onde todos os dados são públicos, podendo ser auditado por qualquer pessoa. Toda essa inovação é possível graças à programação do algoritmo e à criptografia do Bitcoin, mostrando a força em números (vires in numeris) e o poder computacional da rede.

Não quero aqui me aprofundar nas especificidades da tecnologia, que são inúmeras, mas sim trazer uma alternativa de ganhos exponenciais. Isso porque o Bitcoin possui algumas características ímpares, como escassez, anonimidade, segurança e efeito de rede. Quanto mais pessoas enxergarem valor na tecnologia e, por conseguinte, no Bitcoin, isso se refletirá em seu valor de mercado. Você não precisa entender todas as nuances desse mercado, bastar estar convexamente posicionado nele. “O entendimento é um substituto ruim para a convexidade” (Understanding is a poor substitute for convexity), já diria Taleb.

Talvez o Bitcoin hoje se assemelhe à internet de 25 anos atrás. Apesar de já existir há 11 anos, ainda está em seu estágio embrionário de desenvolvimento e adoção. A opcionalidade nesse caso é imensa. Quais devem ser os ganhos disso daqui 5, 10 ou 20 anos? Provavelmente serão exponenciais. Mas por ser um mercado novo e volátil, é uma tese arriscada, e por isso deve ter uma parcela pequena dentro do portfólio. Se der errado, perde-se pouco, se der certo, o ganho é infinito. Como diria Taleb (mais uma vez), temos que maximizar a serendipidade ao nosso redor.

O mesmo Nassim Taleb, em seu livro “A lógica do cisne negro”, conta a história que o pintor Apelles, enquanto pintava um cavalo, queria retratar a espuma na boca do animal. Depois de várias tentativas sem sucesso ele desistiu e, irritado, pegou a esponja que usava para limpar os pincéis e jogou-a na pintura. O efeito visual que a esponja deixou no local onde atingiu o quadro era a representação perfeita da espuma.

Sinceramente eu não sei que fim terá o Bitcoin, mas ao se expor à aleatoriedade, assim como Apelles, as chances de que algum retorno interessante o atinja aumenta. A única maneira de ter sorte (não negligencie o papel da sorte) é se expor consistentemente a ela, de maneira que você não fique pelo caminho, por isso, uma pequena parte da carteira de investimentos alocada em diversos ativos descorrelacionados e com bons fundamentos. Assim, deixe o longo prazo fazer o resto do trabalho para você.

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Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira

Estudante de Engenharia de Controle e Automação e membro da UNIFEI Finance Itabira. https://medium.com/unifei-finance-itabira