Guia LGBTQIA+ para pessoas leigas

Vale.jo
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9 min readNov 10, 2021

O que você precisa saber para sair da caixinha e driblar a desinformação

Arte: Magui

Existe, hoje, um maior espaço para a discussão sobre gênero e sexualidade na esfera pública e privada.

Presenciamos mais debates, pessoas LGBTQIA+ eleitas e aprovação de políticas públicas nos governos locais e federais — mesmo que uma onda conservadora ainda esteja forte e crescendo, no Brasil e no mundo.

Há um maior alcance nas mídias digitais, com influenciadores das mais diversas temáticas; maior inserção no mercado de trabalho, com empresas fazendo um esforço consciente de diversidade; maior representatividade em filmes, séries de TV, livros e na cultura pop em geral (sim, o filho do Superman é bissexual).

Isso não significa o fim da discriminação — nem de longe, já que casos de homofobia e transfobia ainda são diários e preocupantes.

Mas precisamos reconhecer que tivemos avanços importantes nos últimos anos e a expectativa é que outros estão por vir.

Uma das formas de combater o preconceito e criar uma sociedade mais segura e justa para as minorias é a disseminação de informação.

Esse é o objetivo desse guia rápido LGBTQIA+ para leigos.

Se você está aqui, parabéns!

Você acaba de dar o primeiro passo para sair da caixinha e se desprender de termos, conceitos, pensamentos, falas e até mesmo preocupações equivocadas que ainda circulam no senso comum.

Orientação sexual versus identidade de gênero

Um dos maiores equívocos é achar que orientação sexual e identidade de gênero são a mesma coisa: são termos relacionados, mas diferentes.

Todas as pessoas possuem orientação sexual e identidade de gênero, mesmo aquelas que não integram a comunidade LGBTQIA+.

Orientação sexual se refere à por quem você se sente atraído (romântica ou sexualmente).

Por exemplo, heterossexuais sentem atração por pessoas do sexo oposto; enquanto bissexuais sentem atração pelos dois sexos.

Atenção! Nunca use “opção sexual”: atração romântica e sexual não é uma escolha.

Já identidade de gênero se refere à como você se identifica subjetivamente em relação aos conceitos sociais de mulher ou homem.

Uma pessoa pode ter sido atribuída ao gênero feminino ao nascer, mas se identificar com o gênero masculino — o que chamamos de pessoa transgênero.

Para esclarecer, falamos cisgênero (ou cis) para quando a pessoa se identifica com o gênero atribuído ao nascer.

Essa categorização foge da ordem binária que estamos acostumados.

Uma pessoa pode se identificar como não-binária (não se limita ao masculino ou feminino), gênero fluído (não se identifica com apenas um gênero ou se reconhece como de um gênero diferente ao longo do tempo), agênero (identidade de gênero nula), entre outros termos.

Isso quer dizer que uma mulher trans (identidade de gênero) pode ser lésbica, heterossexual, pansexual, etc (orientação sexual).

E, é claro, a ideologia de gênero não existe. O que existe é identidade de gênero.

Ninguém pode influenciar alguém a “mudar de gênero” ou a “virar homossexual”.

Aquele povo animado…

A sigla para representar as minorias de gênero e sexualidade sofreu grandes modificações ao longo do tempo.

Nos anos 90, era usado GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) — deixando várias identidades de fora e dando um destaque grande para os aliados da causa, que não necessariamente se identificavam como homossexuais.

Depois foram incluídas a bissexualidade e a transexualidade na sigla GLBT, mudada em seguida para LGBT.

Atualmente há algumas variações e a sigla completa possui várias letras. Porém, a mais usada hoje é LGBTQIA+.

Lésbica: toda pessoa que se identifica como do gênero feminino e é atraída por outras mulheres.

Gay: toda pessoa que se identifica como do gênero masculino e é atraída por outros homens.

Bissexual: aqueles que sentem atração por pessoas do gênero masculino e feminino.

Trans/Travestis/Transgêneros: termos ligados à identidade de gênero, e não à sexualidade, que caracterizam pessoas que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento.

Qual termo usar é uma escolha pessoal, carrega valores sociais e deve ser respeitada. Não tenha medo de perguntar.

Inclui-se aqui as pessoas não-binárias (aquelas que não se identificam com o sistema binário masculino x feminino).

Queer: engloba todes que não são heterossexuais e cisgênero, fugindo do padrão normativo de gênero e sexualidade — incluindo comportamentos sociais ditos masculinos ou femininos.

Termo importado do inglês, possui um histórico pejorativo. Foi incorporado à sigla após pessoas da comunidade começarem a ressignificar a palavra como símbolo de orgulho.

Apenas use se tiver certeza que a pessoa se identifica dessa forma, já que algumas ainda a consideram um insulto.

Intersexo: pessoa que nasce com alterações anatômicas ou cromossômicas que impedem uma atribuição de sexo masculino ou feminino.

Medidas violentas são tomadas no meio médico para conformar esses corpos na lógica binária de gênero, incluindo cirurgias em crianças.

Existe uma luta da comunidade por leis que garantam a obrigatoriedade da participação da pessoa intersexo nas decisões acerca desses procedimentos e os proíbam em bebês e crianças.

Assexuais: aqueles que não sentem atração sexual, sentem pouca ou de forma condicional. Para entender melhor sobre essa orientação e suas especificidades, leia esse texto.

+: representa as outras diversas identidades da comunidade. Por exemplo, os pansexuais (atração independente de gênero), os polissexuais (atração por vários gêneros, mas não todos), aqueles que estão questionando sua orientação sexual, entre outras.

O tal do pronome neutro

O português é uma língua binária.

Isso quer dizer que muitas palavras não possuem o neutro (ex.: apaixonado x apaixonada) e o gênero também é demarcado nos pronomes (ex.: ela x ele).

Além disso, o “neutro” é sempre o masculino. Se estivermos nos referindo a um grupo de mulheres em que um homem se encontra, usamos “eles”.

Você pode estar pensando: e daí?

E daí que a linguagem é uma construção social e, assim como a própria sociedade, é marcada pelo preconceito de gênero.

No que se refere às pessoas que se identificam com um gênero fora do masculino e feminino, a existência de recursos linguísticos que dão conta de quem são no mundo é extremamente importante.

Dessa forma, a própria comunidade criou esses recursos.

Já que a mudança de um sistema linguístico é complicada e pode levar vários anos, o jeito é investir na alteração de convenções sociais existentes.

O correto é perguntar para pessoas não-binárias quais os pronomes ela prefere — ela/dela, ele/dele ou, o neutro, elu/delu.

E substituir palavras que terminam com –o ou –a (e definem um gênero específico), pela letra e. Exemplo: Amigo/Amiga/Amigue.

O uso de x ou @ (lindx/lind@) não é recomendado por ser impronunciável e dificultar o trabalho de leitores digitais para pessoas com deficiência.

Se não souber os pronomes de uma pessoa, opte pelo neutro.

Nunca tenha vergonha de perguntar os pronomes de alguém. Isso é, inclusive, um ato de respeito.

Ao falar para um grupo, você também pode usar o neutro (convencional) ou todos os gêneros. Exemplo: Sejam bem-vindas, bem-vindos e bem-vindes.

Viu como é simples? Agora é só colocar em prática.

Mas e as criançaaas?!

(Grito histérico)

Muito se diz sobre a má influência das pessoas LGBTQIA+ para a infância.

“Como eu vou explicar para o meu filho se virmos dois homens/duas mulheres se beijando na rua?”

Dada essa preocupação, venho com um passo a passo de como explicar à uma criança.

Passo 1: Explique que as duas pessoas se amam e, por isso, estão se beijando.

Passo 2: Exemplifique com casais heterossexuais que ela conhece — destacando que é a mesma coisa. “Lembra de tia Vera e tio Paulo?”

Passo 3: Trate com naturalidade.

Pronto, agora você tem uma criança consciente da existência de relacionamentos homoafetivos, com uma maior probabilidade de serem acolhedoras e respeitosas no futuro.

Fácil né?

Para aqueles pais com a seguinte preocupação: “Ele vai virar homossexual também!”

Arte: Magui

Eu faço apenas um questionamento: A maioria dos homossexuais vieram de famílias heterossexuais e foram bombardeados de referências de casais heterossexuais em todos os meios de comunicação — dos contos de fada até a novela das nove.

Você acredita mesmo que se sua criança ver duas mulheres se beijando, ela automaticamente vai virar lésbica? A probabilidade não está favorável aqui.

Orientação sexual não é aprendida, ela é sentida.

O que você não deve dizer

Agora, vamos passar por frases lgbtfóbicas que, por serem tão recorrentes, não paramos para analisar suas implicações e violências.

“Ser gay, tudo bem. Mas precisa ser afeminado?”

Essa frase é clássica e tem tudo a ver com a rejeição de expressões de gênero que fogem da ordem binária heteronormativa (o normal é ser heterossexual e agir de determinada forma) que funda a sociedade ocidental.

Muitas pessoas possuem uma visão do que significa ser homem que não faz sentido para todo mundo.

Frases como “não precisa dar pinta” só tentam mascarar a homofobia muito presente.

Você não “aceita” ou respeita realmente uma pessoa se precisar de condições para que isso aconteça — se ela tiver que seguir certos parâmetros.

Ter características “ditas femininas” (empatia, sensibilidade, afeto) não quer dizer que alguém é gay, assim como seguir o imaginário social de características masculinas (força, assertividade, razão) não quer dizer que a pessoa é hétero.

Tem relação com outra muito comum: “ah, você nem parece gay”.

A única característica que define uma pessoa homossexual é o fato de que se sentem atraídas por pessoas do mesmo sexo.

Qualquer outra que você relacionar diretamente com essa orientação sexual é apenas um estereótipo.

E nada de bom vem de estereótipos.

“Eu não criei filho para ser gay”

E para ser infeliz, você criou?

Precisamos destruir expectativas prejudiciais que projetamos em nossos filhos. Eles não existem para nos agradar e não são uma extensão de nossos sonhos e desejos.

Eles existem para viver da forma que acharem melhor, baseado em quem são de verdade, e não temos controle disso.

Consigo pensar em milhares de coisas piores para um filho ser/fazer do que amar outras pessoas.

“Eu sempre sonhei em ser avó/avô”

Dizer coisas desse tipo dá a entender que filho é só aquele que geramos. E isso caiu por terra há muito tempo, não?

Tantas crianças esperam por uma família para adotá-las.

E ainda existem métodos de inseminação artificial e as chamadas “barrigas de aluguel”.

Bom ressaltar que nem todo mundo quer ser pai ou mãe — inclusive heterossexuais.

Precisamos respeitar também essas decisões.

Arte: Magui

“Nós não somos todos iguais? Então, para que isso de direitos LGBT?”

Na teoria, tudo é lindo.

Todos merecemos respeito e acesso aos mesmos direitos e oportunidades.

O problema é que não é o que acontece.

A comunidade LGBTQIA+ quer ser vista como igual, mas ainda há um longo caminho de mudança do pensamento social, criação de políticas públicas e representatividade em cargos de poder para que isso venha a se tornar uma realidade.

Tá na hora de reconhecer os próprios privilégios e dar uma olhadinha à sua volta.

“Que desperdício”

Desperdício de que? Para quem?

O que garante que uma mulher lésbica iria ficar com você se fosse hétero, meu amor?

Pode ter certeza que ela está muito bem e fazendo outras mulheres bem felizes.

Falar que é um desperdício significa que a pessoa só é válida se for cis e heterossexual.

Vamos repensar nossas escolhas de palavras?

“Não sou homofóbico, tenho até amigos que são”

Selo de autenticidade: amigo dos gays.

Ter amizades com pessoas da comunidade não te isenta de atitudes e falas preconceituosas.

Não use esse artifício como uma blindagem.

Aprenda sobre o assunto, esteja aberto às críticas, pergunte, converse com essas pessoas.

Ao fazer isso, suas chances de agir de forma incorreta diminuem consideravelmente.

Bora amar o próximo?

Esse guia existe porque acredito que o conhecimento também contribui para entender o outro, para exercitarmos nossa empatia e nossa humanidade.

Para compreendermos os sentimentos e direitos de existência (e de ser feliz amando quem quiser) do nosso próximo e lutarmos para garantir esses direitos.

As pessoas LGBTQIA+ não estão fazendo mal nem para você e nem para ninguém.

Amar é querer o outro feliz independente de nossas preconcepções e receios.

Amar é acolher e ouvir.

Não é julgar, condenar, excluir ou oprimir.

Então, se algum familiar ou amigue seu tiver o ato de coragem de se abrir sobre sua orientação sexual ou identidade de gênero, abrace.

De dor e ódio o mundo está cheio. Seja amor.

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Escrito por: Natacha Moreira

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