Você é o que você consome?

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7 min readJun 30, 2021

Como empreendimentos de pessoas LGBTQIA+ impactam na sociedade?

Esse texto faz parte da série “Qual seu orgulho?” composta por três artigos com temáticas relacionadas à diversidade e ao mês do orgulho LGBTQIA+.

Portanto, sente-se, relaxe e orgulhe-se com a gente.

Arte: Magui

Você entra em uma loja de departamento multimilionária, já na vitrine é possível observar camisetas com temáticas relacionadas à cultura LGBTQIA+. Ao mesmo tempo, em alguma cidade do interior do Brasil uma pessoa borda a mão uma camiseta muito parecida com a que você viu exposta no estabelecimento.

Mas, existe diferença entre esses dois produtos que são tão parecidos?

Para responder essa questão é preciso levantar outros questionamentos: de onde vêm os insumos utilizados para produção de cada uma dessas camisetas? Qual tipo de trabalho é utilizado — é fruto de uma produção escrava? Quem lucra com essas vendas? O dinheiro é revertido para população LGBTQIA+, de alguma forma?

São a partir de indagações como essas que muitas pessoas começam seus negócios. Esse é o caso de Wider Gonçalves, fundador da loja e-commerce Casa Mirò. O empreendimento de Wider se inicia de uma inquietação em relação ao mercado de trabalho aliada a uma necessidade de empreender e buscar a sua melhor versão.

Em todos os níveis do processo, as peças da Casa Mirò são pensadas e produzidas para incluir e representar todas as pessoas. Essa é uma preocupação que acompanhou Wider por muito tempo, mas foi através de seu próprio empreendimento que começou a se sentir mais representado.

“É muito importante quando o empreendedor LGBTQIA+, de maneira confortável fala sobre isso e faz com que a sua marca seja um reflexo daquilo que ele acredita. Acho que isso impacta na sociedade, sobretudo, para outras gays que estão ali em dúvida, que estão inseguras, que não acreditam em si, que não acreditam nesse potencial do mercado e que não acreditam num negócio LGBTQIA+.” Comenta Wider.

Contudo, para pessoas LGBTQIA+ empreender nem sempre acontece devido a uma vocação, paixão ou vontade; muitas vezes a escolha por abrir o próprio negócio se dá por necessidade.

Sem oportunidades no mercado de trabalho formal e sem espaço para viver suas próprias identidades, essas pessoas buscam o empreendedorismo como forma de criarem seu próprio ambiente de trabalho com aquilo que acreditam e defendem.

Isso não significa, no entanto, que esse mercado é mais fácil. Um estudo realizado em 2016 pela StartOut, apontou que 37% dos fundadores LGBTQIA+ de startups dos Estados Unidos não se assumiam para seus investidores e aqueles que o faziam arrecadavam 11% a menos de capital do que os fundadores não LGBTQIA+.

Momento certo na hora certa

Zeitgeist é um termo em alemão que denomina um espaço de tempo, ou seja, um momento que possui características que demarcam situações sociais e culturais. A empreendedora Karina Gallon viveu um Zeitgeist há alguns anos.

Não é difícil encontrar um registro fotográfico ou artístico de atos e manifestações públicas com alguma foto de uma pessoa com uma camiseta preta, branca ou cinza com frases: “lute como uma garota”, “eu estou com ela”, “meu corpo é político”, entre outros dizeres.

São camisetas que falam por si. Essa foi uma das idealizações de Karina Gallon, mulher LGBTQIA+, designer e co-fundadora da empresa Puta Peita, ela visualizou no momento e contexto em que vivia a necessidade de algo diferente ser criado: “Queria que a Peita falasse, sem a necessidade de eu explicar tudo”, conta.

Você é o que você come?

Arte: Magui

O consumo de marcas conscientes é algo que cresceu nos últimos anos. Grandes empresas tentam se adaptar a esses mercados. No entanto, se elas não possuem a diversidade em suas essências, a inclusão não acontece de forma efetiva.

A Puta Peita, por exemplo, é uma marca em que a conscientização está em sua essência. É algo que começa desde a frase estampada no produto até a etiqueta em que consta escrito: “essa camiseta também deve ser lavada por homens”.

Você já comprou um produto e teve uma catarse? Isso aconteceu com uma compradora da Puta Peita. “Uma cliente tirou uma foto da caixa da camiseta e compartilhou. Ela fez um altar sagrado, com símbolos religiosos que ela acredita e lhe fazem bem”, conta Karina.

Ao comprarmos produtos de grandes marcas ou lojas de departamento, é muito difícil observar o impacto direto para pessoas LGBTQIA +. É justamente por isso que consumir produtos de pessoas dessa comunidade não apenas impacta financeiramente, mas também conecta pessoas reais com pautas que devem ser discutidas.

Funciona como uma corrente do bem. Empreendimentos LGBTQIA+ possibilitam que as pessoas se sintam mais seguras de si, tenham liberdade para fazer coisas cotidianas e, sobretudo, que se sintam representadas.

Entre as conquistas que Karina mais se orgulha de ter atingido através da Puta Peita foi a de possibilitar mais oportunidades para mulheres dentro do mercado de trabalho, auxiliando na construção de consciência sobre consumo e sororidade.

“Ver um ambiente de trabalho em que as mulheres conseguem ser quem são, sem assédios e preocupação com o machismo é muito gratificante”. Explica Karina.

As frases e dizeres da Puta Peita vão muito além de uma pauta feminista ou LGBTQIA+, elas vão de encontro com todas as pessoas que estão à margem, ou seja, é uma união que é feita a partir da empatia com todes.

A diferença que faz a diferença

O que geralmente ocorre ao consumidor na hora da compra de um produto ou serviço com as cores do arco íris é: “Eu demonstro o ‘grupo’ ao qual pertenço através dessa estampa” — mas não é bem assim que funciona.

Ao longo do mês de junho, a comunidade LGBTQIA+ se posicionou, principalmente nas redes sociais, para que a população entendesse o verdadeiro significado de orgulho.

Esse mês representa a luta por respeito o ano inteiro, direitos igualitários, viver plenamente sem medo, acolhimento a quem está passando pelo processo de aceitação familiar e social; assim como diversas outras lutas compartilhadas.

“Senti a necessidade de criar a loja por não ser representada pelas marcas que existiam quando começamos.” Conta Paula — Uma das fundadoras da loja Mariei.

Vindas de Sanharó, uma cidade no interior do Pernambuco, ao iniciarem o empreendimento. Desde 2016, a loja Mariei tem seus produtos confeccionados por uma equipe composta de 90% com mulheres que fazem parte do convívio das empresárias Evânia e Paula.

“Nossos conteúdos são voltados para a vivência LGBTQIA+, nossas estampas também sempre trazem elementos e referências que de alguma maneira nos representam.”, explica Paula.

Navegando em novos mares

O poder de consumo de produtos e serviços da população LGBTQIA+ têm aumentado muito nos últimos anos. O conhecido Pink Money — dinheiro rosa — é uma pauta que vem sendo discutida por coletivos, empreendedores e pessoas da comunidade.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2018 pela corporação LGBT+ Capital, a população LGBTQIA+ rendeu 3,7 trilhões de dólares ao mercado, apenas no Brasil foram 103,7 bilhões de dólares circulando.

Basicamente, não é apenas sobre diversidade e inclusão que as grandes empresas se posicionam sobre questões de gênero e sexualidade. Dados como os apontados acima demonstram que a população LGBTQIA+ é vista como um nicho a ser explorado.

Mas é possível converter o lucro rosa para a própria comunidade?

Arte: Magui

É nesse momento que os empreendimentos de pessoas LGBTQIA+ se tornam essenciais ao movimento.

“Quando se compra dessa gay, dessa trans, dessa pessoa não binária que está fazendo o produto é muito recompensador, porque a gente sabe que está sendo alguém que está fora do jogo e o mercado ainda é muito cruel com pessoas LGBTQIA+.” Reflete o empreendedor Wider Gonçalves.

Além disso, há outra questão importante a ser levantada: o Pink Money, geralmente, é voltado para uma identidade — o homem cis gay. Dessa forma, outras identidades acabam sendo subrepresentadas.

É recente, por exemplo, a inclusão de representatividade de mulheres lésbicas e pessoas não bináries na comercialização e divulgação de produtos.

“O patriarcado também está instalado no movimento gay. Muitos são machistas e não entendem o movimento feminista. Alguns também têm preconceito contra ‘gays afeminados’, onde prevalece a masculinização física e o que for relacionado ao feminino é pejorativo. Como lésbica eu não sinto que o pink money (e o que vem a partir dele no mercado) seja pra mim.”, reflete a empreendedora Karina Gallon.

Quando você adquire um produto ou serviço no qual a empresa desde sua concepção, divulgação e venda, não apenas utiliza a logo com as cores da bandeira LGBTQIA + para se promover, mas faz também parte do movimento e a luta está enraizada em seu DNA, é como se você dissesse: sou mais do que uma data, uma frase ou as cores que pintam por aí.

É como o trecho da música Born This Way da cantora Lady Gaga, que completou 10 anos em 2021: “Meu bem, eu nasci assim. Eu estou no caminho certo”.

A série “Qual seu orgulho?” é composta por outros dois artigos. Para ler, basta clicar nos links: O Real Orgulho LGBTQIA+ em Empreendimentos com Propósito Social e Orgulho de quem?

Escrito por: Giulia Pietra, Louise da Campo e Rafaela Fernandes

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