Automação hospitalar pode remodelar e melhorar realidade do setor de saúde no Brasil

Wayra Brasil
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7 min readJul 14, 2020

O antigo clichê que diz que “timing é tudo” é muito válido para os negócios, especialmente as startups. Ainda que uma boa tecnologia seja importante, tê-la pronta para funcionar na hora certa pode ser crucial para que uma ideia vire um sucesso. É o caso da Carenet, startup de automação hospitalar do portfólio da Wayra. Com foco na transformação digital do ecossistema de saúde desde 2014, a healthtech havia acabado de lançar seu novo serviço, o Orchestra, quando a epidemia da COVID-19 estourou mundialmente e os hospitais buscavam otimizar o uso das unidades de terapia intensiva (UTIs). Criado para apoiar a automação de atendimentos nesses ambientes e também em centros cirúrgicos e salas de emergência, o Orchestra tem sido implementado em mais de 40 hospitais brasileiros. O produto integra equipamentos médicos e automatiza a coleta de dados para aumentar a eficiência dos hospitais e reduzir a exposição das equipes clínicas à pacientes infectados.

Transformando os hospitais com mais conectividade

Os investimentos em conectividade e automação hospitalar foram por muito tempo tratados como algo supérfluo, o que fez com que a digitalização de prontuários e a centralização de informações do monitoramento de pacientes fossem, muitas vezes, deixadas para mais tarde. O que no passado foi tratado como um “luxo” de repente se tornou uma emergência: diante da alta taxa de contágio da COVID-19, hospitais e clínicas precisaram automatizar ao máximo suas atividades, tanto para otimizar o uso dos recursos e de pessoal especializado quanto para minimizar a contaminação dos profissionais de saúde.

Felizmente, depois de passar o ano de 2019 dedicada à aplicação de mais de R$ 2 milhões no desenvolvimento do seu novo serviço, a Carenet estava preparada para ajudar nesse desafio. Com o Orchestra, hospitais podem integrar e processar de forma automatizada dados de prontuários eletrônicos e informações de sinais vitais, vindas de monitores multiparamétricos diversos, melhorando a coordenação de UTIs, centros cirúrgicos (CC) e salas de emergência (PS). “Dessa maneira, a enfermagem visualiza dados de todos os leitos em tempo real, trabalhando de uma sala protegida, com mais segurança, mais eficiência e menos sujeita a erros de medição”, detalha Immo Oliver Paul, fundador e CEO da Carenet.

Diante da inesperada nova realidade da pandemia, até o formato de contratação da Carenet se mostrou alinhado ao momento: por ser como uma solução SaaS, com cobrança baseada no número de leitos monitorados, o Orchestra é flexível o suficiente para atender tanto o setor público quanto o privado. “A receptividade tem sido muito positiva. Além de aumentarmos a segurança dos pacientes, que são constantemente monitorados, melhoramos a produtividade dos hospitais”, comemora Immo. A eficiência possível com o Orchestra pode ser comprovada tanto pela melhor utilização de leitos quanto pela redução do tempo gasto pelos enfermeiros no monitoramento dos pacientes.

Segundo análises da Carenet, quase 30% do turno destes profissionais é dedicado à coleta de dados como pressão, temperatura e frequência cardíaca dos ocupantes dos leitos, informações que precisam ser transcritas manualmente na plataforma de cada hospital. “É um método pouco eficiente e que inclui um risco de 5 a 10% de erros”, alerta o fundador. Esse tempo economizado pela automação hospitalar, de acordo com um estudo acadêmico recém-publicado no Supply Chain Forum, não costuma se refletir em redução de pessoal, mas na readequação das tarefas dos profissionais, o que evita a sobrecarga e o burnout de médicos e enfermeiros. Ou seja: “com atividades repetitivas sendo realizadas automaticamente, as equipes ganham eficiência e podem focar no cuidado com os pacientes, sempre usando dados aferidos e processados em tempo real. Bom para pacientes, para o hospital e também para todo o corpo clínico”, resume o empreendedor.

Tendência que se tornou emergência

Apesar dos pesares, a pandemia da COVID-19 funcionou como uma espécie de catalizador de tendências que já estavam no horizonte, mas que ainda levariam anos para se consolidar. A transformação digital (automação) dos hospitais é um exemplo. Mesmo que o tema já estivesse em pauta no setor, a digitalização dos hospitais precisou acontecer em velocidade exponencial para que fosse possível cuidar do grande número de pacientes que chegaram às unidades de saúde, mas proteger o corpo clínico e distribuir melhor os recursos hospitalares. Para Douglas Crispim, médico-assistente do núcleo de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas da USP, o sistema de saúde brasileiro, seja ele público ou privado, ainda precisa melhorar as estratégias de encadeamento de processos para ter mais agilidade nos atendimentos. “Há uma carência de melhor alocação dos pacientes em leitos de forma adequada. Já vivíamos uma dificuldade por má gestão e má alocação, e isso piora quando há escassez de leitos”, frisa Crispim ao lembrar a disparidade entre as UTIs disponíveis e o número de pacientes com COVID-19 que podem precisar do apoio das unidades de terapia intensiva. “É nesse cenário, em ambientes cada vez mais burocráticos, que esperamos que os profissionais se tornem mais empáticos,” lamenta.

Caso de sucesso

Percebendo a oportunidade de como a automação hospitalar poderia ajudar a aliviar essa pressão, a Carenet fechou uma importante parceria com o Hospital Santa Catarina, em São Paulo, durante o desenvolvimento do Orchestra. O objetivo era criar um sistema que gerenciasse UTIs de forma remota, com intensivistas e plantonistas alocados presencialmente, contando com o apoio de experts que os acompanham à distância.

A disposição da Carenet em refinar sua solução em proximidade com os profissionais que estão na linha de frente do atendimento é bem vista pela comunidade médica. “As ferramentas que são trazidas de fora pra dentro tem menos chances de dar certo. A tecnologia tem que ser cada vez mais trazida para perto de quem está junto aos pacientes, porque é aqui que vão nascer as soluções”, reflete Crispim. Além da parceria com o Hospital Santa Catarina tem sido crucial para o sucesso do Orchestra, a proximidade com o cotidiano dos profissionais de saúde ajuda a evitar resistências e preconceitos de médicos e enfermeiros com os sistemas de automação. Ao se sentirem ouvidos, eles tendem a parar de ver a tecnologia uma “competidora” e passam a enxergá-la como um apoio para a melhor realização das tarefas cotidianas. Como destaca Ailton Brandão, CIO do hospital Sírio Libanês, nunca um modelo algorítmico tomará decisões no lugar dos profissionais da área. “O que médicos e enfermeiros poderão fazer é olhar de forma mais focada e produtiva para os dados e usar sua energia e expertise na melhor tomada de decisão”, reflete.

Automação na saúde é mercado em expansão

Construir tecnologias que permitam, obter informações e previsões médicas importantes a partir de dados pode parecer um mercado de nicho e específico, mas criar soluções digitais inovadoras para o setor de saúde é um mercado em franca expansão. Segundo informações do MarketWatch, a automação na saúde deve representar mais de 60 bilhões de dólares até 2024, com previsão de crescimentos anuais em torno de 9%. A expectativa dos especialistas é que a automação de hospitais e clínicas permita que médicos, enfermeiros e profissionais de saúde possam focar no cuidado com os pacientes e em análises mais criteriosas dos dados coletados, já que o monitoramento dos equipamentos poderá ser feito automaticamente por softwares e plataformas como o Orchestra.

Quem já tinha sistemas automatizados e digitalizados quando a pandemia de COVID-19 impactou o país se viu em uma posição mais confortável para continuar a fornecer seus serviços com segurança, enquanto quem não tinha sistemas desse tipo precisou correr para implementá-los em tempo recorde. As opções de teleatendimento foram uma das primeiras medidas a serem adotadas muito rapidamente. A automação do monitoramento dos pacientes será o próximo passo para evitar o burnout dos profissionais de saúde, que estão há mais de 4 meses pressionados pelo excesso de tensão e de pacientes, especialmente nas UTIs.

“Muitos hospitais do Brasil investiram muito ao comprar equipamentos de análises, mas se esqueceram de conectar tudo”, observa Oliver. Com a crescente tendência de conectividade nos equipamentos médicos, a expectativa é os hospitais do país passem em breve para fases mais avançadas da automação hospitalar. “Vamos poder começar a trabalhar com data lakes, gerenciando melhor o uso das UTIs e começando a criar modelos preditivos”, anseia o empreendedor.

Ainda que a crise da COVID-19 tenha trazido desafios até para quem surfa a onda do momento — assim como aconteceu com a Pluginbot, a Carenet tem enfrentado desafios para atuar à distância e proteger sua equipe do contágio — também foi essa crise que ajudou a demonstrar de forma clara o valor que a startup vem desenvolvendo nos últimos seis anos, desde que começou seus primeiros movimentos na automação hospitalar. “A pandemia trouxe uma aceleração da transformação digital que será positiva para todo o setor, porque a saúde infelizmente estava ainda muito atrasada na comparação com outras áreas”, analisa Immo. O propósito da Carenet também ficou ainda mais claro para os colaboradores da startup, que tem percebido no dia a dia o impacto positivo do Orchestra. “Meu time nunca esteve tão motivado para trabalhar aos feriados e finais de semana”, diverte-se o fundador. “Estamos fazendo a nossa pequena parte dentro do esforço global para combater a COVID-19”, completa o empreendedor.

Quem está nos hospitais também olha com esperança renovada para o uso da tecnologia na área médica, vislumbrando uma remodelagem da realidade do atendimento hospitalar que conhecemos. “Precisamos de fluxos claros, de encaminhamento e de salas de situação com indicadores claros. Vai muito além da programação simples, porque precisamos de soluções que consigam se adaptar às realidades que enfrentamos”, anseia Crispim.

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