Legião Urbana — O Descobrimento do Brasil (1993)

Meu álbum preferido da Legião.

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7 min readNov 25, 2020

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Assim como o álbum V foi um álbum emocionalmente denso, da mesma forma foi a turnê. Renato se tornava um cara cada vez mais difícil de lidar. Nos hotéis parecia ficar frustrado quando Dado e Bonfá se divertiam e estava sempre bebendo. As desilusões amorosas e a batalhas contra os vícios o debilitavam muito, física e emocionalmente, e o líder da banda não tinha mais vigor nos shows. O clima estava insuportável.

A gota d’água foi o emblemático show em Natal. A Legião fez um show ímpar e improvável com uma estrutura totalmente inadequada. Foi um show inesquecível. Porém, a banda já estava muitíssimo desgastada. No Galeão, quando Dado Villa-Lobos esperava para pegar suas malas, Renato se aproximou e ouviu de Dado que não dava mais, que tinha perdido a graça a razão de ser e que Renato precisava se tratar. Ou seja, a turnê que nem tinha terminado foi interrompida.

Renato se internou, apareceu sóbrio e decidido:

“Sou alcoólatra, HIV positivo e a vida é o que eu tenho pela frente. Preciso trabalhar!”

A partir daqui, diante da realidade dura da vida, Renato tinha como objetivo ser minimamente feliz e deixar algum legado.

A banda inauguraria, no O Descobrimento do Brasil, o uso do software Pro Tools para edição e mixagem. Esse também foi o primeiro álbum da banda que seria lançado originalmente em CD, além das versões em LP e K7, que ainda eram usados na época, pois o CD começaria a se popularizar um ano depois.

Esse é, sem dúvida, meu álbum preferido da Legião. Novos instrumentos foram usados, os integrantes tocaram instrumentos uns dos outros e é um disco mais carregado de esperança, com um Renato sóbrio e decidido a fazer poesia. O disco tem esse nome, porque a banda entendia que havia um clima de esperança no ar. E havia mesmo. No início daquele 1993 Collor havia sofrido impeachment. Havia todo um clima de treta envolvendo parentes de Collor e a política do país. O Brasil tava uma novela mesmo. Mas havia uma sinalização de que, apesar da situação financeira ainda complicada em 1993, o ano que viria seria bem melhor para o país.

A capa do álbum remete ao clima que a banda vivia. Uma capa colorida com os integrantes em um cenário cheio de flores. A foto da capa é de Flávio Colker. Fato curioso é que antes da foto ser tirada, Dado Villa-Lobos foi assaltado ao chegar ao estúdio e teve seu bandolim e seu carro levados. Tiveram que conseguir outro bandolim para a foto.

O disco é carregado de elementos que dão sentido ao nome do álbum. Canções de protesto, sobre esperança e até Renato ensinando como se escreve poeticamente um letra de “sofrência”.

Faixa a Faixa

Vinte e Nove

A letra fala sobre o alcoolismo de Renato e é sobre os vinte e nove dias que ele passou na clínica de reabilitação. A música soa como um pedido de perdão e um acerto de contas.

A Fonte

Música com um teclado de timbre duvidoso e letra com referências a Bíblia.

Do Espírito

Uma música com bastante influência de rock inglês, principalmente nas guitarras.

Perfeição

Música de trabalho do álbum e uma das pérolas de Renato. É uma música de protesto amadurecida, bem diferente de músicas de protestos anteriores, porque essa se encerra com uma mensagem de esperança. Perfeição teve um clipe com produção profissional. É o único clipe da banda com esse nível de produção. Mais uma música da Legião que fez sucesso, mesmo fugindo da proposta majoritária dos sucessos populares. Ela não tem refrão e tem uma letra quilométrica. De maneira bem subliminar, a parte em que a canção cresce, no “venha, meu coração está com pressa[…]” contém melodias de O Bêbado e a Equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco.

O Passeio da Boa Vista

Uma vinheta instrumental tocada por Renato Russo e Dado Villa-Lobos. É uma pequena canção de transição p’ra mudar o clima do álbum.

O Descobrimento do Brasil

Uma das letras mais bonitas de Renato Russo que p’ra mim é como uma crônica cantada. Aqui Renato canta sobre um Brasil que sofre, mas que pulsa e vive. A música passeia pelas questões cotidianas de famílias de classe média e baixa, que estuda, se apaixona, namora, sonha, constrói, trabalha.

Essa música tem uma frase que eu queria ter escrito: “será que você vai saber o quanto eu penso em você com o meu coração?”

Aqui Renato também passeia pela infância na Ilha do Governador citando, inclusive, nomes de professoras que teve na infância, como “a professora Adélia, A tia Edilamar e a tia Esperança”. Que letra!

Vai por mim, ouça essa música.

Aqui fica claro que a banda resolveu arriscar em novas sonoridades.

Os Barcos

Você quer escrever sobre sofrência? Coração quebrado? Dor-de-cotovelo? Renato te ensina. Uma letra sofrida e ao mesmo tempo brilhante e poética numa canção toda desenhada em violões bem tocados e uma guitarra bem dosada. Nos anos 90 a gente dava o nome a essas canções de rock ballads.

Vamos Fazer Um Filme

Eu tenho uma ótima lembrança graças a essa música. Eu fazia o último ano do ensino médio nesse ano e no último dia de aula uma moça chegou com uma vitrola portátil e o disco debaixo do braço. A gente passou a manhã e a tarde ouvindo o disco em umas das salas vazias. Essa era a música que a gente mais repetia. Nos tornamos amigos e depois namorados e essa era nossa música preferida.

Essa música foi composta originalmente para o disco Dois e se chamaria Splash. A letra e a melodia são bem leves.

Os Anjos

Aqui Renato fala sobre a questão da violência urbana. A música nasceu de um som que Dado tinha criado há bastante tempo e aqui foi terminado.

Um Dia Perfeito

Aqui Renato fala sobre os dias anteriores a esse tempo de paz que vivia durante o processo do álbum. O coral de vozes infantis é feito pelos filhos do Dado e seus amigos.

Giz

Renato disse que essa foi a música da qual ele mais se orgulhava de compor. Foi apelidada pela banda de “música da garrafinha” por causa do timbre de teclado usado chamado Bottle Flute, que aparece a música toda dançando com outros instrumentos e, p’ra mim, é uma das coisas mais geniais da música.

A letra é linda e fala sobre um amor que não vingou, mas que mesmo assim não se tornou pesado de lidar.

Aqui Renato também se inspira na infância na Ilha do Governador.

Love In The Afternoon

É uma homenagem ao músico Tavinho Fialho, que morreu num acidente de carro. Como essa música começou a tocar nas rádios na época da morte do Ayrton Senna, foi muito remetida à morte dele também, por causa dos versos “É tão estranho, os bons morrem jovens.”

La Nuova Gioventú

Nesse rock também muito influenciado por sons britânicos, a letra é uma coleção de poemas de Pier Paolo Pasolini mesclado nessa letra pelo Renato e musicado por Dado e Bonfá.

Só Por Hoje

Música com sonoridade bem smithiana lembrando muito a sonoridade de algumas músicas do Dois. A letra fala sobre o alcoolismo de Renato. O nome, inclusive, reproduz o lema dos alcoólicos anônimos.

A letra dá a impressão de que teríamos um Renato mais forte dali p’ra frente, como uma resposta à Vinte e Nove, mas infelizmente não.

Minha Relação com o álbum

Esse álbum reflete fielmente os anos de 1993/94. Em 1994 perderíamos Ayrton Senna e fomos consolados, por assim dizer, pela conquista do tetra campeonato mundial pela seleção brasileira. Em 1994 entrou em vigor a moeda que usamos até hoje, o Real, nascida no meio de um plano econômico que desafogou a economia brasileira e aumentou o poder aquisitivo da população. Aqui nasce a curva que fez muitos brasileiros saírem da linha da pobreza.

É meu álbum preferido por retratar fielmente o que era Brasil naquela época, pela sonoridade e pela qualidade das letras de Renato.

Infelizmente, os ventos bons que sopravam sobre a Legião soprariam por pouco tempo e viria pela frente um inverno tenebroso retratado no álbum do próximo texto, último gravado com Renato ainda em vida. O próximo texto é sobre os dois últimos, A Tempestade (Ou O Livro Dos Dias) e Uma Outra estação, e sai em breve.

Leia os outros textos:

Leia os outros textos: Legião Urbana (1984)DoisQue País É EsteAs Quatro EstaçõesV

Por Guímel Bilac

Fontes: Wikipedia, Livro Memórias de Um Legionário, Estúdio Ao Vivo Transamérica 1994.

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