Design digital: sua especificidade e definição

Aline Ferreira
4 min readMar 27, 2023

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O presente texto é a quinta parte de meus comentários sobre o livro Court traité du design, de Stéphane Vial. Caso ainda não tenha lido as demais partes, recomendo que faça a leitura, pois poderá entender melhor o que será abordado a seguir. Parte I. Parte II. Parte III. Parte IV.

O design digital é um campo novo que aparece com a revolução social do digital. Cada país, especialmente nos primórdios deste acontecimento, utiliza e utilizou termos diferentes para designar a mesma coisa. O que pode parecer um pouco confuso, especialmente se considerarmos os empréstimos que realizamos da língua inglesa. Assim, a exposição de Stéphane Vial se centra nos termos em francês e inglês.

A discussão, no entanto, não deixa de ser importante e interessante mesmo para brasileiros. Especialmente porque desmistifica termos que, para mim, pessoalmente, eram confusos, como, por exemplo, “design de interação” e “design de interface”. Vejamos mais de perto como se apresenta essa problemática.

Nos anos 1980, o mundo anglo-saxão começa a utilizar a expressão Interaction Design, substituindo o User-Interface Design (antes utilizado pela engenharia informática). Assim nasce o design de interação, que “designa o design de interface dos produtos informatizados” (Vial, 2010, p. 64).

Mais tarde, a França também sente a necessidade de utilizar um termo específico no design que acompanha essa mudança digital. Assim, os franceses começam a falar em design numérique (traduzido por mim como design digital), que teria uma ideia mais holística e generalista do que Interaction Design. O numérique englobaria indústria e cultura, formando um projeto no interior da cultura francesa. Contudo, essa diferença sugerida entre os termos, segundo Vial, não se sustém.

Isso porque tudo o que pode executar um programa, pode ser considerado como um produto ou serviço informatizado. Trata-se de um artefato digital (artefact numérique). Por isso, as duas expressões (design numérique / Interaction Design) têm uma denotação idêntica, ambas “designam o design aplicado ao setor dos produtos e serviços informatizados” (Vial, 2010, p. 66–67).

No entanto, o autor coloca que o termo design numérique (design digital) parece ser mais pertinente. Primeiro porque se refere mais claramente ao que é de “matéria informatizada com a qual o design numérique [digital] deve trabalhar” (Vial, 2010, p. 67). E segundo porque “a noção de ‘design de interação’ tende cada vez mais a alargar sua denotação além do campo dos produtos e serviços informatizados, e a se distanciar da matéria digital” (Vial, 2010, p. 67). Ou seja, este último pode também se referir à interação entre o utilizador e um produto qualquer, por exemplo.

Isso se torna muito próximo da ideia de design centrado no usuário, que é o que caracteriza o design autêntico. Nas suas palavras, “um design autêntico é, por essência, um design de interação, ou seja, centrado no usuário” (Vial, 2010, p. 68, negritos nossos).

Assim, para o autor, não vale a pena considerar a amplitude do conceito de design de interação, salvo o caso em que se buscou associar àquilo designado como design de interface. Entendendo interface como “a superfície formada pela fronteira comum entre dois corpos” (Vial, 2010, p. 68). Ou seja, um ponto de troca de informação, de comunicação e interação. Normalmente o que concerne o ser humano e a máquina.

Desse modo, Vial propõe que design de interação deve ser entendido como um design de interface, sendo a interface um elemento essencial de qualquer produto ou serviço informatizado. Ela é encontrada nos artefatos digitais.

Em resumo, considerando toda essa discussão terminológica, a definição de design numérique (digital) é a seguinte: “[…] atividade criadora que consiste em conceber experiências-a-viver com a ajuda de formas interativas produzidas em matérias informatizadas e organizadas em torno de uma interface” (Vial, 2010, p. 71).

Por fim, resta-nos saber se o design digital será apenas mais uma nova especialidade dentre outras no design, ou se ele formará um novo paradigma modificando a substância da disciplina. Ou, ainda, se o design será absorvido no digital, ou se o digital será absorvido no design. Nas palavras do autor:

No entanto, além dos desafios de definição, o problema principal que o design digital se coloca hoje é de saber se ele é simplesmente uma nova especialidade do design que vai se organizar ao lado das especialidades que já conhecemos (design de produtos, design de espaço, design gráfico, etc., os quais adicionar-se-ia o design digital), ou se ele representa um novo paradigma para o design em geral e é chamado assim a se introduzir em todas as especialidades existentes, a fim de modificar a substância da disciplina, sobre o modelo do design de interação. O futuro nos dirá em breve se o design deve ser inteiramente absorvido no digital, como alguns pretendem, ou se é o digital que deve ser simplesmente absorvido no design, como eu creio (Vial, 2010, p. 72).

Comentários finais

Considerando o meu nível iniciante na área de UX Design, achei a leitura do livro extremamente agradável, didática e informativa. Tudo isso sem deixar de lado o rigor acadêmico.

Lamento que o livro não esteja traduzido, pois posso afirmar que ele aporta um ótimo panorama histórico e filosófico. Consegui me situar muito bem em discussões que me parecem centrais neste domínio.

Aliás, fiquei muito contente em perceber que, academicamente, o design de fato não está muito longe da minha área de formação (história e ciências sociais).

Se você consegue ler em francês, recomendo fortemente a leitura!

Referência

VIAL, Stéphane. Court traité du design. Paris: PUF, 2010.

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Aline Ferreira

I'm a sociologist with a Ph.D. in Social Sciences. Visit my portfolio: www.alineferreira-phd.com