Análises e Recomendações: Fantaspoa 2022. — P.05

Teteus
12 min readJun 5, 2022

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Dando continuidade a esta série sobre o Fantaspoa 2022, hoje vamos para a primeira parte falando sobre os longas-metragens que tive a oportunidade de assistir. Vou dividir esta parte em dois pois senão ficaria um artigo muito longo.

Diferentemente dos curtas, não tive tanto tempo disponível para ver os longas, e acabei tendo que me contentar em ver apenas alguns, deixando de lado vários filmes no catálogo dos quais tinha uma grande vontade de assistir. Felizmente, acredito eu, os longas são menos difíceis de encontrar por aí do que os curtas, e quem sabe eu não os encontre futuramente para ver.

Como sempre vou deixar disponível o site do festival, e os links dos artigos anteriores desta sequencia (art. 01; art. 02; art. 03; art. 04).

Upurga (2021) — Ugis Olte.

Traumatizado por acontecimentos passados, um instrutor de caiaque decide acompanhar sua irmã, que irá participar da gravação de um comercial em um vale em uma floresta. Mas enquanto Andrejs é extremamente preocupado com os perigos do rio, da floresta e do frio, os membros da equipe de gravação, assim como sua irmã, pouco se importam com os perigos, e agem como adolescentes despreocupados em um típico filme de terror. Após ser deixado para trás de propósito devido a sua preocupação excessiva, Andrejs percebe que todos os membros da equipe e, inclusive sua irmã, estão desaparecidos. Em meio a uma floresta escura e fria e com os habitantes locais agindo de forma estranha, será que Andrejs conseguirá encontrar sua irmã?

A começar pelo gênero, podemos facilmente classificar Upurga, como um filme Folk-Horror. Temos um cenário distante da cidade, com habitantes locais que agem de forma estranha e misteriosa, e uma sensação de sobrenatural e mistério que paira no ar durante todo o filme. Mas Upurga consegue misturar em sua estética, uma pitada de Found-footage. Não apenas porque em um determinado momento do filme, Andrejs encontra gravações perdidas dos membros da equipe de gravação, quando saíram pela floresta sem ele, mas também pela própria estética. A fotografia do filme é extremamente acinzentada e azulada, o que deixa a região dos países bálticos, já naturalmente fria, mais fria ainda. Porém, essa estética da imagem e os movimentos de câmara, dão uma sensação, um gostinho de found-footage.

Upurga é um filme muito bom em nos deixar tenso. A preocupação do protagonista versus a despreocupação do resto da equipe é gigante e vai nos deixando cada vez mais irritados. Você pode ficar do lado de Andrejs e ficar tão irritado com a diretora do comercial a ponto de querer meter a mão na fuça dela (meu caso), ou pode ver o protagonista como excessivamente preocupado e chato e o achar irritante, mas o fato, é que essa dualidade é o que caracteriza o começo do filme. Mas após os membros da equipe se perderem a atmosfera muda e o embate entre Andrejs e a equipe de gravação, vira um embate entre Andrejs e a população local, ou talvez entre Andrejs e o próprio vale.

Upurga deixa uma sensação constante de sobrenatural no ar. O vale, o rio, a floresta, tudo parece ter vida. Não como se a natureza quisesse fazer mal a alguém. A sensação causada é mais parecida com a de que um mistério sobrenatural se guarda naquele lugar, que pode te levar a loucura por pura força. Como se chamasse as pessoas para atenderem seu lado selvagem e pagão. Essa atmosfera mística é o que permeia o filme e o deixa tão intrigante, mas infelizmente nem tudo são flores.

Se a atmosfera do filme é bem executada, a narrativa, a partir de um determinado ponto, começa a se perder. As coisas ficam confusas e não são muito bem explicadas para nós. O final do filme deixa uma ideia vaga do que pode estar no fundo do rio. Andrejs precisava se perder para encontrar os outros, mas porque exatamente ele precisava se perder?

De maneira geral o filme agrada bastante, e foi a primeira vez que tive a oportunidade de ver uma produção letã (é assim que fala? da Letônia). Infelizmente não encontrei o filme disponível, mas vou deixar o link do trailer para quem se interessar.

Follow The Dead (Sigam os mortos) (2020) — Adam William Cahill.

Vídeos de um possível ataque zumbi ocorrendo em Dublin começam a se espalhar pela internet. Em uma pequena cidade do interior da Irlanda, uma família composta por um casal de irmão e dois primos, todos eles na casa dos vinte e pouco anos, discutem sobre a veracidade desses novos boatos. conforme o filme passa e o contato com Dublin começa a se perder, os cidadãos da pequena cidade precisam discutir o que seriam aqueles vídeos e o que fazer diante da possível ameaça, com alguns grupos acreditando ser verdadeiramente um ataque zumbi e outros acreditando ser algum tipo de revolução. Os quatro protagonistas, mais a ex-esposa de um dos irmãos, precisam também lidar com seus problemas internos a medida que a ameaça, até então distante, chega cada vez mais perto.

O que aconteceria, se uma apocalipse zumbi começasse na nossa era? E como os Millenials reagiriam a isso? Essa é a premissa exaustivamente comentada pelo diretor em suas entrevistas e também no site do filme. A proposta é interessante. Mostrar que uma série de notícias e vídeos na internet, não causariam o mesmo impacto a uma geração sobrecarregada de informações e fake news. As reações dos personagens são bem diferentes como um todo, e a ausência da ameaça real (pois vivem no interior) os faz demorar até tomar alguma ação.

O filme é muito mais voltado para a comédia do que suspense ou terror. As cenas de tensão ocorrem mais no começo e no final, e a maior parte da trama é recheada com um humor bastante escrachado, em alguns momentos forçado, mas que consegue tirar algumas risadas.

Os próprios personagens são bastante ridículos, no sentido mais literal, eles são de fato ridículos. Robbie, o protagonista, é um homem com uma vida estável, mas que nunca está satisfeito e gosta das coisas unicamente do jeito dele. Em sua casa vivem sua irmã mais nova, Liv, uma jovem aspirante a música e celebridade na internet, que vê no suposto apocalipse zumbi, uma forma de fazer vídeos e ganhar seguidores na internet. Liv é um personagem um pouco raso, como a maioria dos personagens, mas é possível compreender logo de cara, que sua necessidade de ser famosa está ligada uma sensação de dever para com seu irmão, que terminou o casamento com a ex-esposa, alegando precisar cuidar da família. Além disso temos Chi e Jay, os dois primos que moram com Robbie e são sustentados pelo estado. Eles passam o dia inteiro fazendo nada e são dois verdadeiros idiotas e vagabundos. Verdadeiros alívios cômicos (aliás metade dos protagonistas é alívio cômico nesse filme).

Como dito, a proposta é bastante interessante, e a execução do filme consegue entregar bastante coisa. Uma história coesa e divertida de se assistir, com várias subtramas e momentos engraçados, mas que peca em alguns aspectos. Primeiro temos os personagens. Quase todos eles são bastante rasos, o que talvez até faça sentido para um filme majoritariamente de comédia e escrachado, mas quando as subtramas emocionais começam a aparecer (e há varias delas no filme) é difícil se identificar com os personagens nesses momentos difíceis. Também é preciso dizer, que as várias subtramas de drama não são tão bem exploradas e executadas. Dito isso, este primeiro longa-metragem de Cahill, mostra um diretor com um grande potencial para crescer e se desenvolver na área, e do qual eu espero poder ver mais no futuro.

Infelizmente não encontrei o filme disponível na internet. Alguns sites que dizem hospedar o filme não funcionam ou são apenas spam. Quem sabe num futuro próximo.

Desert Shadows (Sombras do Deserto) (2022) — Tyler Bourns.

Dois irmãos saem para caçar em um deserto, mas após um estranho acontecimento, um dos irmãos desaparece sem deixar rastros. Abalado, o homem sai em uma busca por seu irmão, mas no caminho se depara com teorias da conspiração, monstros e verdades ocultas.

Sombras do Deserto tem uma típica história de terror mais trash, além da própria estética do filme também o ser. Teorias da conspiração do governo, monstros, laboratórios, experimentos secretos, tudo isso em uma história interessante, mas medianamente executada. Alguns plots são bastante previsíveis, e os personagens agem de uma forma esquisita. Os efeitos visuais também não são dos melhores, sendo a ideia geral da história o que segura o espectador, que de fato é até bem legal. Também não encontrei este filme disponível. E neste caso, me parece pouco provável de que iremos encontrá-lo em breve na internet, pois encontrei pouco conteúdo associado a ele.

(Spoilers). Após perder misteriosamente seu irmão no deserto, Donnie começa a investigar o desaparecimento de seu irmão enquanto tenta se recordar de algumas memórias que teve enquanto estava em uma caverna. Já alguns meses depois, Donnie está paranoico e acreditando em teorias da conspiração, quando, após entrar em contato com um professor universitário, este o responde, dizendo que acreditava nele e pede para Donnie ir até lá. O professor universitário não apenas acredita em Donnie como também incentiva ainda mais as crenças conspiratórias, afirmando que seu irmão havia sido atacado por uma antiga criatura demoníaca chamada Barushikana. Donnie descobre que a criatura havia sido encontrada e escondida pelo governo, até um acidente ocorrer e ela fugir. O monstro então buscava uma forma de se reproduzir, ao injetar suas células em outras criaturas, que começavam a se modificar e virarem um novo Barushikana. Essa transformação, porém, dependia de uma compatibilidade genética, que quando não acontecia, apenas matava o infectado. Donnie descobre que o professor que havia entrado em contato, era um dos responsáveis pela criatura quando ela ainda estava em posse do governo, e que agora buscava alguém compatível com a criatura para fazê-la reproduzir. O professor havia testado seu irmão, que quase havia dado certo, não fossem os problemas com drogas que o irmão de Donnie tinha, e agora buscava o próprio Donnie para o transformar em um novo Barushikana. Donnie consegue escapar após matar seu próprio irmão infectado, e vai atrás do professor. (Fim dos Spoilers).

Two Witches (Duas Bruxas) (2021) — Pierre Tsigaridis.

Após avistar uma estranha mulher em um restaurante, Sarah, uma jovem grávida, começa a se sentir perseguida e observada o tempo todo. Seu marido, Simon, um homem cético, acredita que são seus hormônios, mas Sarah continua se lembrando da mulher que viu no restaurante. Simon decide levar sua esposa para conversar com dois amigos, um casal de “místicos” e pede para que eles ajudem com a situação. Mas é nesse momento que as coisas fogem do controle.

Duas Bruxas é um clássico filme de bruxas (dããr), mas apesar dos clichês, o filme agrada. As bruxas são amplamente mostradas o tempo todo, com seus rostos feios e distorcidos. Elas são puramente maléficas, do tipo que comem criancinhas (literalmente). O filme é um retorno ao mito das bruxas como criaturas horríveis, que explora muito bem os efeitos e a cinematografia, e não economiza na maquiagem nem nos efeitos para mostrar a desfiguração e a feiura dessas criaturas nada tementes a Deus.

(SPOILERS). O filme é dividido em duas partes. A primeira é a história já citada de Sarah, que é perseguida pela bruxa em seus sonhos e também na vida real. Sarah começa a agir de maneira estranha após o pequeno ritual realizado pelos amigos de Simon. Neste momento temos um verdadeiro frenesi de sangue, violência e loucura que ocorre com os quatro, todos manipulados pela bruxa. O desfecho deste primeiro arco é quando a bruxa finalmente retira o feto de Sarah de sua barriga e o usa como ingrediente de uma comida (eu disse que ela literalmente come criancinhas), e nos é mostrado que esta bruxa, é na verdade uma serva de alguma entidade maior. A bruxa já está velha e morrendo, e precisa passar seu cargo para uma descendente.

Na segunda parte, temos a história de Masha, a neta da bruxa da primeira parte da história, da qual é nos dito que, após a morte de sua avó, ela receberá todos os poderes dela. Masha vive com Rachel, que apesar de considerar Masha sua amiga, começa a achar estranho seu comportamento. Masha começa a distorcer as falas de Rachel e a agir como uma abusadora, até que por fim, Rachel tenta se livrar de Masha voltando para a casa de sua mãe, mas é capturada e posteriormente morta pela agora nova bruxa.

No final da segunda parte, no epílogo, as duas histórias são finalmente conectadas. Nos é mostrado o casal místico da primeira parte, que havia tentando ajudar Sarah, tentando continuar com a vida. Dustin, o namorado, encontra Masha em uma festa, e percebe logo de cara que tinha algo de errado com ela. Após surtar, ele e sua namorada são expulsos da festa, e sua namorada morre atropelada após influência de Masha. Dustin persegue a bruxa até sua casa, e por fim bota fogo na bruxa como vingança. (FIM DOS SPOILERS).

O Destaque desse filme vai para a atriz Rebekah Kennedy, que interpreta Masha. Sua atuação é de uma maestria impressionante. Suas expressões faciais são tão absurdamente assustadoras e incômodas que, ela sozinha, foi capaz de me dar mais medo do que o rosto desfigurado da bruxa que aparece na primeira parte.

O filme em alguns momentos parece balançar um pouco no ritmo da história, indo de momentos muito tensos para momentos mais aleatórios ou sem tanta empolgação. A divisão do filme em duas partes, demora um pouco a fazer sentido. As duas histórias facilmente poderiam ser filmes separados, algo como uma continuação talvez, mas a continuação de Duas Bruxas parece que vai nos dar a cara em algum momento, com as cenas pós créditos do filme nos deixando bem claro. Infelizmente, não encontrei o filme disponível, mas acredito fortemente que será possível achá-lo na internet em algum tempo.

Bashira (2021) — Nickson Fong.

Andy é um DJ iniciante que toca em casas de música eletrônica. Em um dos eventos, Andy salva a vida de Lela, uma jovem que, secretamente, é a sua maior fã. Ao salvar a vida da jovem, o destino dos dois se entrelaçam. Lela é uma nipo-americana que perdeu sua mãe ainda cedo para um suicídio, e que sofreu Bullying durante a infância. Buscando resgatar as memórias da mãe, ela decide voltar ao Japão, onde descobre que a sua mãe, na verdade, a deixou uma espécie de maldição. Andy, que teve seu destino ligado ao de Lela, precisa enfrentar, dos EUA, as influências da maldição junto com a jovem, mesmo que distantes geograficamente.

Bashira é um filme que mistura várias coisas ao mesmo tempo, mas de todas, a maior pretensão do filme é criar um misto de terror com musical. A música é um tema central na trama. Lela usa a música como um escape para os problemas psicológicos decorrentes do bullying e da morte da mãe. Andy é um DJ em ascenção. O filme possui várias cenas de musicais, e mais para o final do filme, é a música que vai ajudar os dois protagonistas a resolverem a trama.

Confesso que fiquei um pouco desnorteado com essa mescla de gêneros. A pretensão de misturar terror musical é ambiciosa, e assim como tudo em Bashira, falha em sua própria ambição. A história por si só é bastante interessante, mas a execução pena, especialmente a partir da segunda metade do filme, quando temos duas histórias separadas sendo contadas ao mesmo tempo. Lela no Japão e Andy nos EUA, ambos estão buscando uma forma de derrotar a maldição que os persegue, mas os cortes entre um cenário e hoje não favorecem a comunicação das duas histórias, que parecem separadas.

Esteticamente o filme é também uma mistura de vários gêneros. Ao mesmo tempo que retoma uma estética de obras mais antigas, busca inovar com a utilização de muito CG, que por sinal, ficou absurdamente esquisito na maior parte do filme. Algumas cenas do filme também parecem ficar meio soltas na história, e ao mesmo tempo que você sente que o filme poderia ser menor, você sente que falta algo ali para conectar as coisas.

O filme é ambicioso. Esta é a melhor descrição possível. E há um enorme mérito nisso. A história por si só é realmente muito interessante, mas a execução do filme não acompanha a ideia, e a ambição de Bashira é sua própria queda.

Pessoalmente, quero destacar as músicas do filme. São boas. “Listen closely. Can you hear her?” a canção principal do filme é bem bonitinha e me deixa na esperança de que a mistura do terror e so suspense com o musical possa acontecer, de uma melhor maneira, no futuro.

Bashira ainda não está disponível na internet, mas tenho a sensação de que talvez não demore muito até podermos achar a obra em algum lugar. Por enquanto deixo o site do filme e sua página no Instagram. Também deixarei uma outra review do filme mais completa porém em inglês.

Por hoje é isto. Muito obrigado e até mais.

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Teteus

Formado em Comunicação, aspirante a escritor e roteirista, e interessado em aleatoriedades