A vida lá fora.

Coisas que aprendi fazendo hamburgers #4

Beto Galetto
8 min readMay 4, 2016

Atenção: o texto abaixo contém uma série de hipóteses, generalizações e opiniões pessoais (e uma boa dose de prolixidade), pelo livre exercício de “trocar uma ideia”. Se é a sua primeira vez, bem vindo ao Medium (e à Internet).

Ontem, numa segunda de folga, me peguei pensando sobre rotinas e o quanto a gente para pra pensar sobre as nossas (ou não).

Trabalhando um tempo em cozinha, acabei elegendo (por falta de opção) a segunda-feira como o dia ~oficial~ de folga. Foi uma coisa que acabou ficando, vezes por falta de opção, vezes por hábito. Volta e meia rolam outros dias e horários aleatórios livres, mas o “Monday Funday” é quase sagrado. E isso com frequência me leva a ficar viajando sobre coisas aleatórias, entre elas como organizamos nossas vidas e por que fazemos algumas coisas.

Desde que saí da última agência de propaganda que trabalhei e comecei o Burger101, me dei conta de uma coisa e nunca mais conseguir desfazer isso:

Existe vida lá fora (mas é um teto).

<senta que lá vem história>

Observando rotinas alheias, vi que costuma rolar um padrão. Domingo é o dia do churrasco (ao menos aqui no RS) ou de almoçar com a família, passar o dia na frente da TV ou no parque, e terminar com uma pizza, Game of Thrones e aquela angustia porque “que saco, amanhã começa tudo de novo”.

Segunda é o dia de odiar a vida e de começar a dieta (talvez por isso tanto ódio?) e a academia. No dias úteis que seguem, existe hora pra acordar (sempre o mais cedo possível, porque “deus ajuda quem cedo madruga”, e ao menos umas 5 vezes, porque o bom mesmo é poder apertar no soneca e dormir mais 9 minutos feito um idiota). Existe também hora pra almoçar (geralmente num buffezão perto da firma, e dane-se se você está com fome ou não), hora pra ir ao banco, pra ir ao supermercado, academia, etc, etc.

Pra terminar, chutamos o balde na sexta e sábado “porque foda-se, a gente merece”. Enchemos a cara no bar e as sacolas no shopping. E começamos tudo de novo no dia seguinte.

Parando pra pensar um pouco mais, vamos sendo “treinados” pra seguir esses padrões e inseridos nessa estrutura desde pequenos. Temos horário pra entrar e sair do colégio, pra fazer intervalo, comer e até ir ao banheiro. Somos divididos em turmas por faixa etária e nos despejam conteúdos (muitas vezes de uma relevância bem questionável) de uma forma pasteurizada, onde devemos aprender (ou decorar?) o suficiente pra ficarmos dentro da “média” e nos preparar pro grande desafio da vida até então: o vestibular.

“O que vai tentar no vestibular?”, costumam nos perguntar diariamente durante os últimos anos de “estudo”. Muita gente acaba optando por coisas que acha que vai gostar. “Gosto de carros, então acho que vou fazer Engenharia Mecânica.”, ouvi esses dias. “Meu pai acha uma boa que eu faça Direito, já que ele é advogado.” ou “O sonho da minha mãe é me ver fazendo Medicina” também são respostas bem frequentes. Nada errado em nenhuma das respostas, até porque normalmente temos 15/16 anos nessa época. Mas, será que é isso mesmo? Será que fazemos as perguntas certas? E mais: por que somos obrigados a escolher alguma dessas opções? Essas são as únicas mesmo?

É como se houvesse um “buffet” com todas as opções que o futuro nos reserva e precisássemos colocar alguma coisa no prato, mesmo que em muitas vezes a gente nem saiba o que quer comer ou sequer esteja com fome ainda.

Uma vez aprovados (viva Bhaskara e todas aquelas outras fórmulas decoradas naquelas musiquinhas engraçadas) e passada aquela celebração, geralmente exibida em faixas na janela por nossos pais orgulhosos, começa a segunda fase.

Na faculdade, precisamos nos esforçar pra conseguir um emprego bom e que “tenha futuro”.

Nos matriculamos em todos os tipos de cadeiras, das mais relevantes às que te fazem querer dar um tiro no próprio c*, como Religião (viva a PUC) ou qualquer outra criada só pra preencher a semana com os créditos necessários. Ocupamos o tempo livre com estágios obrigatórios (temos que começar o quanto antes!), palestras, encontros e mil atividades extracurriculares das quais muitas vezes não dá pra escapar. Engraçado que nenhuma delas inclui “tempo pra pensar se é isso mesmo que eu quero”.

E assim seguimos, semestre atrás de semestre.

Passada aquela época do TCC e finalmente com o canudo na mão (mãe, pai, consegui!), começa a ~vida de adulto~. Hora de ser gente grande! No emprego, temos que acumular um mínimo de anos de carteira assinada pra garantir a sonhada aposentadoria. Daí sim, vamos descansar e aproveitar a vida, entre um suplemento de cálcio pra osteoporose e outro. Ah, aquele cruzeiro da CVC!

Enquanto guardamos aquela graninha no colchão (aka FGTS), não podemos esquecer que temos que comprar um carro, um apartamento e ter uns dois filhos, pelo menos, fora o gato e o cachorro. Falando em filhos, não dá pra esquecer que tem que rolar aquele casamento pra todo mundo ver (especialmente agora com as hashtags) o quanto estamos felizes com a pessoa perfeita que sempre sonhamos. Isso sem contar aquela viagem anual a Miami. “Os coleguinhas do Jorginho já foram três vezes pra Disney. Não podemos ficar pra trás”.

Passamos em média oito horas por dia dentro do mesmo lugar (geralmente com a bunda na cadeira) enrolando pra fazer um trabalho que, em muitos casos, daria pra fazer em um quarto do tempo. Como somos obrigados a ficar lá por um mínimo de horas (afinal, tá no contrato), vamos ocupando o tempo que resta com uma espiadinha no Facebook e um cafezinho Melitta de térmica. No fim do dia, nos encontramos em happy(?) hours pra falar mal do chefe, que fica só fica cada vez mais rico e faz da nossa vida um inferno. “Esse maldito aproveitador!”

Vamos embora no mesmo horário que todos, quase sempre sozinhos no carro, o que só entope cada vez mais as ruas que já pedem penico com a falta de espaço. Alguns vão pra academia estufar os músculos e secar a barriga. Outros vão pra casa assistir TV e murchar o cérebro.

Hora de dormir que amanhã começa tudo de novo.

</senta que lá vem história>

O que tem de errado nisso?

Nada. Mesmo. Mas, você está feliz agora ou vive contando com o ovo no c* da galinha? Será que um dia vai melhorar? Será que um dia tudo isso vai valer a pena? Por que você faz as coisas que faz?

Parece um pensamento meio ~imediatista~, mas a ideia aqui, ao invés de promover o “carpe diem / memento mori”, é de parar pra pensar no que fazemos e por que fazemos. “Eu realmente me sinto bem acordando cedo todos os dias ou ‘funciono’ melhor durante a tarde/noite?” “Eu realmente gosto de passar tanto tempo cercado de gente/sozinho?” “Eu PRECISO fazer o que eu faço todos os dias?” “Por quê?

Não tem nada errado em seguir uma rotina igual a de todo mundo. Não tem nada errado em não seguir também. O errado só, ao meu ver, é fazer as coisas nesse ~automático~porque é assim que elas funcionam”.

Tudo isso pra chegar aqui e no motivo que originou o texto de hoje. Ufa.

Uma vez “quebrada a matrix” (ou depois que pulamos fora da “rodinha do hamster” ou qualquer outra analogia do gênero), a vida parece mudar completamente. E ao mesmo tempo também não. As coisas só funcionam de um jeito diferente. Não necessariamente melhor, nem pior.

Entrei nesse “teto” andando de bicicleta no meio da tarde de segunda. Sabe aquelas pessoas que você vê fazendo coisas em horários diferentes, tipo compras no supermercado às três da tarde ou tomando café da manhã na hora do almoço? De repente, você se pega sendo uma delas.

Ter essa liberdade é algo incrível. Sabe aquela coisa de ter que ficar esperando até às 19h pra ir embora pra casa? Gone. Ir ao banco durante o horário de almoço porque é o único tempo livre que você tem pra fazer isso? Adiós.

Não é à toa que muitos defendem e incentivam a tal “Sociedade B”. Não faz sentido obrigar todo mundo a fazer as mesmas coisas nos mesmos horários. Tem cada vez menos espaço no mundo pra tanta gente. Imagina se todos têm que pegar o carro pra chegar no trabalho às 9h? Não é à toa que o trânsito só piora mundo afora.

Porém, “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”.

A incrível ideia de fazer um churrasco na noite de segunda-feira não parece mais tão incrível quando praticamente todos seus amigos recém saíram do trabalho e só querem ir pra casa dormir depois de um dia de labuta. Começar seu turno quando todos acabaram os seus faz da sociabilização uma coisa difícil. Namorar uma pessoa com uma rotina “normal” também não é das coisas mais fáceis do mundo. E é aí que essa liberdade toda pode começar a pesar um pouco. Parece rolar uma pressão do mundo pra que você siga o padrão e se encaixe de novo.

No meu caso, entendo essa mudança como um movimento irreversível, mas pode ser que você comece a se questionar se vale a pena ou não.

Uma coisa que me ajuda nessas horas é pensar “se eu estivesse morando em outro país, isso seria visto como um problema?”.

Explico:

Quando estamos no nosso país/estado/cidade natal (falo especificamente considerando meu caso aqui no Brasil), parece rolar uma pressão enorme para “ser alguém”. Isso inclui ter um diploma, um bom salário e todas aquelas coisas que falei lá em cima. E, o mais importante: se encaixar. Não sei se é pressão da família, amigos, ou um processo interno tão enraizado que a gente nem se dá conta (ou tudo junto), mas não dá pra negar que existe.

Em função disso, vamos caindo naquelas opções tradicionais de emprego. Mas, quantas outras formas de “ganhar a vida” existem por aí? Pense em todas as ocupações ligadas às artes, criatividade ou hospitalidade, por exemplo. Escritores, cozinheiros, bartenders, freelancers, consultores, taxistas, etc.

Já perdi a conta de quantos amigos vi irem morar em outros países e trabalhar com QUALQUER coisa, desde que o salário fosse suficiente pra pagar as contas. Também foi meu caso por um tempo. Por que é ok ser pedreiro na Austrália ou trabalhar de faxineiro na madrugada em Londres e aqui ninguém quer “passar vergonha”? O que muda?

Nisso, acordar sem despertador e beber uma cerveja no meio da tarde são coisas que vêm com uma culpa enorme. Somos bombardeados a todo momento com textos supervalorizando pessoas que acordam às 4am e fazem mil coisas enquanto você ainda dorme, “seu perdedor”. O que ninguém fala é que, enquanto essas pessoas super fodas estão indo dormir às 21h pra acordar cedo no dia seguinte, você provavelmente ainda tem mais umas 5 ou 6 horas pela frente. No fim das contas, dá tudo na mesma.

Com frequência eu perco a noção de que dia da semana estamos, uma vez que a lógica de “dia útil” já não faz muito sentido. Qualquer dia e horário pode ser “útil” ou “inútil”.

O fato é: não existe um certo nem um errado. Só parem de achar que existe um único padrão que deve ser seguido por todas os 7+ bilhões de pessoas no mundo.

Enfim, só um teto. :)

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Você pode ler os outros textos da série aqui, aqui, aqui e aqui.

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