Os Segredos de Preto Domingos.

Décima Sessão da Campanha Fúria no Inferno Verde

Porakê Munduruku
7 min readJun 13, 2020

Ano I, 2º Temporada, Décima Sessão
Sistema:
Lobisomem: O Apocalipse (W20)
Cenário: Amazônia, início do Século XIX
Narrador: Glailson Santos
Data: 23/09/2017 (Sábado)

Resumo da Sessão:

Enquanto a Matilha Tempestade sob o Rio confrontava a ardilosa Matinta, Palavras-na-Escuridão e Ratonaketon seguiam o misterioso jacaré que se afastava da cabana da bruxa acompanhando a corrente de um pequeno curso de água. Os Garou estão certos de que, de alguma forma, trata-se de Preto Domingos, o velho amigo do Cônego Língua-Ferina que vieram resgatar.

Palavras-na-Escuridão, em sua forma hominídea, grita chamando por Preto Domingos, mas só consegue a atenção da criatura quando menciona “o Cônego”, dizendo-se seu amigo. Só então ele se dá conta de que o jacaré encontra-se ferido pelas presas venenosas de um dos porcos cadavéricos que serviam a Matinta e que, debilitado, praticamente se deixava levar pela correnteza para longe do campo de batalha. Aproximando-se da margem, o estranho jacaré lentamente assume a forma de um homem idoso de pele negra, barba e cabelos brancos e roupas em farrapos, não resta dúvidas, trata-se de Preto Domingos.

Em seu flanco dilacerado pelas presas terríveis de uma das criaturas da Wyrm que servia a Matinta, extensos ferimentos deixam escapar o precioso sangue drenando suas forças. Ratonaketon apressa-se em estancar os ferimentos e obtém sucesso, prolongando um pouco mais a vida do que agora pensa ser um Mokolé, mas neutralizar as toxinas da Wyrm que penetraram pelos ferimentos está além de suas capacidades, só Poeté poderia salvar Preto Domingos.

Palavras-na-Escuridão, usa então o vínculo empático entre os membros da matilha, conferido pelo Totem, para alerta-los que ele e Ratonaketon encontraram Preto Domingos, mas que ele encontra-se moribundo e precisando da ajuda de Poeté.

Preparando-se para o pior, Palavras-na-Escuridão, usando suas habilidades como Filodox e Senhor das Sombras, interroga o velho moribundo buscando extrair dele o máximo de informação. Preto Domingos nega ser um Mokolé verdadeiro e em meio a delírios confessa não passar de um Parente Mokolé que por inveja buscou nas artes da feitiçaria uma forma de se aproximar ao máximo dos verdadeiros Dragões. Ele aprendeu a modificar o próprio corpo para assumir a forma de um réptil, mas nunca conseguiu ir além disso.

Ele também diz que foi por esse crime, a inveja, que os espíritos lançaram sobre ele a Matinta, que estando presa a forma de uma porca hedionda, desejava a capacidade de mudar de forma para tornar-se capaz de assumir a forma humana, ficando assim, mais próxima de seu objetivo, o de restaurar os Grondr. E lamenta que ela, apesar de não ter tido tempo de concretizar seus planos, obteve o segredo da feitiçaria que a permitiria mudar de forma e que apesar de ter tido seu corpo físico destruído, seu espírito retornaria à Malfeas e um dia voltaria a Terra na forma de uma nova porca cadavérica para dar prosseguimento a seu plano profano. Ela voltaria, ele não poderia dizer quando, mas ela voltaria…

Febril e delirante, Preto Domingos balbucia palavras confusas… “Manman padon”… “O tempo é um rio que corre apenas em uma direção”… “Padon Olodumare”… “Não é possível reverter o rio, mas é possível mudar seu curso”… “Mwen echwe”… “A história se repete, mas nunca da mesma forma”… “Pote l’isit la”… “Tragam o Cônego, tragam Toninho, só ele é digno desse legado”… Intrigado, Palavras-na-Escuridão não compreende exatamente o que o preto velho deseja revelar, alguns trechos mais exaltados soam como francês, ele sente que há algo ainda mais importante que o velho reluta em compartilhar.

Apelando ao Grande Poraquê, totem de sua matilha, ele busca uma forma de conquistar a confiança do velho relutante e desconfiado e aparentemente é atendido, o Grande Poraquê surge imponente das águas do igarapé em sua forma espiritual, respaldando a promessa de Palavras-na-Escuridão de honrar a confiança que lhe for depositada. Com a benção do poderoso espírito, Preto Domingos parece recuperar temporariamente a lucidez e finalmente revela: “Onde pela primeira vez partilhei com Toninho, semeei o maior de meus tesouros, a memória dos ancestrais, dos ancestrais de meus ancestrais. Histórias perdidas de um tempo esquecido e que não poderão desaparecer. A chave para um novo curso, que finalmente rompa a espiral”. E com o último esforço de proferir essas palavras, Preto Domingos, libertador de escravos, veterano da revolução do Haiti, Hougan dedicado à Olodumare, Parente de Dragões, finalmente perece entre desconhecidos em um canto qualquer do Inferno Verde, entregando-se com placidez ao toque tranquilizador da morte.

Pouco depois, o Sol parece ser coberto por um enxame de estranhos morcegos, maiores e mais hediondos do que qualquer morcego que Ratonaketon ou Palavras-na-Escuridão tenham visto, o Senhor das Sombras logo pode sentir no ar o odor fétido da Wyrm e ter a certeza de que aquelas criaturas são seus servos. Eles parte carregando o corpo de Preto Domingos e logo cruzam com Poeté e Enzi, que vinham a seu encontro. Era tarde demais para que a Theurge pudesse fazer algo. Ela assume a guarda do corpo de Preto Domingos enquanto os demais enfrentam as criaturas da Wyrm, que embora numerosas, parecem relativamente fracas, até revelarem que seu sangue ácido é capaz de ferir até mesmo os poderosos guerreiros Garou.

Não demora muito para que o restante da Matilha e o Ragabash Língua-Ferina se juntem a eles. E com a chegada de Galahad e Kamaporã eles logo sobrepujam seus oponentes. Galahad, agindo com sabedoria, aprisiona uma das desconhecidas criaturas para os sábios líderes da Seita, levando-a como um troféu. Língua-Ferina chora a perda de seu velho amigo, em um só dia ele perdeu seu mais amado aliado e seu companheiro de matilha, agora, se sente mais sozinho do que nunca.

Palavras-na-Escuridão convida Língua-Ferina para fazer parte da matilha. Mas o Ragabash parece relutar em aceitar o convite, dizendo que seu caminho é tortuoso e que caminhar com ele significa estar disposto a enfrentar a visão estreita dos Anciões da Seita. Então o Poraquê se manifesta através dos lábios de Galahad, ele recusa Língua-Ferina dizendo: “O caminho que você escolhe tomar não é honroso. Você escolhe o caminho que julga ser o mais fácil, mas não há honra em ser um lobo solitário que prefere correr sozinho do que guiar seu povo, ainda que isso signifique, por hora, abraçar a humildade e aceitar a submissão. Um lobo sozinho perece, mas o bando segue. O lobo depende mais da alcateia do que a alcateia dele, por melhor ele julgue ser. A arrogância nubla seus olhos, Ragabash. De nada vale pensar estar correto se você não é capaz de se fazer ouvir”. Após proferir essas palavras, Galahad desfalece e todos tentar ampará-lo, na confusão, Língua-Ferina desaparece.

A Matilha decide entregar o corpo de Preto Domingos às águas do rio, retorna para apanhar a cabeça da Matinta como um troféu de batalha e carrega consigo até o Caern o corpo de Isca-de-Onça, o antigo companheiro de Matilha de Língua Ferina, pois para o dia seguinte está marcada a Assembleia da Seita dos Guardiões do Utinga.

De volta ao Caern, a Matilha descansa, se recupera de sua jornada e se prepara para colher os louros pelos seus feitos durante a Assembleia.

O Uivo de Abertura de Taiaçu “Guarda-Sementes”, Mestre do Uivo, anuncia a abertura da assembléia, que transcorre sem sobressaltos apesar das notáveis ausências de Língua-Ferina e da Matilha das Desbravadoras dos Bosques Sombrios, liderada pela Fúria Negra, Erínia “Olhos-Flamejantes”, a mentora de Kamaporã. No Céu Interno, a Mestre de Rituais honra os espíritos, em Especial, Guaimiaba, o espírito defensor do Caern.

Então, o Menestrel, Jaqui “Canção-Inquieta”, assume o centro da clareira para dar inicio às histórias e Canções. Teçá “Olhos-Atentos” se destaca lembrando os feitos de Erínia para justificar sua ausência diante da reprovação do Vigia, Guaraci “Fúria-do-Boitatá” e de Tambeíba “Espreita-nas-Matas”, antigo desafeto da Fúria Negra. Enzi também tem a oportunidade de brilhar cantando os feitos de sua matilha em uma canção épica que impressiona todos os presentes.

Finalmente, durante a Quebra do Osso, conduzida pelo Mestre de Desafios, Tabajara “Relâmpago-Submerso”, Enzi é reconhecido como Fostern por seu mentor, Teçá “Olhos-Atentos”, após derrotá-lo em um desafio de charadas. Galahad é reconhecido como Fostern após derrotar em um desafio por combate o Ahroun da Matilha das Setas Precisas de Yorixiamori, Cuandú “Garras-de-Tamanduá”. Poeté é elevada ao segundo posto por Guyrá “Assas-ao-Vento” após aceitar prestar serviços ao Caern auxiliando os Guardiões. Apoena, por todos os feitos de sua jovem matilha é exaltado, também como Fostern por seu avô, Moacir “Sombra-da-Castanheira” e é nomeado por ele como o novo Caçador da Verdade da Seita, um cargo que permanecia vago até então. E, por seus feitos, a Matilha Tempestade Sob o Rio é também nomeada para se juntar aos Guardiões do Caern do Forte da Samaúma.

O Festim inicia com Relâmpago-Submerso conduzindo o Ritual Fúnebre em honra de “Isca-de-Onça”, o Filodox Roedor de Ossos da Matilha dos Humildes Servos da Mãe da Floresta, morto em combate contra um poderoso Maldito para defender seu único companheiro de Matilha, o Ragabash Língua-Ferina. Durante o ritual, Língua-Ferina se faz presente na Assembléia, aparecendo repentinamente para prestar sua última homenagem ao seu antigo companheiro, mas quebra o protocolo uivando sua homenagem antes do Grande Ancião da Seita, Moacir “Sombra-da-Castanheira”.

A atitude arrogante do Ragabash é encarada como uma provocação por Guaraci “Fúria-do-Boitatá”, Vigia do Caern e filho do Grande Ancião que exige imediatamente uma retratação. Língua-Ferina, aparentemente transtornado, relembra o fato de que só na morte seu companheiro de matilha é honrado pela seita, censura os anciões dizendo que eles insistem em se manter sempre com os olhos no passado, o que segundo ele selará a ruína da seita. Diante de tamanha desfeita e desrespeito com a seita e seus anciões, ainda que estas partam de um Ragabash, Tabajara “Relâmpago-Submerso” censura abertamente o imprudente Língua-Ferina, condenando-o ao ostracismo “até que ele aprenda a engolir seu imenso orgulho e se dobre diante da hierarquia e das antigas tradições”. Toda a Seita dá as costas ao infame Ragabash, embora Palavras-na-Escuridão, Ratonaketon e Poeté, relutem por um instante a fazê-lo.

Jamais os Guardiões do Utinga haviam tido um Festim tão melancólico e muitas estações chuvosas passariam até que eles voltassem a ver outro assim.

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Porakê Munduruku

Mombeu’sara, griô amazônida e escritor. Administrador da Página Brasil in the Darkness e integrante da Kabiadip-Articulação Munduruku no Contexto Urbano.