Fúria No Inferno Verde

Uma crônica de Lobisomem: O Apocalipse, na Amazônia do início do Século XIX.

Porakê Munduruku
Brasil na escuridão
8 min readJun 13, 2020

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Fúria no Inferno Verde foi uma crônica narrada por Glailson Santos a partir da Edição comemorativa de 20º Aniversário de Lobisomem: O Apocalipse (W20), porém, ambientada na Amazônia do início Século XIX, cujo cenário principal foi o Caern do Forte da Samaúma, localizado nas cercanias da cidade de Santa Maria de Belém, então capital da Província do Grão Pará, ao longo do ano de 2017, com o objetivo de estabelecer bases para um cenário histórico de Lobisomem na Amazônia.

O clima neste cenário histórico é uma amálgama de Dark Ages e Apocalipse, embora o suplemento oficial de LoA que cobre esse período histórico seja mesmo o de Werewolf: The Wild West, pois, ainda que as metrópoles europeias usufruam do ascenso de uma nova ordem colonialista mundial e do inicio da revolução industrial, neste canto quase esquecido do globo, em uma região selvagem que os colonizadores europeus apelidaram de “Inferno Verde”, uma população dominada por mestiços, tapuias e escravos, ainda encontra-se imersa em muito do caos e misticismo relacionados em nosso imaginário à “Idade das Trevas”.

Em plena Segunda Guerra da Fúria, entre disputas tribais e territoriais, os bravos guerreiros Garou da Matilha Tempestade sob o Rio se veem em um cenário exótico e desconhecido, onde as fronteiras entre o mundo físico e espiritual são muito mais fracas do que no Velho Mundo. Incarnas poderosos e desconhecidos ainda são capazes de se manifestar fisicamente nesta região selvagem tomada pela Wyld; Totens Amazônicos, exóticos e poderosos apenas começam a forjar aliança com os forasteiros Garou; True Fae nativas ainda podem ser encontradas perambulando sob a sombra da floresta, enquanto a crescente presença dos Estrangeiros da Wyrm avança sobre as regiões selvagens trazendo consigo a mácula da Weaver e a corrupção da Wyrm, despertando horrores jamais vistos em suas longínquas terras natais.

Bem vindos à Amazônia Selvagem do século XIX. Bem vindos ao Inferno Verde!

Contexto Histórico

Nossa campanha tem inicio no fatídico ano de 1809. A Europa conhece o flagelo das Guerras Napoleônicas que mudariam para sempre a dinâmica política mundial, na esteira da Revolução Industrial que marca o inicio definitivo do reinado da Weaver, na principal colônia portuguesa na América do Sul, a Corte de Dom João VI ainda acomoda-se em sua nova sede no Rio de Janeiro, sob a proteção da poderosa Coroa Britânica, enquanto na Capital da Província do Grão Pará, no extremo norte dos territórios portugueses na América, a Cidade de Santa Maria de Belém constitui-se em um dos principais focos de proliferação da Weaver e da Wyrm em uma região onde a natureza selvagem e o poder da Wyld permanecem quase completamente intocados pela presença humana.

Santa Maria de Belém é um importante entreposto comercial que serve de portal de entrada para boa parte daqueles que sobem ou descem a foz do Rio Amazonas em direção aos Andes peruanos ou ao interior da floresta e que usufrui de uma ligação direta com a Europa. O Novo Mundo vive o período conturbado das Guerras de Independência Hispanoamericana alimentadas pelo caos que reina na Europa, enquanto na América do Norte, os Estados Unidos, recentemente formado por antigas colônias britânicas rebeladas que haviam declarado sua independência em 1776 em meio a um guerra que envolveu também franceses, holandeses e espanhóis, voltam a se preparar para mais um capítulo sangrento de sua história, a ocupação do oeste norte-americano e uma nova escalada de violência contra os povos nativos na chamada “Marcha ao Oeste”.

Embora represente uma das maiores cidades localizadas no interior da hostil região amazônica, o núcleo urbano de Santa Maria de Belém conta com uma população fixa de cerca de 60 mil habitantes, entrecortada por igarapés e áreas pantanosas, onde cresce a tensão entre a orgulhosa nobreza de origem portuguesa e uma ascendente e ambiciosa classe mercantil de plebeus com sangue mestiço e bolsos recheados de riquezas oriundas do comercio de escravos e “drogas do sertão”, como madeira, óleos vegetais, seringa, animais e frutas exóticas.

Grandes fazendas dedicadas ao plantio de cana de açúcar, movidas por trabalho escravo, circundam o núcleo urbano da capital, entre as quais destaque-se a Fazenda do Engenho do Murutucu, o mais importante engenho de cana-de açúcar da Amazônia, de propriedade de Francisco Landi, que com sua existência e expansão ameaça as fronteira do Caern que abriga a Seita Garou dos Guardiões do Utinga, localizado às margens do lago do Utinga e cercado por mata fechada com fama de ser um local assombrado e vigiado por onças selvagens, onde poucos ousam se aproximar.

Revoltas de escravos são frequentes, diante da brutalidade dos capatazes nessas fazendas e deram origem a três grandes quilombos nas cercanias de Belém: O mocambo Caxiú, o maior da região, localizado onde um dia será reconhecido o município de Acará, alvo de incursões periódicas dos odiosos capitães do mato; o mocambo Caraparu, às margens do rio Caraparu, que daria origem a um dos distritos do município de Santa Izabel do Pará e mantém comercio com as comunidades ribeirinhas da região; e o pequeno e discreto mocambo de Abacatal, que resistiria até os dias atuais no bairro do Aurá, em Ananindeua.

A presença indígena na cidade se resume a descendentes indígenas catequizados e assimilados pela sociedade local, os caboclos, que habitam casebres de palha às margens do rio e são tolerados como cidadãos de segunda classe do império português desde a reforma promovida pelo Marques de Pombal que proíbe a escravidão indígena e busca assimilar os índios à sociedade colonial. Indígenas que insistem em manter sua cultura e tradição são vistos como selvagens e perigosos, desde o sangrento levante dos tupinambás, dois séculos antes, quando tropas portuguesas e mercenários britânicos exterminaram as aldeias nas proximidades da capital. Apesar de ilegal há meio século, a escravidão de indígenas considerados não civilizados não chega a ser desconhecida nas fazendas no entorno de Belém, embora não seja nem de longe tão comum como a escravidão dos negros que movimenta o tráfico de escravos com a África.

Sem a intervenção de padres franciscanos influenciados pelos Filhos de Gaia, mesmo um humilde caboclo que se meta em confusão poderia facilmente se ver preso aos grilhões da escravidão vítima de algum fidalgo especialmente arbitrário.

Apesar de raros, pelas ruas da cidade é possível observar negros livres alforriados tentando ganhar a vida como pequenos comerciantes e prestadores de pequenos serviços, sempre ocupados em tentar escapar da miséria que insiste em seguir em seu encalço, há, também, alguns “negros de ganho”, escravos enviados por seus senhores para arrecadar dinheiro vendendo produtos ou serviços que iam de alimentos prontos em tabuleiros à prostituição pelas noites do centro da capital. Como entreposto comercial, a cidade é um local especialmente perigoso para negros livres, que podem facilmente ser capturados e comercializados como escravos em outros postos se não mantiverem amigos influentes e mantiveram as cabeças baixas para não chamar atenção.

Há também muitos brancos de baixo nascimento que chegam à capital da província como fugitivos ou aventureiros, são homens buscando escapar da condenação da justiça na Europa ou em outras províncias portuguesas ou espanholas no Novo Mundo, mercenários, prostitutas e todo o tipo de aventureiro ambicioso que deixaram uma vida de miséria na Europa ou em outros pontos da América atrás de promessa de enriquecimento fácil para aqueles que resistirem aos perigos do Inferno Verde.

O letramento é algo raro, normalmente reservado ao clero, a nobreza e aos mais abastados membros da classe mercantil, as missas são rezadas em latim, ignorando a perplexidade de uma população mais familiarizada com o nheengatu, língua derivada do tupi e falada indiscriminadamente por todo o vale do Amazonas, do que a própria língua portuguesa, normalmente restrita à Capital da Província e aos documentos e conversas formais entre autoridades da Coroa.

A Sociedade Garou no Brasil do Século XIX

No século XIX a sociedade Garou no Brasil é caótica e fragmentada, Senhores das Sombras infiltrados entre os colonos espanhóis buscam estar à frente das mais ousadas missões que desbravam os segredos ocultos no coração das regiões selvagens do Novo Mundo, eles foram os responsáveis pela recente extinção dos Camazotz, que quase nenhuma comoção causou à sociedade Garou, e pela deflagração da Guerra da Fúria, ocupando com orgulho a posição de vanguarda nessa Guerra, além de alimentarem muitos conflitos com os Uktena.

Raros Presas de Prata de origem portuguesa (ou ainda mais raramente Holandesa) seguiram para o novo mundo acompanhando seus parentes da baixa nobreza portuguesa, quase sempre na condição de renegados ou de jovens ousados sedentos de glória e aventuras em terras exóticas e repletas de desafios desconhecidos. Crias de Fenris e Fianna de origem britânica, infiltrados entre mercenários ingleses visitam com frequência a região, vistos quase sempre com pouca simpatia pelas tribos Garou que tomaram Parentes entre os povos nativos e descendentes africanos, num espectro que vai do prudentemente desconfiado ao abertamente hostil.

Entre os povos nativos, em meio ao fogo cruzado da Guerra entre os Garou de origem europeia e os metamorfos nativos, preocupados com a preservação dos domínios da Wyld, estão os Uktena Amazônicos de ascendência hegemonicamente indígena, mas também africana, cujo principal Caern é o inóspito Forte da Samaúma, na entrada para a foz do Grande Rio Amazonas, onde são ainda tolerados os Filhos de Gaia, quase sempre ligados aos missionários jesuítas e capuchinhos, mas também com vínculos entre abolicionistas e quilombolas, raros Peregrinos Silenciosos de ascendência africana que nascem ou visitam a região e Fúrias Negras que se aventuram por essa região em busca de preservar os domínios da Wyld e explorar seus segredos. Com esforço é possível encontrar nos grandes núcleos urbanos ou em incursões de estudo no interior das regiões selvagens, os Tetrassomianos, precursores dos Andarilhos do Asfalto e, de maneira muito mais generalizada, nos becos decrépitos de vilas e cidades ou nos porões imundos dos navios que cruzam rios e mares em todas as direções, os Roedores de Ossos.

Nossa saga se inicia…

Os relatos escritos a partir das sessões narradas ao longo da Crônica, são um chamado à toda a Nação Garou para conhecer as histórias e canções dessa Matilha de ousados guerreiro de Gaia que desbravaram estas terras inóspitas e lançaram as bases para a presença Garou em uma das regiões mais desafiadoras para os Guerreiros de Gaia. O membros da Matilha Tempestade sob o Rio são alguns dos mais renomados ancestrais daqueles que dentre os Garou que podem chamar a Amazônia Brasileira de lar e viveram em uma época de grandes transformações, descobertas, tragédias e batalhas épicas que moldaram o mundo que conhecemos hoje. Tome seu lugar em volta de nossa fogueira e acompanhe alguns de seus feitos.

E não se esqueçam do seu conselho, filhotes: Lutar com sabedoria, viver pela honra e perecer com glória!

Primeira Temporada: Reunindo a Matilha

Sessão de Estreia — Welcome to Hell!

Segunda Sessão — Um visitante inesperado

Terceira Sessão — À sombra da Grande Samaúma

Quarta Sessão — Uma Tempestade no Horizonte

Quinta Sessão — Nos domínios do Grande Poraquê

Segunda Temporada: Correndo Juntos

Sexta Sessão — Tempestade Sob o Rio

Sétima Sessão — Visagens na Vila de Beja

Oitava Sessão — Os Soldados da Matinta

Nona Sessão — Mais vale um pássaro na mão do que dois voando

Décima Sessão — Os segredos de Preto Domingos

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Porakê Munduruku
Brasil na escuridão

Mombeu’sara, griô amazônida e escritor. Administrador da Página Brasil in the Darkness e integrante da Kabiadip-Articulação Munduruku no Contexto Urbano.