Os galicismos reprováveis do século XIX, segundo os defensores da língua portuguesa, e os anglicismos “dispensáveis” do século XX

Sérgio Barcellos Ximenes
5 min readMay 15, 2020

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Tema: uma lista de galicismos (palavras francesas incorporadas à língua nativa) utilizados em 1873 e criticados pelo autor do artigo, e uma lista de anglicismos (palavras inglesas incorporadas à língua nativa) utilizados no final do século passado e também criticados pelo autor do texto.

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Ninguém desconhece atualmente a “invasão” do idioma inglês no vocabulário cotidiano do brasileiro, seja em termos de palavras, seja em termos de estrutura, efeito da dominância cultural dos Estados Unidos no chamado Ocidente.

O mesmo problema linguístico se deu no século XIX, mas com o idioma francês. E os defensores do “nosso” idioma (de origem portuguesa), inutilmente, assim como hoje acontece, tentaram convencer os brasileiros a evitar a preferência determinada pelo encanto do idioma e da cultura estrangeira.

Onde hoje temos o anglicismo, antes havia o galicismo.

Em 1873, no auge dessa influência francesa, o periódico O Sexo Feminino, fundado e dirigido por mulheres, publicou uma lista de galicismos introduzidos no português, acompanhadas de alternativas pátrias que deveriam ser preferidas por suas leitoras.

A principal redatora de O Sexo Feminino era Francisca Senhorinha da Mota Diniz, principal autora do romance A Judia Rachel (1886).

A lista, reproduzida a seguir, serve para ilustrar o dinamismo das línguas. Repare quantas palavras então “reprováveis” são utilizadas regularmente no cotidiano atual dos brasileiros.

O Sexo Feminino, 4/10/1873, número 5, páginas 2 e 3 — http://memoria.bn.br/docreader/706868/18 e http://memoria.bn.br/docreader/706868/19

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Escola normal

GALICISMOS.

O grande uso do galicismo na língua portuguesa já foi moda, com que o deplorável mau gosto de muitos nacionais iam tornando-a em galo-lusa linguagem, indigna de um povo que tem a felicidade de possuir um dos mais belos idiomas modernos, tão amado nas Musas, e onde não é sem orgulho que temos no original uma das mais sublimes e maravilhosas produções que elas hão inspirado, o poema Lusíadas. Felizmente esse inimigo da pureza da linguagem vernácula foi combatido vitoriosamente por distintos portugueses, zelosos das coisas pátrias, e hoje só algum escritor pouco escrupuloso lhe dá criminosa pousada. Apenas se deve tolerar a introdução de palavras francesas (e o mesmo acerca das de outras línguas vivas) quando exprime alguma ideia nova de ciência, arte ou qualquer profissão, para a qual faleça um termo próprio em português.

Galicismo, pois, é erro contra a pureza da língua, e consiste no desprezo das palavras portuguesas puras e próprias, para as substituir por palavras e frases puramente francesas com afetação infeliz e pueril.

Daremos alguns exemplos dos galicismos mais grosseiros, e que se devem evitar.

Afetado — por movido, comovido, tocado.

Aguerrido — por guerreiro, ousado, experimentado, adestrado, afeito, amestrado na ou à guerra.

Amabilidades — por tolices, sandices, parvoíces.

Ascendente [Ascendência] — por influxo, influência, superioridade, predomínio sobre alguém.

Cabotagem — por costeagem, costeação.

Carnagem — por mortandade, matança, carniceria.

Chicana — por trapaça, cavilação, enredo, tergiversação, rabulice, trica.

Comportar-se — por proceder.

Deboche — por devassidão, dissolução, demasia, licenciosidade.

Descoberta — por descobrimento.

Destronar — por desentronizar.

Doméstico — por criado, servidor, moço.

Entrave — por estorvo, obstáculo, embaraço, impedimento.

Frapante — por móvel, admirável, ilustre, conspícuo.

Galimatias — por palavrório, ou palanfrório.

Golpe de vista — por vista de olhos, volver os olhos.

Governante — por aia, ama, mestra.

Grimaças — por trejeitos, momos, gatimonhas.

Jaluzia — por ciúme, inveja.

Imperecível — por imortal, perpétuo, perdurável.

Impor — por enganar, seduzir, iludir.

Insurmontável — por insuperável, invencível.

Jornal — por diário.

Irreprovável — por irrepreensível, incorrupto.

Massacre — por assassínio, matança, etc.

Mesmo (adverbialmente) — por até, ainda.

Penível — por penoso, modesto, incômodo.

Perecível — por perecedouro, caduco, transitório.

Populaça — por gentalha, plebe, relé.

Prodigar — por prodigalizar, desperdiçar.

Reclamar — por invocar, implorar, demandar.

Remarcável — por notável, assinalado.

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A revista Gafite — As Gafes da Atualidade, do professor Luiz Antonio Sacconi, fez história entre os puristas do idioma no final da década de 80 e início da década de 90. Seria condenada pelo autor do texto acima, a partir do título: gafe (indiscrição involuntária, erro social etc.) vem do francês gaffe, sendo, portanto, um galicismo integrado à língua portuguesa.

Abaixo, o volume encadernado do terceiro ano da revista, que era vendida em edições mensais.

https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-1389788140-antigo-livro-gafite-as-gafes-da-atualidade-sacconi-n5902g-_JM#position=2&type=item&tracking_id=6ca7f485-adb5-400e-bb5a-05c029f2342b

No número 10 do volume 2, mês de janeiro de 1989, um colaborador de nome Roldão P. Simas Filho enviou ao professor Sacconi uma lista de anglicismos dispensáveis no idioma português, acompanhados de alternativas válidas. A colaboração tinha por título A Perda da Língua.

Na longa lista, muitas sugestões eram sensatas, como black-out (apagão), display (mostrador), freeway (via expressa) e shopping center (centro comercial), mas outras merecem citação pela curiosidade da escolha.

baby sitter — babá à hora.

boiler — caixa térmica.

container — contentor.

drive-in — acesso motorizado.

guard-rail — defensa.

jingle — mensagem musical de propaganda.

joint venture — associação.

leasing — arredondamento mercantil.

rally — prova de regularidade.

royalty — regalia.

skate — patinete.

staff — assessoramento.

E a insuperável…

topless — maminhas ao léu.

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Sérgio Barcellos Ximenes

Escritor. Pesquisador independente. Focos: história da literatura brasileira e do futebol, escravidão e técnica literária.