São Paulo é uma cidade de torcedores
São Paulo é uma cidade de torcedores. É uma cidade onde os jogos de futebol dominam as televisões de estabelecimentos, onde escudos de clubes têm espaço garantido nas mesas dos escritórios, paredes de consultórios, vidros de carros e janelas de apartamentos. É uma cidade onde times motivam e nomeiam bares e restaurantes, e sedes de torcidas organizadas ocupam casas, prédios e galpões.
São Paulo é uma cidade onde se encontram campos e quadras em cada quarteirão de cada bairro, e cada parque é invadido por boleiros aos fins de semana. Uma cidade que tem mais de dez estádios registrados na CBF, muitos deles visitados regularmente por milhares de torcedores, cada um com uma maneira de encarar e ocupar o espaço das arquibancadas.
No Canindé, por exemplo, habita um torcedor da Portuguesa conhecido como Kaverna. Ele está presente em todos os jogos da Lusa, que assiste ocupando diferentes setores do estádio, invariavelmente com uma camisa do time e na maioria das vezes xingando adversários, jogadores lusitanos e a diretoria de seu clube.
No Morumbi, um torcedor chamado Ricardo sempre fica nos anéis superiores, para o que ele entende ser uma melhor visão de jogo. Ricardo vai à tantos jogos que já têm o número de um flanelinha dos arredores do estádio, com quem combina vagas com antecedência.
No Allianz Parque, Letícia e seu pai Valdir preferem ficar nas porções inferiores, no setor norte, atrás do gol, para ser mais específico. Os dois assistem à uma média de 80% dos jogos do ano, sempre juntos, mesmo Letícia morando em Bauru.
Na Rua Javari, no estádio Conde Rodolfo Crespi, tem um juventino que curte ficar atrás do gol, passando nervoso os noventa minutos; No Nicolau Alayon, um nacionalino gosta de torcer sozinho, próximo aos bancos de reservas. Foi tanto tempo ali, e tão próximo à comissão técnica, que hoje ele é membro dela, contratado pelo clube como auxiliar.
Na Arena Corinthians, uma torcedora está sempre pelas arquibancadas. Ela perde no máximo duas partidas no ano naquele estádio, mas queria mesmo é estar no Pacaembu, que por sua vez divide-se em receber sazonalmente jogos de Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo e ocupar a memória dos mais saudosos torcedores, como o palmeirense Fernando. Ele nem frequenta mais estádios, e assiste a todos os jogos do seu time — e de rivais, adversários, times gringos e seleções — do sofá de seu apartamento na Santa Cecília.
Duas ruas para baixo, o corintiano Antônio trabalha como cabeleireiro. Muitas vezes, Antônio está cortando cabelos no horários dos jogos, o que não é um problema, já que não consegue mais assistí-los, de tão nervoso que fica. Walfrido, por outro lado, sente muita saudade durante o jogos do Sport Recife, e assiste a maioria deles no consulado oficial do clube em São Paulo, na Bela Vista, não muito longe do salão de Antônio.
Na mesma Bela Vista, André “Baiano” também sente saudades do seu Vitória. Quando ele não está assistindo às partidas do Leão, seja no feminino, no masculino, no futebol, basquete ou vôlei, André discute ações e ideias com a Brigada Marighella, torcida antifascista da qual faz parte.
A são-paulina Larissa não é parte de nenhuma torcida organizada, as já sentiu muita saudade de seu time, quando decidiu ficar um ano sem ir ao estádio e sem assistir aos jogos. Larissa é socióloga, e entende a torcida como um grupo de sociabilidade única. Luiz Henrique também é torcedor e também é sociólogo, enxerga nos torcedores a mesma complexidade, que o instiga a tal ponto nela baseou seu doutorado.
Da sua sala do NAU (Núcleo Urbano de Antropologia), na USP, Luiz estuda esse poderoso fenômeno sociológico que é a torcida de futebol, que abrange diversos tipos de comportamento, de ideologias e marcadores sociais, que não discrimina, enfim, apesar da resistência de um pensamento arcaico que circunda as arquibancadas e que teima em não sair de moda.
Lá, torcer é algo que une em uma só palavra as histórias de Luiz, Larissa, André, Walfrido, Antônio, Fernando, Letícia, Valdir, Ricardo, Kaverna e milhões de outros tipos da metrópole que só devem atender a uma exigência: torcer para um time de futebol.
O texto acima é uma paródia de “Nova York é uma cidade de personagens”, reportagem literária de Gay Talese, presente em seu antológico livro “Fama & Anonimato”. É também uma breve introdução ao meu Trabalho de Conclusão de Curso da UNESP, que consiste em séries de perfis jornalísticos de torcedores de futebol em São Paulo, inseridos na publicação “Adeptos e Apaixonados”.
Você pode acessá-los aqui: