Os novos cineastas gaúchos

Vanessa Hauser
Arquivo 11
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5 min readJun 14, 2018

Por Guilbert Trendt, Fernanda Frühauf, Liliane Franco, Alexandre Briczinski e Camila Santos.

Cena do filme Cromossomo 21, dirigido por Alex Duarte (2017). Foto: Divulgação/Internet.

Os entraves para conseguir recursos financeiros dificultam as produções, fazendo com que muitos produtores precisem tirar dinheiro do bolso. O produtor e diretor Evandro Berlesi conta que utilizou o dinheiro do seguro desemprego para escrever o livro Eu odeio o Orkut (2008), que foi a base para o filme homônimo lançado em dezembro de 2011 . Em um mês, o filme já estava pronto.

“Consegui um patrocinador para a publicação e recebi o convite do Jô Soares para ir ao programa. Devido a isso, ganhei notoriedade na minha cidade (Alvorada) para poder desenvolver meu projeto de cinema. Não fiquei rico, nem famoso, mas descobri que posso sobreviver trabalhando só com as coisas que eu gosto de fazer”, afirma Berlesi.

Evandro também desenvolve o projeto Alvoroço em Alvorada, iniciativa que prioriza a participação de moradores locais em filmes. “Eu havia criado a ideia do projeto em 2003, mas em 2008, depois do lançamento do livro em programas de TV, as portas se abriram”, afirma.

Evandro Berlesi com o ator gaúcho Werner Schünemann. Foto: Divulgação/Internet

As dificuldades não são apenas financeiras, mas muitas vezes sobre o descaso do poder Executivo, como conta Evandro. “Eu vivia atrás do prefeito e os secretários diziam que ele não tinha interesse no projeto. Um dia, encontrei o prefeito em uma festa e ele me disse que nunca recebeu meu recado. Até me passou o celular para falar diretamente com ele. Com o apoio do prefeito, foi fácil conseguir os primeiros patrocinadores. Inseri o prefeito no elenco exatamente para dar esta credibilidade aos possíveis investidores”, explica.

A nova geração de cineastas gaúchos conta ainda com produções premiadas. É o caso do documentário universitário Haiti — A missão de Nossas Vidas (2009), vencedor dos prêmios nas categorias Melhor de todos e Vídeo Universitário Brasileiro como Documentário, no 18º Gramado Cine Vídeo. Outro, é o filme Cromossomo 21 (2017), longa que representou o Brasil na ONU em 2017 durante o evento que tratava da Síndrome de Down. As duas obras cinematográficas são do diretor Alex Duarte, que enfrentou obstáculos para rodar Cromossomo 21.

O diretor Alex Duarte. Foto: Daniella Coriolano/Agência AL SC.

“Muitas empresas não queriam associar a marca a uma deficiência. Então a luta começou. Durante sete anos, buscamos de diversas formas viabilizar o filme. Nesse tempo, palestrei em eventos relacionados à deficiência dentro e fora do Brasil. Busquei me especializar na área e isso ajudou muito a ‘vender’ a proposta do filme para os nossos apoiadores”, afirma ele.

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Em 2015, o diretor lançou um livro duplo como sendo a extensão do filme, e que mais tarde se transformou em uma websérie chamada Geração 21. Ela foi pauta do programa Encontro com Fátima Bernardes da Rede Globo, o que contribuiu para a divulgação.

Renata Heinz, sócia da Cumbuca Filmes. Foto: Arquivo pessoal.

O mercado cinematográfico está crescendo e gerando empregos nas áreas técnica e artística, o que beneficia a economia do mercado brasileiro. Jovens estudantes buscam cursos de aperfeiçoamento, como de roteirização, edição de vídeos, atuação, entre outros. A profissionalização cinematográfica está crescendo no RS. Além disso, o avanço da tecnologia trouxe facilidades para produzir e divulgar um filme ou documentário. É o que garante a professora do curso de Realização Audiovisual da Unisinos e sócia da Cumbuca Filmes, Renata Heinz.

“A tecnologia traz grandes avanços ao fazer cinematográfico. Câmeras menores, qualidade melhor, sempre é positivo. Além disso, a tecnologia nos possibilitou um avanço muito importante através das janelas de exibição, que foram ampliadas, com a popularização do acesso a sistemas como Netflix, por exemplo”, admite Renata.

A professora reitera que o público se acostumou a pensar no cinema nacional como algo ruim, sem qualidade. “É complicado. Ficamos restritos a festivais muitas vezes. Não existe distribuição efetiva. Falta criar um público. Aqui no RS, fizemos bons filmes, longas e curtas, ficção e documentários. Mas quem vê?”, indaga.

Alinhavo, deu nó, curta dirigido pela diretora Renata Heinz (2005). Foto: Divulgação/Cumbuca Filmes.

A sócia da Cumbuca Filmes ainda dá dicas para os futuros cineastas. “Para a criação de um bom filme é necessário ter boas histórias e um olhar sensível sobre o mundo que nos rodeia. Claro que infraestrutura permite muitos ganhos, assim como conhecer os padrões de linguagem e técnica, ainda que seja para subverter tudo isso. Lembrando que nem sempre um bom filme é sinônimo de sucesso. Mas estou otimista já que muitas produções estão acontecendo e a mão de obra está se formando nas universidades”, conclui a professora.

Diferentes temas são abordados pelos produtores. O cinema gaúcho está dinâmico e diversificado. Filmes e documentários apresentam temas contemporâneos como dramas adolescentes, sexualidade e inclusão social. Filipe Matzembacher, diretor dos filmes Beira-mar (2015) e Tinta Bruta (2018), apresenta esses temas em seus filmes. O longa Beira-mar foi vencedor nas categorias Melhor Filme Novos Rumos e Prêmio Especial do Júri do Prêmio Félix no 17º Festival de Cinema do Rio.

Premiação do filme Tinta Bruta (2018). O ator Shico Menegat e os diretores Márcio Reolon e Filipe Matzembacher. Foto: Hayoung Jeon/EFE.

Já o longa metragem Tinta Bruta foi vencedor de dois prêmios importantes do festival de Berlim: o Teddy Award — para filmes de temática LGBT — e o CICAE — Art Cinema Award, concedido pela Confederação de Salas de Cinema de Arte da Europa. “Ficamos muito felizes por ter esse reconhecimento em meio a tantos títulos interessantes, e a importância desses prêmios para o lançamento comercial do filme”, afirma o diretor.

Para Matzembacher, “o Rio Grande do Sul perde em relação a outros estados por não ter uma política pública de fomento do audiovisual local consistente. Mesmo com a chegada dos cursos superiores de cinema, os governos não estão dando continuidade a um financiamento estratégico, o que fragiliza a produção cinematográfica”.

Da esquerda para a direita: Beira-Mar (2016). Foto: Divulgação. | Eu odeio o Orkut (2011). Foto: Divulgação/Cine Brasil TV.

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Vanessa Hauser
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Brazilian journalist living in Barcelona. Rebuilding a life style and trying to come back to writing as a real passion.