Dois Garotos se Beijando, David Levithan

Alex Mendes
Reticências
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4 min readMay 17, 2020

32h de um protesto narrado pelo passado

Photo by Charles Deluvio on Unsplash

Sinopse: “Dois Garotos se Beijando — Baseado em uma história real e em parte narrado por uma geração que morreu em decorrência da Aids, o livro segue os passos de Harry e Craig, dois jovens de 17 anos que estão prestes a participar de um desafio: 32 horas se beijando para figurar no Livro dos Recordes. Enquanto tentam cumprir sua meta — e quebrar alguns tabus — , os dois chamam a atenção de outros jovens que também precisam lidar com questões universais como amor, identidade e a sensação de pertencer.”

Imagine que você precisa completar uma tarefa difícil e que seus maiores obstáculos serão seus próprios limites físicos e emocionais. Agora duplique estas barreiras pelo tempo necessário para concluir a tarefa, por exemplo, 32h. Você pode até dizer: ah, eu consigo!

Será?

Será que você suportaria enfrentar o preconceito das pessoas unicamente para reafirmar seu caráter? Suportaria o ódio, a raiva, a hipocrisia e, principalmente, o medo daqueles que possuem aversão aos que fogem dos padrões sociais?

Basicamente é este o fio da história em Dois Garotos Se Beijando, de David Levithan.

Parafraseando Livros

Em Dois Garotos Se Beijando nós temos 8 principais personagens. Craig e Harry, Peter e Neil, Avery e Ryan, Tariq e Cooper. Eles são adolescentes gays que possuem relações bem distintas com o amor. A história se inicia quando Craig decide quebrar o recorde de beijo mais longo da história! Para isso, seria necessário ultrapassar 32h de um beijo contínuo. A motivação para atingir o recorde surge como protesto ao visitar Tariq, amigo gay que foi espancado covardemente.

Craig acredita que se ele mostrar ao mundo que o beijo mais longo da história é um beijo gay, as pessoas poderão se conscientizar de que gostar de garotos não os tornam sacos de pancadas. Craig convida seu ex-namorado, Harry, para lhe ajudar. Mesmo depois do término, Craig e Harry, de alguma maneira, ainda se compreendem e se consideram íntimos. E é a partir daí que o beijo passa de um simples contato físico para uma resposta simbólica à sociedade.

Ao longo da leitura os outros personagens surgem:
Peter e Neil são garotos que possuem uma relação estável , mas ainda precisam lidar com a opinião preconceituosa da família de Neil.
Avery, personagem transexual, conhece Ryan numa festa gay e ambos possuem cabelos coloridos. Os pais de Avery o apoiam em sua transição, enquanto Ryan começa a alimentar um carinho forte por Avery.
Tariq, como já dito, sentiu na pele o preconceito e é quem decide ajudar Craig e Harry no longo beijo.
E por fim, o personagem mais contrastante da história: Cooper. Ele foge de casa depois que seus pais descobrem que ele finge ser outras pessoas em aplicativos gays. Cooper possui uma necessidade grande de se sentir desejado e luta para manter seu ego nutrido com mentiras.

Quando comecei a ler Dois Garotos se Beijando fiquei um pouco confuso. Quem tá narrando? Quem falava estava flutuando, observando e se preocupando com aqueles garotos. Mas quem?
Foi no meio do livro que compreendi que a história é narrada por pessoas mortas. Pessoas que tiveram um passado e um fim triste em decorrência da Aids. Elas contam ao leitor um presente (neste caso daqueles garotos) e desejavam que o futuro fosse menos complicado. Acredito que este foi o melhor posicionamento que Levithan poderia ter dado aos narradores. Confesso que a leitura ficou um pouco mórbida quando percebi este detalhe, afinal de contas, eles morreram e estão observando os passos dos garotos, se deleitando com suas descobertas e sofrendo com as frustrações vividas por eles.

Levithan consegue em Dois Garotos se Beijando exemplificar de maneira bem clara a diversidade das relações. Em certos pontos você consegue se apegar bastante aos personagens, em outros, você percebe a atualidade do tema tratado no livro.

Sabemos que ainda é complicado se assumir. A família por vezes não aceita, os amigos fazem piadas, as redes sociais extrapolam os limites. Tudo isso se acumula e o medo e a depressão sufocam estas pessoas que só querem amar quem quer que seu coração escolha. E isso pareceu muito caro para os narradores do livro.

Em meio às oito histórias, esperava que a conexão entre os personagens fosse maior. A repercussão do beijo na TV e na internet foi o máximo que aproximou todos. Alguns poderiam estar mais próximos do centro do livro e me pareceram peças complementares. Tariq, por exemplo, é o assistente de produção durante toda a história (ele foi o estopim para Craig). A transição de Avery poderia ter sido mais abordada (uma natureza está sendo (re)definida). E Cooper? Certamente seus problemas poderão atrapalhar sua vida adulta.

No mais, a leitura é linda e cheia de um amor fora dos rótulos. É um livro que mostra as verdadeiras consequências quando se gosta de alguém, quando se vive uma mentira ou quando é preciso se aceitar para que os outros lhe aceitem também. Embora não existam capítulos, a história não me pareceu cansativa; muito pelo contrário, conseguiu me prender intensamente aos personagens e a atualidade do tema. Deveria ser uma leitura obrigatória para todos os jovens que ainda estão confusos e que necessitam de uma visão mais ampla do que é ser gay. Indico mil vezes.

Aproveite para ler outras resenhas sobre histórias LGBTQI+: Brilhante, de Renato Ritto| F5, de João Luiz| De todos os motivos, de Vitor Castrillo.

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Alex Mendes
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Written by Alex Mendes

Publicitário, nortista e designer que trabalha com UX e adora livros.