Cemitério de Consoles | Genesis Nomad (1995): um portátil à frente de seu tempo
Sucessor do Game Gear lançou mão de conceitos inovadores, mas ficou pelo caminho por conta de uma execução insuficiente.
Dizer só que o Genesis Nomad (também conhecido como Sega Nomad) foi lançado em um período desfavorável para a empresa seria um jeito muito gentil de contemplar a situação. Em 1995, a Sega encontrava-se em meio ao verdadeiro caos anunciado, no bojo do lançamento mundial extremamente problemático do Sega Saturn e com o foco da produção e venda de hardware da empresa tão dividido quanto o alto escalão administrativo, que se encontrava incapaz de tomar decisões em conjunto de forma minimamente sinérgica.
Proposto como sucessor ao Game Gear, o Nomad foi muito menos bem-sucedido do que seu antecessor, tendo ficado restrito apenas aos Estados Unidos e sendo praticamente descontinuado em menos de um ano de seu lançamento. Se o projeto contava com ideias literalmente revolucionárias e tecnologia sem paralelos para o ramo dos portáteis da época, quais foram os motivos para sua queda tão rápida para o Cemitério de Consoles?
Os últimos suspiros do Mega Drive
No ano de 1995, a Sega encontrava-se à beira de uma crise interna da qual jamais se recuperaria por completo. O lançamento mundial do Saturn foi cercado por incertezas, decisões ruins tomadas de última hora e total ausência de articulação entre os escritórios norte-americano e japonês da empresa.
Com o Mega Drive/Genesis ainda estabelecido como líder em mercados-chave como os EUA, porém gozando de pouco prestígio em terras nipônicas, coexistiam na empresa duas tendências opostas. A Sega of America tentava a todo custo estender a vida útil do Genesis, investindo pesado nos periféricos Sega CD e 32X, dois projetos que nasceram já mortos na matriz oriental. Por sua vez, a Sega do Japão estava mais do que pronta para deixar no passado seu console 16-bits e abraçar a nova era com o promissor Saturn — sem se importar muito com as especificidades dos mercados além-mar.
Mesmo com o relativo fracasso do CD e 32X em terras norte-americanas, as vendas do Genesis mantinham um ritmo constante. O maior problema nessas alturas era a migração em massa das produtoras de software para as novas plataformas. Com as tecnologias recém-lançadas consumindo tempo, dinheiro e atenção demais para manter compensador o investimento em novos jogos para o 16-bits, a Sega of America cogitava outras opções que pudessem trazer bons resultados a partir de seu produto de maior sucesso.
Outra frente que andava bastante parada em termos de software era a dos portáteis. Do lado do Game Gear, alguns exclusivos first-party pontuaram sua etapa final extraindo o máximo das capacidades do portátil, marcando bem sua diferença com o Master System. Porém, não havia grandes títulos agitando o segmento, que se encontrava assim um tanto desaquecido. Mesmo o grande sucesso da Nintendo, o Game Boy, não trazia grandes novidades e parecia já desvanecer (apenas parecia, já que naquele exato momento a Gamefreak desenvolvia um pequeno título chamado Pocket Monsters Green, que viria a revolucionar para sempre o segmento).
Foi buscando atender a ambas essas demandas que surgiu o projeto Venus. Seguindo o mesmo modelo de seu antecessor, o portátil que sucederia o Game Gear teria uma arquitetura 16-bits baseada no Mega Drive, e inicialmente foi concebido como operando a partir de uma tela de toque.
Conforme as restrições de custo ligadas à tecnologia (praticamente inédita na época) foram se fazendo sentir, a ideia foi abandonada em favor de um raciocínio mais prático: um aparelho portátil que rodasse diretamente os jogos do Genesis — sem tirar nem pôr. Capitaneado pela Sega of America, o projeto aproveitaria a onda de sucesso do console 16-bits e tentaria crescer em cima de sua marca de maior sucesso.
E o eterno guerreiro Genesis continuaria a viver alguns meses a mais. Ou não…
Dos jatos japoneses aos bolsos norte-americanos
Em 1995, possuir acesso a títulos 16-bits na palma das mãos era algo realmente impressionante. A chance perfeita para a Sega norte-americana lançar mão do projeto do tipo estava em um produto já existente no mercado japonês.
O obscuro Mega Jet era uma versão compacta e portátil do Mega Drive criada para ser utilizada em voos executivos de companhias aéreas japonesas, o qual integrava todo o console em um controle embutido. O curioso aparelho era distribuído como serviço de entretenimento de bordo, podendo ser alugado pelos passageiros da Japan Airlines e ligado em um monitor embutido nas poltronas do voo.
Apesar de ter tido um lançamento limitado para venda ao público no Japão, o Mega Jet não teve apelo o suficiente e permaneceu restrito a uma nota de rodapé no catálogo da Sega. O projeto Venus se baseou na arquitetura do modelo compacto e visou transformá-lo no sucessor do Game Gear com a inclusão de uma tela de LCD embutida, mantendo todas suas características originais.
O curioso “Sega Switch”
Assim dito, o Nomad era um Mega Drive compacto e portátil que, além da própria tela LCD, mantinha a saída de vídeo e o slot para um controle adicional do Mega Jet, podendo ser ligado a um monitor externo e utilizado como um console de mesa. Com isso, a Sega trazia ao mercado com seu assim-renomeado Nomad não apenas seu mais novo portátil, mas de certa forma tecnicamente o primeiro console híbrido da história, mais de 20 anos antes do Nintendo Switch salvar a Big N do fiasco do Wii U.
O fato de que o aparelho lia os mesmo cartuchos ROM utilizados no Mega era uma grande vantagem, que vinha remediar uma das limitações centrais do Game Gear: a necessidade do jogador comprar um novo cartucho do mesmo jogo ou, no mínimo, um adaptador externo para poder fazer uso de sua própria coleção de jogos já adquiridas. O Nomad era lançado de forma a efetivamente tirar total vantagem de ser uma versão portátil de um hardware de mesa já consolidado.
Com uma biblioteca de cerca de 500 títulos disponíveis na ocasião do seu lançamento, reaproveitando para o modo portátil os títulos já adquiridos de uma base instalada correspondente a mais de 50% do mercado, onde é que o projeto teria falhado a ponto de ser praticamente descontinuado em menos de um ano após sua estreia? O que teria levado o Nomad ao encalhe nas lojas norte-americanas, podando qualquer interesse por parte da Sega em tentar lançar o console em outras bandas do globo?
Trata-se de uma conjugação complexa de fatores, os quais podemos remeter de maneira geral a duas frentes interconectadas: a falha do aparelho em cumprir suas promessas inovadoras com excelência e a repetição de erros já cometidos com o Game Gear.
Execução prejudicada por custos e limitações tecnológicas
Apesar da ideia inovadora de um console híbrido, o espelhamento no Mega Jet cobrou o preço pela praticidade do uso do conceito na hora de colocá-lo em prática fora do contexto dos aviões. A começar pelo design robusto do aparelho, espaçoso e consideravelmente mais pesado do que os outros portáteis da época — fatores secundários para um entretenimento rápido de poucos minutos em um voo, porém determinante no conforto de seções de jogo mais longas no uso do dia a dia.
Como desdobramento disso, o fato do controle 1 se encontrar necessariamente embutido no pesado aparelho criava um problema óbvio em seu uso na modalidade “de mesa”, uma vez que era consideravelmente mais pesado e desajeitado do que um joystick tradicional para o Mega Drive — tanto cabo de alimentação quanto os cabos de vídeo permaneciam ligados à bugiganga, um verdadeiro pesadelo em tempos wireless.
Por sua vez, os pequenos ajustes necessários para a adaptação ao formato portátil também impediram que o console trouxesse compatibilidade com alguns dos principais acessórios do Mega, como o Sega CD, o 32X e mesmo o adaptador para cartuchos do Master System. Retrocompatibilidade com o Game Gear, então, nem pensar!
Assim, seu “modo docked” acabava cumprindo o papel sobretudo de quebra-galho, não sendo assim efetivamente um substituto ao Mega Drive de mesa, dada a falta de opções e limitações óbvias da versão. Tratava-se mais de uma modalidade extra mantida pela conveniência (já que fazia parte do design original) do que de um diferencial oferecido enquanto tal.
Porém, se o foco era a jogatina portátil, um antigo vilão do Game Gear se fez presente para assombrar a curta vida do Nomad: a tecnologia arcaica dos LCDs da época. Além da resolução baixa, a tela de cristal líquido do Nomad se utilizava da arquitetura mais acessível à época, o monitor do tipo matriz passiva.
Três fatores fazem com que telas desse tipo não sejam interessantes para jogos. A própria estrutura do monitor impõe o uso de resoluções mais baixas, devido à necessidade de conexões individuais para a apresentação de cada cor. O controle impreciso de voltagem causa a “contaminação” do pulso elétrico para os pixels adjacentes, tendo como resultado imagens mais embaçada do que em monitores CRT ou nos LCDs de matriz ativa. Por fim, o lentíssimo tempo de resposta causa o desagradável ghosting, fenômeno onde as imagens permanecem por uma fração de tempo a mais na tela do que o necessário, embaralhando a sensação de movimento.
Combinando esses fatores com as características que costumam ser mais valorizadas no Mega Drive fica fácil perceber o quanto a tecnologia ainda incipiente dos LCDs era impeditiva de uma experiência portátil satisfatória. De que adianta a alta velocidade e capacidade do “blast processing” se as imagens da tela acabam truncadas, dando a impressão de pouca fluidez devido ao ghosting, em títulos-chave como Sonic the Hedgehog? De que adiantam as cores vivas de um título 16-bits na palma de suas mãos, se o resultado final é praguejado por formas esfumaçadas e resolução baixa demais?
Assim, o aparelho acaba não cumprindo à altura desejável sua promessa em ser a experiência de um Genesis portátil. Somam-se a isso os conhecidos fatores adicionais envolvidos no insucesso do Game Gear: preço de lançamento muito alto (US$ 180, contra US$ 59 por um Game Boy), agravado pelo consumo recorde de pilhas: 6 baterias AA por três horas de jogo mal iluminado.
Nem mesmo a derrubada do preço em 100 dólares após apenas seis meses de lançamento foram capazes de engrenar as vendas do aparelho, que acabou descontinuado e encalhado nas lojas. Em 1999, em um cenário portátil já dominado pelo Game Boy Color e pela febre Pokémon, o Nomad saía a menos de um terço de seu preço inicial. Era o fim da curta atuação da Sega no ramo dos portáteis a qual ainda que nunca tendo superado o imbatível Game Boy, deixou sua marca junto aos entusiastas e saudosistas da marca.
Os responsáveis pelo final antecipado das viagens do Nomad foram:
→ Falta de prioridade por parte da Sega, que se encontrava dividida em pelo menos mais três frentes de hardware — sem que houvesse qualquer sinergia entre os diferentes projetos;
→ Tecnologia limitada fez com que o potencial do console enquanto aparelho híbrido fosse sabotado: nem portátil o suficiente para ser revolucionário como videogame de bolso, nem potente o suficiente para ser um substituto à altura do Genesis tradicional;
→ Tecnologia de LCD ainda limitada impunha fortes restrições à jogatina 16-bits de bolso: com muito blur, ghosting e dificuldades de iluminação, provavelmente era muito mais atraente deixar para curtir os games na boa e velha TV de tubo de casa;
→ Indisponibilidade de avanços tecnológicos fizeram o aparelho sofrer das mesmas limitações do Game Gear: preço excessivamente elevado e consumo altíssimo de baterias faziam do portátil uma opção muito pouco atraente.
No próximo texto do Cemitério de Consoles vamos conferir a história do Apple Bandai Pippin, a tentativa da Apple de adentrar o mercado dos videogames através do uso de um derivativo da plataforma Macintosh. Acompanhe o Aventurine e não perca a próxima edição da série!