Cemitério de Consoles | Genesis Nomad (1995): um portátil à frente de seu tempo

Sucessor do Game Gear lançou mão de conceitos inovadores, mas ficou pelo caminho por conta de uma execução insuficiente.

G. G. Hoffmann
Aventurine Brasil
9 min readOct 26, 2018

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Cemitério de Consoles é uma marca Aventurine Brasil. O uso sem permissão é proibido. | Sega Nomad Logo © by Sega | Gaming Room by HardwareHeaven

Dizer só que o Genesis Nomad (também conhecido como Sega Nomad) foi lançado em um período desfavorável para a empresa seria um jeito muito gentil de contemplar a situação. Em 1995, a Sega encontrava-se em meio ao verdadeiro caos anunciado, no bojo do lançamento mundial extremamente problemático do Sega Saturn e com o foco da produção e venda de hardware da empresa tão dividido quanto o alto escalão administrativo, que se encontrava incapaz de tomar decisões em conjunto de forma minimamente sinérgica.

Proposto como sucessor ao Game Gear, o Nomad foi muito menos bem-sucedido do que seu antecessor, tendo ficado restrito apenas aos Estados Unidos e sendo praticamente descontinuado em menos de um ano de seu lançamento. Se o projeto contava com ideias literalmente revolucionárias e tecnologia sem paralelos para o ramo dos portáteis da época, quais foram os motivos para sua queda tão rápida para o Cemitério de Consoles?

Os últimos suspiros do Mega Drive

No ano de 1995, a Sega encontrava-se à beira de uma crise interna da qual jamais se recuperaria por completo. O lançamento mundial do Saturn foi cercado por incertezas, decisões ruins tomadas de última hora e total ausência de articulação entre os escritórios norte-americano e japonês da empresa.

Com o Mega Drive/Genesis ainda estabelecido como líder em mercados-chave como os EUA, porém gozando de pouco prestígio em terras nipônicas, coexistiam na empresa duas tendências opostas. A Sega of America tentava a todo custo estender a vida útil do Genesis, investindo pesado nos periféricos Sega CD e 32X, dois projetos que nasceram já mortos na matriz oriental. Por sua vez, a Sega do Japão estava mais do que pronta para deixar no passado seu console 16-bits e abraçar a nova era com o promissor Saturn — sem se importar muito com as especificidades dos mercados além-mar.

Respirando com ajuda de aparelhos: em 1995, o Genesis resistia bravamente ao avanço do tempo através dos periféricos que buscavam oferecer atualizações do hardware para a enorme base instalada do console nos EUA e Europa.

Mesmo com o relativo fracasso do CD e 32X em terras norte-americanas, as vendas do Genesis mantinham um ritmo constante. O maior problema nessas alturas era a migração em massa das produtoras de software para as novas plataformas. Com as tecnologias recém-lançadas consumindo tempo, dinheiro e atenção demais para manter compensador o investimento em novos jogos para o 16-bits, a Sega of America cogitava outras opções que pudessem trazer bons resultados a partir de seu produto de maior sucesso.

Outra frente que andava bastante parada em termos de software era a dos portáteis. Do lado do Game Gear, alguns exclusivos first-party pontuaram sua etapa final extraindo o máximo das capacidades do portátil, marcando bem sua diferença com o Master System. Porém, não havia grandes títulos agitando o segmento, que se encontrava assim um tanto desaquecido. Mesmo o grande sucesso da Nintendo, o Game Boy, não trazia grandes novidades e parecia já desvanecer (apenas parecia, já que naquele exato momento a Gamefreak desenvolvia um pequeno título chamado Pocket Monsters Green, que viria a revolucionar para sempre o segmento).

Exclusivos como Sonic Triple Trouble exploravam o máximo das capacidades do Game Gear, mas eram insuficientes para reaquecer o interesse pelo portátil.

Foi buscando atender a ambas essas demandas que surgiu o projeto Venus. Seguindo o mesmo modelo de seu antecessor, o portátil que sucederia o Game Gear teria uma arquitetura 16-bits baseada no Mega Drive, e inicialmente foi concebido como operando a partir de uma tela de toque.

Conforme as restrições de custo ligadas à tecnologia (praticamente inédita na época) foram se fazendo sentir, a ideia foi abandonada em favor de um raciocínio mais prático: um aparelho portátil que rodasse diretamente os jogos do Genesis — sem tirar nem pôr. Capitaneado pela Sega of America, o projeto aproveitaria a onda de sucesso do console 16-bits e tentaria crescer em cima de sua marca de maior sucesso.

E o eterno guerreiro Genesis continuaria a viver alguns meses a mais. Ou não…

Dos jatos japoneses aos bolsos norte-americanos

Em 1995, possuir acesso a títulos 16-bits na palma das mãos era algo realmente impressionante. A chance perfeita para a Sega norte-americana lançar mão do projeto do tipo estava em um produto já existente no mercado japonês.

O obscuro Mega Jet era uma versão compacta e portátil do Mega Drive criada para ser utilizada em voos executivos de companhias aéreas japonesas, o qual integrava todo o console em um controle embutido. O curioso aparelho era distribuído como serviço de entretenimento de bordo, podendo ser alugado pelos passageiros da Japan Airlines e ligado em um monitor embutido nas poltronas do voo.

Contando com as especificações técnicas do Mega Drive e até mesmo com saída para um segundo controle, a única coisa que separava o Mega Jet de um portátil era a ausência de uma tela embutida.

Apesar de ter tido um lançamento limitado para venda ao público no Japão, o Mega Jet não teve apelo o suficiente e permaneceu restrito a uma nota de rodapé no catálogo da Sega. O projeto Venus se baseou na arquitetura do modelo compacto e visou transformá-lo no sucessor do Game Gear com a inclusão de uma tela de LCD embutida, mantendo todas suas características originais.

O curioso “Sega Switch”

Assim dito, o Nomad era um Mega Drive compacto e portátil que, além da própria tela LCD, mantinha a saída de vídeo e o slot para um controle adicional do Mega Jet, podendo ser ligado a um monitor externo e utilizado como um console de mesa. Com isso, a Sega trazia ao mercado com seu assim-renomeado Nomad não apenas seu mais novo portátil, mas de certa forma tecnicamente o primeiro console híbrido da história, mais de 20 anos antes do Nintendo Switch salvar a Big N do fiasco do Wii U.

O fato de que o aparelho lia os mesmo cartuchos ROM utilizados no Mega era uma grande vantagem, que vinha remediar uma das limitações centrais do Game Gear: a necessidade do jogador comprar um novo cartucho do mesmo jogo ou, no mínimo, um adaptador externo para poder fazer uso de sua própria coleção de jogos já adquiridas. O Nomad era lançado de forma a efetivamente tirar total vantagem de ser uma versão portátil de um hardware de mesa já consolidado.

Com um curioso design “diagonal”, o Nomad fazia milagre para tornar o Mega Jet ainda mais compacto, incluindo na jogada uma tela LCD de dimensões generosas (para a época).

Com uma biblioteca de cerca de 500 títulos disponíveis na ocasião do seu lançamento, reaproveitando para o modo portátil os títulos já adquiridos de uma base instalada correspondente a mais de 50% do mercado, onde é que o projeto teria falhado a ponto de ser praticamente descontinuado em menos de um ano após sua estreia? O que teria levado o Nomad ao encalhe nas lojas norte-americanas, podando qualquer interesse por parte da Sega em tentar lançar o console em outras bandas do globo?

Trata-se de uma conjugação complexa de fatores, os quais podemos remeter de maneira geral a duas frentes interconectadas: a falha do aparelho em cumprir suas promessas inovadoras com excelência e a repetição de erros já cometidos com o Game Gear.

Execução prejudicada por custos e limitações tecnológicas

Apesar da ideia inovadora de um console híbrido, o espelhamento no Mega Jet cobrou o preço pela praticidade do uso do conceito na hora de colocá-lo em prática fora do contexto dos aviões. A começar pelo design robusto do aparelho, espaçoso e consideravelmente mais pesado do que os outros portáteis da época — fatores secundários para um entretenimento rápido de poucos minutos em um voo, porém determinante no conforto de seções de jogo mais longas no uso do dia a dia.

Como desdobramento disso, o fato do controle 1 se encontrar necessariamente embutido no pesado aparelho criava um problema óbvio em seu uso na modalidade “de mesa”, uma vez que era consideravelmente mais pesado e desajeitado do que um joystick tradicional para o Mega Drive — tanto cabo de alimentação quanto os cabos de vídeo permaneciam ligados à bugiganga, um verdadeiro pesadelo em tempos wireless.

Por sua vez, os pequenos ajustes necessários para a adaptação ao formato portátil também impediram que o console trouxesse compatibilidade com alguns dos principais acessórios do Mega, como o Sega CD, o 32X e mesmo o adaptador para cartuchos do Master System. Retrocompatibilidade com o Game Gear, então, nem pensar!

O Nomad trouxe a interessante opção de saída para um monitor externo, mas a necessidade de uso do controle embutido acabou tornando a experiência um tanto desajeitada.

Assim, seu “modo docked” acabava cumprindo o papel sobretudo de quebra-galho, não sendo assim efetivamente um substituto ao Mega Drive de mesa, dada a falta de opções e limitações óbvias da versão. Tratava-se mais de uma modalidade extra mantida pela conveniência (já que fazia parte do design original) do que de um diferencial oferecido enquanto tal.

Porém, se o foco era a jogatina portátil, um antigo vilão do Game Gear se fez presente para assombrar a curta vida do Nomad: a tecnologia arcaica dos LCDs da época. Além da resolução baixa, a tela de cristal líquido do Nomad se utilizava da arquitetura mais acessível à época, o monitor do tipo matriz passiva.

Três fatores fazem com que telas desse tipo não sejam interessantes para jogos. A própria estrutura do monitor impõe o uso de resoluções mais baixas, devido à necessidade de conexões individuais para a apresentação de cada cor. O controle impreciso de voltagem causa a “contaminação” do pulso elétrico para os pixels adjacentes, tendo como resultado imagens mais embaçada do que em monitores CRT ou nos LCDs de matriz ativa. Por fim, o lentíssimo tempo de resposta causa o desagradável ghosting, fenômeno onde as imagens permanecem por uma fração de tempo a mais na tela do que o necessário, embaralhando a sensação de movimento.

Combinando esses fatores com as características que costumam ser mais valorizadas no Mega Drive fica fácil perceber o quanto a tecnologia ainda incipiente dos LCDs era impeditiva de uma experiência portátil satisfatória. De que adianta a alta velocidade e capacidade do “blast processing” se as imagens da tela acabam truncadas, dando a impressão de pouca fluidez devido ao ghosting, em títulos-chave como Sonic the Hedgehog? De que adiantam as cores vivas de um título 16-bits na palma de suas mãos, se o resultado final é praguejado por formas esfumaçadas e resolução baixa demais?

Os vídeos do Nomad em funcionamento mostram claramente as limitações da tela do aparelho.

Assim, o aparelho acaba não cumprindo à altura desejável sua promessa em ser a experiência de um Genesis portátil. Somam-se a isso os conhecidos fatores adicionais envolvidos no insucesso do Game Gear: preço de lançamento muito alto (US$ 180, contra US$ 59 por um Game Boy), agravado pelo consumo recorde de pilhas: 6 baterias AA por três horas de jogo mal iluminado.

Nem mesmo a derrubada do preço em 100 dólares após apenas seis meses de lançamento foram capazes de engrenar as vendas do aparelho, que acabou descontinuado e encalhado nas lojas. Em 1999, em um cenário portátil já dominado pelo Game Boy Color e pela febre Pokémon, o Nomad saía a menos de um terço de seu preço inicial. Era o fim da curta atuação da Sega no ramo dos portáteis a qual ainda que nunca tendo superado o imbatível Game Boy, deixou sua marca junto aos entusiastas e saudosistas da marca.

Os responsáveis pelo final antecipado das viagens do Nomad foram:

→ Falta de prioridade por parte da Sega, que se encontrava dividida em pelo menos mais três frentes de hardware — sem que houvesse qualquer sinergia entre os diferentes projetos;
→ Tecnologia limitada fez com que o potencial do console enquanto aparelho híbrido fosse sabotado: nem portátil o suficiente para ser revolucionário como videogame de bolso, nem potente o suficiente para ser um substituto à altura do Genesis tradicional;
→ Tecnologia de LCD ainda limitada impunha fortes restrições à jogatina 16-bits de bolso: com muito blur, ghosting e dificuldades de iluminação, provavelmente era muito mais atraente deixar para curtir os games na boa e velha TV de tubo de casa;
→ Indisponibilidade de avanços tecnológicos fizeram o aparelho sofrer das mesmas limitações do Game Gear: preço excessivamente elevado e consumo altíssimo de baterias faziam do portátil uma opção muito pouco atraente.

No próximo texto do Cemitério de Consoles vamos conferir a história do Apple Bandai Pippin, a tentativa da Apple de adentrar o mercado dos videogames através do uso de um derivativo da plataforma Macintosh. Acompanhe o Aventurine e não perca a próxima edição da série!

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