Cemitério de Consoles | Wii U (2012): um “Novo Controle” de alta definição

Com comerciais obsessivos pelo GamePad e pouco suporte de terceiros, o Wii U falhou em conquistar o interesse público.

Rafael Smeers
Aventurine Brasil
11 min readNov 1, 2018

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Cemitério de Consoles é uma marca Aventurine Brasil. O uso sem permissão é proibido. | Wii U Logo © by Nintendo | Gaming Room by HardwareHeaven

Enquanto o PlayStation Vita sofria com a falta de títulos first-party, o protagonista desta edição do Cemitério de Consoles passava pela situação oposta: a falta de títulos third-party. Criado pela Nintendo e lançado em 2012, o Wii U já dava seus primeiros passos à nossa série desde a sua apresentação, quando comerciais mal elaborados não especificavam seu posto de sucessor do Wii apropriadamente.

Enquanto o Wii havia criado um design geral inigualavelmente amigável ao usuário final, se tornando um dos consoles mais vendidos da história dos videogames, seu sucessor pecaria em títulos de terceiras e estava destinado ao perigo. O nascimento do Wii U representava o nascimento de mais um dispositivo também afetado pelo popular ciclo de “vendas prejudicadas por software e software prejudicado por vendas”.

A recorrência de “New Controller” confundia o público quanto ao que o GamePad realmente era e criava falsas expectativas em relação às suas funcionalidades finais.

Mãos ao trabalho

Com a chegada do PlayStation 4 e o Xbox One ao mercado, a Nintendo inevitavelmente também precisaria embarcar na geração dos gráficos HD. Por mais que o Wii tenha se estabelecido como fonte de renda confiável por um bom tempo (considere que jogos da franquia Just Dance são lançados para o console até hoje), várias limitações e desafios envolvendo o sistema começaram a surgir. Acomodar-se a estes acontecimentos seria abrir mão dos interesses de outros desenvolvedores e até mesmo da frequência de jogos de franquias importantes para a empresa, como The Legend of Zelda e Super Mario Bros.

Além disso, o Wii havia adquirido uma imagem de mercado de foco primário em audiência “casual”. Em comparação ao PlayStation 3 e ao Xbox 360, a ausência de funções como gráficos de alta resolução e infraestrutura de rede isolavam o console de seus competidores. Com esses pontos em mente, era hora de desenvolver um novo console de mesa.

A concepção de como seria o sucessor perfeito para o Wii gerou inúmeros debates e discussões dentro da empresa, levando à reelaboração do projeto diversas vezes. Em certo ponto, Miyamoto e seu time haviam decidido incluir uma “pequena tela com touchscreen” embutida no controle, onde informações e mensagens especiais apareceriam (de forma parecida com o VMU do Dreamcast). Só depois (quando o controle de custo ao consumidor já estava mais maduro) a ideia se expandiu à uma tela maior e que poderia reproduzir o jogo como um inteiro, dando vida ao que viria a ser o GamePad, controle padrão do console.

Em 2010, surgiam os primeiros rumores envolvendo o novo console da Nintendo, internamente denominado de Project Café (até a chegada de mudanças mais radicais como o uso do GamePad). Diante de toda a exaltação envolvendo gráficos HD, Miyamoto sempre reforçava que “a companhia é primariamente focada em gameplay”. Neste momento, estava decidido também que o suporte a controles de movimento seria mantido, mas outras funções como compatibilidade 3D foram limitadas ao crescimento do mercado: segundo Miyamoto, a função só seria implementada se o uso de televisões 3D aumentasse para ao menos 30% antes do lançamento do console.

Ao mesmo tempo em que Miyamoto já fornecia informações sucintas sobre o novo console para a mídia, Reggie Fils-Aimé mantinha a opinião de que o Wii ainda tinha uma vida longa pela frente, afirmando que um sucessor não seria anunciado em um futuro próximo. Futuro próximo ou não, no final de abril de 2011 a Nintendo divulgou a informação de que anunciaria o sucessor do Wii na E3 2011, onde seria possível experimentá-lo antes de seu lançamento, que aconteceria em 2012.

Chegado o dia da conferência, o nome oficial do resultado do Project Café era anunciado: o Wii U prometia oferecer algo novo para os consoles de mesa, segundo Reggie através de “um sistema igualmente divertido para todos, mas feito exatamente para você”. Mas a apresentação recheada de títulos third-party e poucos jogos first-party não representava bem o futuro do console.

O GamePad passou por um refinamento estético considerável até o lançamento do produto final.

Uma ideia que não agradou os acionistas

Através do que havia sido apresentado, não era exatamente possível desenhar como seria a biblioteca de jogos do console. Quanto aos jogos da própria Nintendo, sabia-se da possibilidade de novos jogos das franquias Super Smash Bros. e The Legend of Zelda (abordada em uma demonstração gráfica), enquanto New Super Mario Bros. Mii (posteriormente renomeado para New Super Mario Bros. U) estava disponível para ser jogado. Tratava-se mais de uma demonstração de conceitos de gameplay (principalmente do uso do GamePad) e das capacidades de hardware do sistema.

Enquanto isso, as third-party pareciam confiantes com os planos da Nintendo para o Wii U. O GamePad havia atraído a atenção dos jogadores, mas não dos acionistas. Dois dias depois do anúncio do Wii U, as ações da Nintendo caíram para valores nunca antes vistos desde 2006. Segundo analistas, o controle seria menos acessível e menos inovador do que o Wii Remote.

Adotando um design parecido com o de controles de televisão, o Wii Remote foi elogiado por ser uma alternativa acessível e amigável.

Já em 2012, Iwata anunciou que o Wii U iria às prateleiras no final do ano e que a compatibilidade 3D não seria implementada. Era anunciada também a Nintendo Network, rede que substituiria o uso de friend codes por contas e que seria responsável por interações multiplayer, conteúdo adicional e distribuição online de software e games. O GamePad havia sido equipado com um leitor NFC, que permitiria ao sistema interagir com cartas e figuras (posteriormente explorado através dos amiibo), além de “permitir que microtransações fossem realizadas com o simples passar de um cartão”.

A seriedade de Bill durante a apresentação da Nintendo Network era tão enigmática quanto os futuros títulos do console.

A verdade é que a obsessão da Nintendo com o GamePad era tão grande que todos haviam seus olhos voltados para ele e como vimos anteriormente, nem sempre por um bom motivo. Já começavam a pipocar dúvidas grandes (como a disponibilidade de GamePads adicionais) e que não só eram intensificadas por comerciais confusos, mas também gerariam problemas para a Big-N.

Perfil de combatente

O lançamento oficial contava com dois pacotes diferentes. O primeiro custava 300 dólares e era denominado de “Basic”, contendo um Wii U branco com 8 GB de armazenamento interno, um GamePad com stylus e um cabo HDMI. O segundo, por sua vez, custava 350 dólares e era denominado de “Deluxe”, com uma versão preta do console, uma assinatura Nintendo Network Premium , o quádruplo de armazenamento interno, uma cópia de Nintendo Land, um suporte e uma barra de sensor.

Ambas as versões são estruturalmente iguais apesar da diferença de cor.

O videogame tinha retrocompatibilidade com o Wii, conquistada através do uso de uma placa de vídeo GX. Seu hardware foi resultado de uma parceria entre a própria Nintendo, AMD, IBM e Renesas. Utilizando uma unidade de processamento denominada de “Espresso” e um chip gráfico denominado de “Latte”, o console fazia um bom trabalho e era capaz de apresentar detalhes inimagináveis no Wii.

O GamePad geralmente ficava com o jogador principal (ou com o jogador a exercer uma função especial no jogo), enquanto os outros utilizavam Wii Remotes. O próprio GamePad servia de barra sensorial para os Wii Remotes, mas era possível utilizar barras sensoriais do Wii. Com uma tela de 6.2 polegadas (que contava com resolução um pouco borrada), o controle também tinha gyro controls e recebia a imagem através de transmissões sem fio do Wii U. Apesar de não apresentar atrasos na imagem, era consideravelmente pesado e desconfortável. A câmera e o microfone foram pouco utilizados, fazendo com que o uso mais significativo das funções características do GamePad se desse em títulos como ZombiU e The Legend of Zelda: The Wind Waker HD.

A bateria recarregável tinha duração de 3.5 horas e podia ser substituída por uma bateria com duração maior. Porém, existiam dois grandes problemas, ambos por falta de planejamento de design. O primeiro deles era a impossibilidade de jogar alguns títulos somente no GamePad: quando o game continha alguma funcionalidade especial com o GamePad, isso implicava na necessidade de utilização tanto da TV quando do GamePad, tornando impossível utilizá-lo como display principal. O segundo problema ficava por conta do descontrole do jogador sobre a tela de seu GamePad: não era possível desligar a tela do GamePad para poupar bateria do controle e também não era possível utilizar um Wii Remote no posto de jogador um.

Junto do Wii U, havia sido lançado também um novo controle “profissional”: o Wii U Pro Controller. Com bateria de altíssima duração (incríveis 80 horas, dez vezes a duração do DS4), o controle posava de opção mais convencional, mas não servia para todos os jogos. Ao passar do tempo, edições especiais contendo jogos de peso para o console como The Legend of Zelda: The Wind Waker HD e New Super Mario Bros. U + New Super Luigi U foram lançadas.

No final de janeiro do ano passado, a Nintendo oficializou o fim do suporte ao Wii U. Desde então, o foco da empresa tem sido em seu híbrido Nintendo Switch.

Artilharia nem tão pesada assim

As maiores inovações do Wii U ficavam por conta de seu sistema e sua interatividade com a Nintendo Network. Em um menu principal parecido com o do Nintendo 3DS, eram apresentados ícones de aplicativos (como Netflix, YouTube e Crunchyroll) e de jogos no GamePad, enquanto as últimas novidades do Miiverse eram expostas na televisão.

O Miiverse se tratava de uma espécie de rede social para donos de Wii U que permitia acessar comunidades para compartilhar desenhos, screenshots, dicas e derivados. Em alguns jogos, estas postagens eram embutidas de alguma forma.

Apesar de ser uma ideia interessante, o Miiverse exigia enorme atenção por parte da Nintendo, que não podia contar apenas com sistemas automáticos de moderação e acabava tendo, por exemplo, de verificar denúncias do teor de spoiler de screenshots enviadas através de garrafas em The Legend of Zelda: The Wind Waker HD. Afinal, ninguém quer abrir uma garrafa no meio do oceano e se deparar com a cena final do jogo.

Através da “Garrafa do Tingle”, jogadores podiam enviar e receber mensagens de outros jogadores.

E falando em jogos, o Wii U utilizava mídias digitais e mídias físicas no formato Wii U Optical Disk, um formato de 25 GB de armazenamento desenvolvido em parceria com a Panasonic. O console continha trava de região. Para começar, podemos citar um dos problemas iniciais da biblioteca do console: o Wii Sports Club.

Se você conhece o Wii, muito provavelmente também conhece os jogos Wii Sports e Wii Sports Resorts, famosos títulos de entrada ao sistema (presentes no pacote do console). Uma versão com novos gráficos, novas modalidades e novas funções foi lançada para Wii U, denominada de Wii Sports Club. Porém, desta vez o título se distanciou completamente do teor de entrada, exigindo o pagamento de um passe diário (no valor de 1.99 dólares) que dava acesso à todos os esportes, ou de um “Club Pass” (no valor de 9.99 dólares), que permitia acesso ilimitado a um esporte. Inevitavelmente, a versão foi muito menos popular do que a de Wii.

Para piorar, o Nintendo Land, jogo responsável por substituir o posto do Wii Sports de título de entrada ao sistema, não chegava nem perto do potencial do Wii Sports e dependia muito de vários jogadores locais para ser bem aproveitado. Tratava-se de um party game com poucas atrações solo e desta forma, com péssimo fator de rejogabilidade para jogadores sozinhos.

Mas por sorte, estes não são os únicos títulos first-party dos quais podemos falar. Além de The Legend of Zelda: Wind Waker HD já citado anteriormente, New Super Mario Bros. U, Super Mario 3D World, Pikmin 3, Super Smash Bros. for Wii U, Mario Kart 8, Donkey Kong Tropical Freeze, Splatoon, Bayonetta 2 e The Legend of Zelda: Breath of the Wild foram títulos igualmente tentadores aos fãs, mas a falta de games de terceiras obrigava os interessados a terem o Wii U em conjunto a um computador, PlayStation 4 ou Xbox One.

Mario Kart 8 foi o jogo de maior sucesso do sistema, com 8.26 milhões de unidades vendidas.

Como citado anteriormente, as third-parties tinham sim grande interesse inicial no Wii U. Entre elas, a Ubisoft, Sega, Warner Bros., Activision Blizzard e Capcom. Porém, algumas delas viram-se insatisfeitas com os lucros que estavam tendo no sistema, considerando os gastos extras que tinham na produção de uma versão para o console. Com isso, o apoio third-party começou a diminuir com o tempo e se tornou uma das perturbações do Wii U.

Vale notar que o console também foi o berço dos “Nindies”, a iniciativa da Nintendo que procura abrigar jogos independentes em seus consoles. A Nintendo eShop, loja digital do console, continha um número grande de jogos independentes e eventualmente até pecou em seu controle de qualidade. Além desta opção, haviam também softwares Virtual Console de Nintendo Entertainment System, Super Nintendo, Game Boy Advance e eventualmente até Nintendo 64 e Nintendo DS.

Ao todo, 761 jogos foram lançados para o Wii U, em sua maioria títulos de exclusividade digital e fontes independentes.

Uma derrota que trouxe bons ensinamentos

O Wii U foi um ótimo campo de treino e lições para a Nintendo. Se não fosse pelo sistema, a companhia não teria cometido erros que esclareceram erros óbvios através da reclamação constante de consumidores, como o difícil acesso a GamePads substitutos. Diante da necessidade de um novo GamePad, interessados tinham de contatar a Nintendo para começar o processo de aquisição, visto que cada GamePad era atrelado ao sistema que acompanhava.

Splatoon também atuou como um belo experimento para o posterior lançamento de um jogo mais completo da franquia, Splatoon 2. Até mesmo as consequências da forma com que a empresa espalhava novos títulos por sua programação deixaram uma lição para a Big-N. Podemos afirmar com certa segurança que se não fosse pelo Wii U, o Nintendo Switch não estaria tão bem no mercado, ultrapassando o total de vendas do Wii U em nove meses de vida.

Após o sucesso de Splatoon, a Nintendo decidiu investir forças na produção de uma continuação para o Nintendo Switch.

Mesmo se formos considerar que o console tem uma boa variedade de títulos first-party, não podemos deixar de ressaltar a ausência de jogos das franquias originais de Pokémon, Animal Crossing e The Legend of Zelda (considerando que Breath of the Wild foi lançado ao fim da vida do sistema). O primeiro, em especial, poderia atrair a atenção de muita gente.

Diante das esperanças dos fãs da franquia, Animal Crossing: amiibo Festival foi um verdadeiro desrespeito ao Wii U como um todo.

Boa parte da mídia citou o videogame como o resultado de ideias incompletas e erros significativos, ressaltando a ausência de funções já comuns em seus concorrentes (como conquistas, chat em grupo e a reprodução de discos de áudio e vídeo), mesmo com as intenções da Nintendo de atingir “core gamers”. Vários componentes online também não estavam disponíveis logo que o console foi lançado, a duração de bateria do GamePad foi criticada e na maioria dos textos jornalistas ressaltavam que o console teria dificuldades em competir com o PlayStation 4 e Xbox One.

As vendas insuficientes do Wii U foram atribuídas a uma diversidade de fatores. Entre eles, os comerciais eram mal elaborados e levaram uma parte significativa do mercado a ver o sistema como um tablet ou um adicional ao Wii, ao mesmo tempo em que não havia suporte suficiente de third-parties para preencher o calendário de lançamentos. A Nintendo especulava que o Wii U venderia 100 milhões de unidades, mas o sistema teve um total de vendas de apenas 13.56 milhões de unidades. Dentre os motivos que possivelmente levaram o Wii U a ser um fracasso comercial, podemos destacar:

→ Divulgação errônea e mal elaborada;
→ Inefetividade da Nintendo em manter o interesse de third-parties;
→ Ausência de títulos first-party importantes;
→ Proveito do GamePad era desigual entre sua biblioteca;
→ GamePad posava de ideia incompleta, prejudicada por imperfeições e inacessibilidade;
→ Falta de um consenso geral quanto ao estilo de uso do GamePad;
→ Indisponibilidade de funções já básicas entre seus concorrentes;
→ Calendário de lançamentos mal planejado.

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Rafael Smeers
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