A turma do bem versus a turma do mal

Acompanhe o especial da Beta Redação sobre Direitos Humanos na série de matérias “Nós contra eles”

Gustavo Bauer
Redação Beta
3 min readDec 9, 2019

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Com André Cardoso, Arthur Menezes, Fabrício Santos, Isabelle Castro, Letícia Guintani da Costa, Mateus Friedrich, Nagane Frey e Tamires Trescastro.

Comum nas discussões que começam na ditadura e vão parar nas greves, para o dirigente do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Andrey Regis de Melo, também é preciso fazer um recorte racial para se compreender o porque da frase ser dita. “Tenho falado há um bom tempo que quaisquer problemas que tenhamos que tratar no Brasil, para que ocorra uma solução, é preciso voltar ao Brasil desde o regime escravocrata. Essa frase habita o senso comum há muito tempo, por isso a população a tem como algo verdadeiro. Aquele que caiu nas malhas do sistema policial ou do sistema de perseguição criminal, de fato deve alguma coisa para esse sistema. E se efetivamos assim a culpa, estamos desconsiderando o grande pacto constitucional feito em 1988, da presunção da inocência, de que alguém só pode ser considerado criminoso após um julgamento”, salienta.

Afirmar, praticamente, que vagabundos deveriam ser torturados, sem refletir sobre o que consideramos “vagabundos” ou mesmo sobre a desumanidade da tortura, revela uma profunda incompreensão histórica do Brasil. Andrey amplia sua análise: “nós passamos recentemente por um regime ditatorial, durante o qual havia muita supressão de garantias do cidadão. Essas garantias são reforçadas após a abertura democrática, principalmente na constituição de 1988, mas ainda habita nas instituições policiais uma outra cultura. Cito como exemplo a obrigação de o cidadão, por estar descendo do morro, ter que passar por uma barreira policial e ser submetido à busca pessoal, quando o código de processo penal diz que, para que a pessoa seja submetida à busca pessoal, é preciso que tenha uma fundada suspeita. Só que no morro todas as pessoas foram categorizadas como suspeitas. Isso é algo absurdo. Que país vai dar certo, que sociedade vai dar certo, se a sua polícia, ou seja, aqueles agentes públicos a quem foi dada a outorga para nossa proteção, categorizam alguns grupos sociais e alguns espaços urbanos como habitados por pessoas suspeitas da prática de crime?”, questiona incrédulo.

Leonardo Grison é mestre em Direito Público da Faculdade Fisul. Segundo Grison, se formos analisar do ponto de vista mais racional, o comentário no topo desta matéria não faz sentido algum. “Por exemplo: ‘ditadura só torturava quem era isso ou aquilo’, mas a tortura era proibida na ditadura também, nem na ditadura tinha lei autorizando a tortura, não importa se era isso ou era aquilo. A gente sabe que qualquer opositor político poderia vir a ser torturado e muitas vezes era o que acontecia, não só quem usava de meios violentos. Primeiramente, a gente sabe que não é verdade. E segundo que não faz sentido, mesmo que fosse um criminoso. A lei não permite a tortura e nunca permitiu”, reforça.

No caso da Ditadura Militar Brasileira, documentos comprovam que as torturas não ficaram restritas aos adversários do regime, mas que elas se estenderam a crianças. “Acho que é uma coisa da natureza humana e que essas pessoas não sabem lidar com isso, não sabem o que fazer com a sua violência. Outra coisa que sempre aparece nessas manifestações é o maniqueísmo, que é aquela coisa de reduzir tudo a uma ideia de bem e do mal. Então é como se fosse desenho de criança, que tem bem delimitado quem é o herói e quem é o vilão. Essas pessoas têm uma forma de raciocinar, de ver o mundo, bem infantil. Porque elas acham sempre isso, ‘é nós contra eles, nós somos a turma do bem, e a turma do mal são eles’”, reflete Grison.

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