Uma afirmação que legitima o preconceito

Acompanhe o especial da Beta Redação sobre Direitos Humanos na série de matérias “Nós contra eles”

Gustavo Bauer
Redação Beta
3 min readDec 10, 2019

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Com André Cardoso, Arthur Menezes, Fabrício Santos, Isabelle Castro, Letícia Guintani da Costa, Mateus Friedrich, Nagane Frey e Tamires Trescastro.

Esta já se tornou a favorita entre as falas das pessoas que têm preconceito, mas… não sabem ou não admitem. Infelizmente, é comum ouvirmos alguém recorrer a esse trecho antes de cometer algum atentado contra o bom senso. Ao comentar os prints retirados das redes sociais para a confecção desta série de matérias, o Mestre e Doutor em Sociologia, Marcos Rolim, destaca a ignorância como força motriz dessas agressões.

“Pessoas preconceituosas que compartilham afirmações homofóbicas, racistas misóginas e que manifestam desprezo pelos pobres são, em geral, pessoas que tiveram um processo de formação, na família e na escola, marcado por falhas civilizacionais. Percebe-se claramente essas lacunas nas frases selecionadas, inclusive do ponto de vista gramatical. No primeiro bloco de natureza homofóbica, uma das pessoas escreveu ‘estérica’ ao invés de histérica. Em outra postagem, essa contra os refugiados, outra pessoa escreveu ‘fassam me’ ao invés de façam-me. Não são erros comuns, do tipo que qualquer um pode cometer pela pressa ou pela desatenção. São erros mais graves, sintomas de um não saber mais amplo”, analisa.

Já o mestre em Direito Público, Leonardo Grison, avalia que as expressões preconceituosas costumam ser resultado de um pensamento maniqueísta, que transforma o diferente em força do mal. “E aí é quanto a tudo que é diferente: temos manifestação de homofobia, de intolerância religiosa, contra os refugiados, a favor da tortura. Ou seja, tudo que é diferente significa o mal, e precisa ser combatido. Quem crê nestes ditos acha realmente que, para combater o inimigo, vale qualquer coisa. Possivelmente, se essas pessoas sentarem e conversarem com quem, teoricamente, pensa diferente delas, vão ver que têm muito mais desejos em comum”, considera, esperançoso.

Rolim retoma o papel do fundamentalismo religioso na construção narrativa contrária a diversidade de gênero. “Nas falas homofóbicas, é impressionante o quanto o preconceito denota um medo inconsciente. Quem diz ‘não sou preconceituoso, mas fica longe’ teme a simples proximidade de um gay. Por que razão? A proximidade de alguém que se assume homossexual desequilibra a pessoa que anuncia precisar de distância. Por que desequilibra? O que há nessa proximidade de tão poderoso a ponto de ‘tirar a pessoa do sério’? Uma abordagem psicanalítica talvez chamasse a atenção para o fato de que a presença dessa orientação sexual distinta incomoda aqueles que não tem a sua própria sexualidade bem resolvida”, sugere.

“Em uma sociedade sem preconceitos, o tema sequer seria objeto de considerações. Em sociedades regradas por interdições arbitrárias e ameaças concretas de violência e morte contra gays, há uma escolha a fazer e ela diz respeito a assumir uma identidade gay ou não. No passado, os gays brasileiros não se assumiam como regra, porque as circunstâncias de exclusão e condenação moral eram tão avassaladoras, que a maioria dos homossexuais preferia viver sua sexualidade de forma clandestina. A experiência democrática no Brasil e a luta dos homossexuais em favor dos seus direitos civis foi alterando isso nos últimos 30 anos. Hoje, a maioria das pessoas aceita e considera normal a existência de gays. Há um grupo, entretanto, que não se conforma com isso e que expõe publicamente seu desconforto. Penso que a mensagem intolerante de algumas religiões, notadamente de alguns grupos evangélicos, tenha, nesse aspecto, um papel importante de legitimação da homofobia”, conclui o sociólogo.

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