OMBUDSMAN: O jornalismo de qualidade combate a desinformação

Em tempos de fake news, a Beta Geral apresenta produção que desafia a anticiência e desconstrói mitos sobre o uso da máscara

William Martins
Redação Beta
8 min readNov 3, 2020

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Jair Bolsonaro promove a anticiência e as fakes news, negando a relevância da pandemia no Brasil (Foto: Carolina Antunes/PR/Fotos Públicas)

A disseminação de fake news está se tornando prática cada vez mais comum. Muitos utilizam desse tipo de conteúdo para fortalecer ideologias, difamar e atacar pessoas. Mas, sobretudo, elas são utilizadas para confundir — e esta crítica a discursos sem fundamento e em defesa da informação de qualidade que faz o pano de fundo das matérias publicadas pela Beta Geral que fecham o mês de outubro. A diversidade de pautas também tornou a entrega da semana mais rica em dados e conteúdos.

O papel da imprensa sempre foi o de apurar fatos para poder torná-los públicos. Esse processo é feito com o máximo de rigor pelos jornalistas, ao menos é o que se aprende na universidade. Contudo, com o advento da tecnologia, soma-se a este papel do jornalista a função de verificar a veracidade de informações que já estão em circulação. Existem hoje agências que realizam apenas esse trabalho.

Por isso é cada vez mais latente a necessidade dos veículos, ou ao menos aqueles que desejem ter credibilidade, de fidelizar seus leitores. Não no sentido exclusivo da lógica de mercado, de apenas tratá-los como clientes, mas para compreendendo que eles devem ter acesso a conteúdos de qualidade, com informações precisas e verdadeiras. A Beta Redação é um laboratório experimental que tem essa prática como uma de suas vocações: para que estudantes de jornalismo possam se aproximar, exercitar e refletir sobre a complexidade do jornalismo.

Dessa maneira, a Beta Redação realiza um trabalho coordenado por professores, que cobram a qualidade da entrega e a apuração completa da informação. Ou seja, o processo de produção também possui uma preocupação formativa, orientada por textos de apoio e exercícios práticos desenhados a partir de várias metodologias de avaliação. Na mais relevante delas, os alunos devem propor e apresentar pautas discutidas em grupo. Neste momento, as ideias trazidas pelos repórteres são questionadas e alinhadas, conforme orientação dos professores e sugestão dos editores — colegas dos repórteres. Após uma semana, os resultados das pautas são apresentados para publicação, depois de todo o acompanhamento e suporte para construção do conteúdo realizado durante a produção. Por fim, o material é entregue para a edição final dos professores, que definem ou não pela publicação das matérias produzidas.

O exercício da opinião

Este preâmbulo foi necessário para explicar que a Beta Redação, apesar de ser um espaço experimental, possui algumas regras acordadas para auxiliar no processo formativo e de avaliação dos alunos. Um deles repousa sobre os textos do gênero opinião, publicados pontualmente, de maneira proposital.

Primeiro, o deslocamento de um repórter da produção de uma matéria para a construção de texto opinativo é sempre uma surpresa, apesar do alinhamento feito durante a reunião de pauta. Segundo: a estrutura e a intenção de um texto opinativo e de um informativo guardam diferenças. Basicamente, o primeiro é feito para convencer, o segundo para informar. Porém, o texto OPINIÃO: O perigoso ‘boom’ do movimento anticiência, do repórter Lucas Girardi Ott, faz mais: joga luz sobre assuntos relevantes, que pautam a sociedade, e na opinião deste Ombudsman deveriam ser mais incentivados e produzidos por alunos da Beta Redação — mesmo que respeitando as métricas orientadas.

O jornalismo no combate a fake news e a anticiência (Arte: Imageshack.com/Reprodução)

Compreender e interpretar os fenômenos sociais também faz parte da função do jornalista na sociedade. Por isso é importante praticar este tipo de texto argumentativo, com embasamento consistente. O texto de Lucas Ott é muito bem escrito e traz uma narrativa argumentada a partir de exemplos reais, permitindo uma leitura mais dinâmica. Contudo, sente-se a falta de um exemplo mais direto em relação ao governo federal, que é motor para o negacionismo mencionado no texto se espalhe.

“Falar de opinião é bastante delicado, pois estamos em um momento em que os ânimos ficam acirrados facilmente quando são colocadas opiniões contrárias”, avalia a leitora Claudete Morellato, orientadora educacional aposentada da rede de ensino municipal de Canoas. Ela ainda reflete: “Infelizmente o negacionismo é reforçado quando se torna pauta constante dos dirigentes do país”.

“O questionamento ao final nos deixa pensando sobre o assunto, que precisa ser debatido mais vezes, para refletirmos sobre nossas atitudes nas redes sociais. Repensarmos que tipo de conteúdo estamos consumindo, o que estamos fazendo ou propondo para combater isso”, complementa a leitora Natássia Ferreira, jornalista.

Reportagens auxiliam na formação de opinião

Já os textos informativos, que não expressam diretamente uma opinião, também acabam contribuindo para a formação dos leitores e de suas reflexões atuais sobre nossa vida coletiva. A reportagem Dossiê máscara: esclareça suas dúvidas, em uma primeira impressão, oferece a percepção de que abordará um assunto já muito falado pela mídia, que é o uso da máscara em tempos de pandemia. Porém, o texto surpreende pela estrutura e pela capacidade de elucidar possíveis dúvidas, a partir da opinião de especialistas de cada área. Por isso, textos opinativos e informativos cumprem papéis fundamentais e, no atual contexto, muito semelhantes: o da desconstrução de fakes news.

“A matéria sobre as máscaras traz muita informação e inclui também imagens bem didáticas. A reportagem serve para sanar qualquer possível dúvida sobre o uso da máscara para combater o vírus. Adorei que tenha mencionado a importância do uso, mesmo com o aumento da temperatura e a dica do umidificador”, comenta Indianara Kopplin, estudante de moda.

“Muito boas as explicações trazidas na matéria, além de continuar sendo um tema relevante e que não pode ser esquecido. Achei boa a abordagem das perguntas, saiu daquilo que já sabemos sobre o uso da máscara. De modo geral, estava boa a matéria”, avalia Natássia Ferreira.

O tema da reportagem Doação de órgãos: Aumentar a cultura da doação ainda é desafio no país, pela sua importância, terá sempre espaço para abordagem, mas a matéria consegue trazer o tema para a atualidade do momento, apresentando dados coletados durante a pandemia — e também sem se debruçar apenas nestes fatos, não fazendo da pandemia o tema central da matéria.

“Um assunto primordial em todos os tempos. O alerta da diminuição de doadores apontados na matéria é preocupante. Passamos por um período onde foram deixados de lado as campanhas para doação, e até mesmo cirurgias em função da gravidade da pandemia, tornando invisíveis problemas de saúde tão sérios”, afirma Claudete.

“Matéria bem escrita, revela a sensibilidade do jornalista ao tratar do tema da doação de órgãos. E é um assunto muito importante que precisa ser debatido entre as famílias ”, reforça a leitora Natássia.

Já em relação ao lead da reportagem Cesarianas já representam 62,84% dos partos realizados no RS em 2020, que também aborda uma questão importante, nota-se que a repórter traz dados que afirmam que o Brasil ocupa o segundo lugar do mundo em número de cesarianas, porém não apresenta o percentual, para logo em seguida fazer o recorte mostrando dados do Rio Grande do Sul. É possível sentir falta desta informação. Além disso, há uma divergência em relação ao número de partos naturais feitos no RS: no lead está 32% e na legenda da foto, 39%. Qual o correto?

Em 2019, 32% ou 39% dos partos no Rio Grande do Sul foram naturais? (Arte: Caren Rodrigues/Beta Redação)

Ainda assim, a leitora Claudete Morellato diz que ficou impressionada com o número de partos realizados por cesariana. “Matéria clara e objetiva. As imagens muito bonitas e a arte sobre o percentual fala por si. Mais uma vez nota-se a desigualdade social, uma vez que o SUS não oferece opção de escolha e realiza cesárea somente como último recurso”, comenta.

“Acredito que a relevância da reportagem fica nos dados disponibilizados, e penso que a grande maioria das mulheres não sabe que o número era tão grande de cesárias e ainda mais em casos sem necessidade”, avalia Indianara.

Mas a matéria poderia ter explicado de forma mais didática os riscos da cesariana para a mãe e para a criança. “Gostaria que tivesse algo mais explicativo sobre cada tipo de nascimento, seus prós e contras, por exemplo”, sugere a leitora Natássia Ferreira.

A reportagem Animais de zoológico estão há meses sem contato com visitantes aborda um assunto pouco lembrado pela grande mídia, apresentando a realidade dos animais e dos funcionários que seguiram trabalhando nos zoológicos durante a pandemia. Trouxe também um aspecto importante, desmistificando a ideia de que o público faz mal aos animais, porém trazendo a crítica ao modelo de zoológico presente no Brasil.

Onça-pintada, um dos animais que vivem no GramadoZoo. (Foto: Reprodução/GramadoZoo)

“Muito importante falar sobre o zoológico neste período de pandemia. Alguns assuntos ficam de lado e este não é pauta no momento. As imagens da matéria são lindas”, comenta a leitora Claudete. Ela reflete também sobre a fala de um dos entrevistados: “Importante a divulgação da reabertura e dos protocolos de segurança. Para mim, o destaque desta matéria é, sem dúvida, as informações trazidas pelo zoólogo Igor Morais, que nos alerta quando comenta que poucas instituições praticam a conservação — o que nos remete a falta de investimento e vontade política”, diz.

“A parte que mais me cativou foi que a reportagem informa a importância do estudo sobre os papéis dos zoológicos e como deveriam ter mais publicações sobre o tema. Espero que essa notícia incentive as pessoas a pensarem e apoiarem mais estudos dessa área”, reflete Indianara Kopplin.

Ainda dentro do mês temático, a reportagem Outubro Rosa: Ligas de combate ao câncer precisam de ajuda da população aborda outro tema que deve sempre ser pautado, ainda mais pelo momento que a saúde pública enfrenta. A reportagem tem uma estrutura coesa, trazendo fontes que já enfrentaram a doença e também representantes das instituições que trabalham voluntariamente pela causa.

“Achei interessante os dados que a notícia entrega, e como aborda a importância da Liga e a importante atuação dela, principalmente na pandemia, já que o índice de procura pelo exame que identifica o câncer diminuiu significativamente. Fiquei emocionada com os relatos dos pacientes. A reportagem tem um nível de importância ainda maior durante o outubro rosa”, comenta Indianara.

“Muito bonita a matéria. Trouxe a importância da conscientização sobre o câncer e que sempre é primordial o autoexame, para ficarmos atentas para qualquer corpo estranho no exame de toque. Achei um texto sensível, que trouxe um lado ‘positivo’ sobre o enfrentamento do câncer. O otimismo das pacientes e o quão necessários são os centros de apoio para as pessoas com essa condição”, afirma Natássia.

A reportagem Você sabe encontrar dados sobre a Covid-19 na sua cidade? faz um trabalho de prestação de serviço importante para a população de algumas cidades da região metropolitana. O texto apresenta informações e fontes relevantes, como a secretaria de saúde de Sapucaia do Sul. “Matéria de suma importância uma vez que existe um negacionismo em relação a pandemia. Dados de órgão oficiais como IBGE são destaque para dar credibilidade. A descrição em relação a divulgação de dados e os cards com os canais de informações são bem claros, objetivos e de fácil compreensão. Possibilitam buscar facilmente o município de interesse”, afirma Claudete.

A leitora Natássia Ferreira, moradora de Viamão, diz que o site de sua cidade não é completo, mas os dados disponíveis são atualizados diariamente. Por isso comenta: "Senti falta de um mapeamento maior, por exemplo, com dados mais gerais das demais cidades que contemplam a Região Metropolitana”, sugere.

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