É preciso lembrar que muitos fazem a leitura via dispositivos móveis (Foto: Cristian Dina/Pexels)

OMBUDSMAN: A experiência pode fazer toda diferença

Luana Rosales
Redação Beta
Published in
13 min readMay 20, 2020

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Estudos comprovam que 99% dos estudantes de jornalismo escolhem a profissão porque gostam de escrever. Os demais já desistiram. Apesar da pesquisa inventada para fins ilustrativos, não há dúvidas que a escrita é a base da profissão. Fato é, também, que um profissional da área dificilmente precisa se preocupar exclusivamente com o texto.

Na televisão, por exemplo, é preciso dar atenção às imagens e à entonação da voz, que também é muito importante no rádio ou no podcast. Tudo para transmitir a mensagem da melhor forma possível.

Quando se fala em internet, não é diferente. No on-line, entra em cena, entre outros fatores, algo chamado de experiência do usuário — que é um termo um tanto quanto autoexplicativo.

Por isso, desta vez a ombudsman escolheu ler os textos no celular ao invés do computador, uma vez que ele é o meio de acesso à internet mais utilizado pelos brasileiros, pelo menos desde 2017, para levantar mais esta reflexão — pertinente, principalmente, para levar em consideração na hora de produzir as matérias.

Apesar da menor largura da tela deixar os parágrafos mais longos, o smartphone parece fazer a leitura fluir mais rapidamente. Quanto às imagens, foi possível perceber que elas sempre ficarão na posição alinhada ao texto. Logo, quem posiciona as fotos ao lado dos parágrafos corre o risco de que elas não fiquem no local desejado quando visualizadas na versão mobile do Medium—como aconteceu na última coluna de ombudsman.

Falando nisso, a terceira entrega da Beta Redação na editoria Geral teve as fotos como um dos destaques positivos. Todas as matérias estão bem ilustradas e quatro repórteres se preocuparam em fazer fotos autorais mesmo com as limitações da pandemia. E são fotos muito boas.

Apenas vale observar que as imagens principais da crônica e do texto opinativo são muito parecidas e, ao serem posicionadas lado a lado no site, isso fica mais evidente.

Reportagens com fotos parecidas ficaram juntas no no site Foto: Reprodução/Beta Redação.

A introdução dos novos gêneros, aliás, trouxe um diferencial interessante para a terceira sequência de matérias. Outro destaque da maioria dos textos é a contextualização, que melhorou muito, principalmente com o uso dos hiperlinks ao longo dos das construções.

Desta vez, o que todas as produções tiveram em comum foram pontos positivos. Os aspectos a serem aprimorados também foram encontrados pelos leitores, mas de forma específica para cada caso.

No texto opinativo Teorias da conspiração atrapalham o combate à Covid-19, de Helen Appelt, o bom início, com o tema curiosidade, é retomado no final e poderia servir como uma espécie de fio condutor. A sua conclusão, no entanto, foi a parte mais criticada. “Penso que a conclusão tenha deixado bastante a desejar. Por mais que tenha abordado afirmações verdadeiras, as mesmas se distanciaram do tema principal: teorias da conspiração”, opina a leitora Rita Luz, que atua com revisão de textos.

Para ela, a construção ficou um tanto “truncada”, impedindo a fluidez da leitura e, por conseguinte, a sua compreensão. “A proposta do texto é interessante e oportuna, mas creio que a autora tenha se perdido na sua elaboração”.

Ao longo do texto, ela e a leitora Júlia Kunrath, gestora ambiental, tiveram dificuldade de compreensão em alguns trechos, como é o caso de: “O achismo e as aparentes relações entre fatos não são suficientes, além de mexer com o emocional humano, aproveitando-se de uma situação” e “Quereremos que as pessoas abracem a causa de combate ao vírus e às fake news do momento”.

Alguns detalhes de revisão também ficaram perdidos, como é o caso do trecho “um exemplo de para ilustrar”, e de alguns erros de pontuação. Já a ideia de trazer a curiosidade das crianças com o porquê das coisas é muito pertinente, mas foi citada duas vezes, gerando uma repetição. Por outro lado, a parte que diz “em 17 de abril, durante a pandemia”, faz parecer que a pandemia está no passado.

No geral, as informações são interessantes, mas os assuntos parecem estar um pouco misturados. Para criar uma sequência mais lógica na argumentação, uma sugestão seria construir um bloco falando sobre as pessoas que são influenciadoras, destacando a sua responsabilidade no que dizem; outro sobre o caso do Bill Gates e mais um sobre a questão emocional, por exemplo. Seria importante deixar os assuntos mais claros separadamente e ir encadeando uma ideia na outra.

Os demais pontos a melhorar se referem à língua inglesa. Seria interessante traduzir o tweet do ex-presidente do Irã na íntegra, assim como trazer o significado de Conspiracy Theories and Conspiracy Theorizing, título de artigo citado — que quer dizer Teorias da Conspiração e Teorização da Conspiração, em uma tradução livre.

Também destacam-se positivamente o fato da autora trazer os links para dar mais profundidade às informações citadas, assim como ter apresentado o vídeo que deu origem à teoria relacionada a Bill Gates. No entanto, a autora colocou o endereço do vídeo em meio ao texto e acrescentou uma imagem para representá-lo. Seria mais produtivo ter incorporado o link do YouTube diretamente no corpo da matéria, para que o leitor pudesse assistir ao material sem sair da página.

Vídeo foi inserido como imagem, e não como vídeo (Fonte: Reprodução/YouTube)

A crônica O medo que impera na pandemia, de Guilherme Pech, está muito boa, cumprindo com excelência aquilo a que se propõe, possuindo as principais características que uma crônica precisa ter, ou seja, contar histórias do cotidiano para ilustrar as opiniões do autor. O texto está muito bem escrito, com coesão e coerência do início ao fim.

Texto foi um dos que trouxe foto autoral (Foto: Guilherme Pech/Beta Redação)

O material recebeu muitos elogios dos leitores. “Gostei bastante da crônica, relata o medo que estamos sentindo, achei o texto bem envolvente”, comentou a leitora Janaína Carvalho, técnica em radiologia. Júlia também disse que adorou o tom do texto, que definiu como ácido.

Rita definiu a crônica como muito interessante e agradável. “Tirando a necessidade de algumas vírgulas ao longo do texto, não tenho nenhuma outra observação”, acrescentou.

Algo que poderia agregar ao texto seria adicionar uma leve explicação — talvez até através de links — sobre os termos The Walking dead, HP Lovecraft e Stephen King, que podem ser desconhecidos para muitos leitores.

A matéria Violência doméstica preocupa autoridades na quarentena, de Thaís Lauck, começa com números, o que não chega a ser um problema. Isso porque não se tratam de dados tão momentâneos quanto aqueles diretamente relacionados ao coronavírus. No entanto, a sugestão neste sentido seria iniciar o texto falando de Dois Irmãos e região — que é claramente o foco da reportagem — além de trazer essa informação para o título. Na sequência, seria interessante trazer o Rio Grande do Sul, o Brasil e o mundo, do local para o global.

No geral, o texto está muito bem escrito, com correção gramatical — exceto pelo estado com letra maiúscula — e ideias bem encadeadas. A leitora Rita classificou-o como muito bom, além de trazer informações muito relevantes quanto à orientações para denúncias. “A autora deste texto escreve de forma bem fluída, o que torna a leitura fácil e agradável. No entanto, acredito que deveria manter a escrita toda em terceira pessoa”, sugeriu.

Quanto aos números, ela sentiu falta de informações que justifiquem o aumento da violência mencionado. “Se somarmos os dados da tabela apresentada, os resultados de estupro e feminicídio tentado em 2020 são menores do que em 2019. Se analisarmos apenas o mês de março, houve redução para todos os tipos de violência apresentados no quadro, com exceção do feminicídio consumado, que permaneceu em 11”, observou.

Já na parte em que são trazidos os números da violência, seria interessante contextualizá-los com a população estimada de Dois Irmãos e de Morro Reuter — fazendo a relação de casos por número de habitantes e comparando-a a outros municípios. Para o leitor Maurício Renner, jornalista e editor, esses números também precisariam ser comparados com do mesmo período do ano passado para deixar a apuração mais sólida.

Com tantos dados, o uso dos infográficos foi um ponto positivo para destacar as informações que estão no texto. Neste sentido, a leitora Júlia pensa que eles poderiam ser apresentados de uma maneira mais lúdica. “Trazer uma apresentação com gráficos e outras formas de mostrar os números. Pareceu muito as tabelas de TCC que fazemos”, opinou.

Algo que também foi positivo no texto é a apresentação do serviço, com os contatos destinados a denúncias e pedidos de socorro. Todos os números de telefone citados poderiam estar destacados em uma arte, assim como foi feito com o 100 e o 180, pois isso pode facilitar que pessoas encontrem-os mais rapidamente em um momento de necessidade.

Além dos infográficos, Thais também produziu as fotos da matéria. (Foto: Thaís Lauck/ Beta Redação)

Outros dois pontos chamaram atenção na reportagem. Primeiramente, a informação de que “o último caso foi registrado no dia 3 de março”, no oitavo parágrafo, gerou dúvidas, pois este dia foi antes da declaração de pandemia e o dado acaba contradizendo informações anteriores. A segunda questão é que a abordagem sobre as crianças pode ter saído um pouco do foco, que foi a violência contra a mulher.

A matéria Área da segurança adota práticas minuciosas em meio à pandemia, de Gustavo Machado e Henrique Bergmann, traz um conteúdo original e abrange diversas áreas da segurança de uma forma que não tem sido muito vista. Apesar de ter abordado áreas distintas, como a Brigada Militar, o Corpo de Bombeiros e a Guarda Municipal, a leitora Rita considerou o texto um tanto quanto superficial nas abordagens.

O lead destaca a produção dos repórteres, mostrando um pouco do que a matéria vai entregar mais adiante. No entanto, Rita acrescenta que a abertura poderia introduzir o tema de uma forma mais abrangente. “Após ter lido todo o texto, penso que a introdução tenha sido limitada. Ela dá a entender que o texto abordará apenas questões relacionadas à higienização”, destaca.

Já Renner pensa que a abertura ficou um pouco genérica. “Talvez o texto fosse mais atrativo se começasse descrevendo o trabalho para higienizar uma ambulância e os materiais que tem dentro dela, por exemplo”, sugere.

Gustavo, um dos repórteres, fez uma ótima foto para a matéria (Foto: Gustavo Machado/Beta Redação)

Como as fontes da reportagem se expressam de uma maneira mais formal, é possível perceber que isso deixou o texto com essa característica, mesmo nos discursos indiretos. Isso aconteceu principalmente nas duas primeiras fontes, deixando transparecer que, provavelmente, um repórter fez a metade do texto e o outro escreveu a outra. Além disso, poderia ser observada uma transição mais sutil entre os assuntos.

Nesta reportagem, foram encontrados pontos de melhoria relativos à contextualização em diversas partes do texto. Uma delas é relativa às cidades de Portão e Tramandaí, que poderiam ter informações sobre localização ou número de habitantes, por exemplo. A palavra guarnição também precisava ter o significado explicado. Já na parte sobre os bombeiros, a matéria menciona as novas escalas, mas não informa como elas eram anteriormente para que o leitor saiba o que mudou.

Quanto à grafia, apareceram poucos detalhes, como vírgulas, além do uso de letra maiúscula em estado e em guarda municipal — em referência ao profissional e não à instituição.

No geral a leitora Júlia gostou da reportagem e não acrescentaria nada. Janaína, por sua vez, achou o texto bem explicativo, porém longo, que o tornou cansativo de ler.

A reportagem Inseguranças marcam o ensino na rede estadual gaúcha em meio à pandemia, de Renan Silva Neves, segue uma linha de raciocínio coerente, com fontes que trazem as diferentes perspectivas dos principais envolvidos na educação — que são professores, pais e alunos. Elas são colocadas de uma forma que a leitura flui muito bem.

Para Renner, no entanto, a abertura está focada em explicar as datas do decreto do governador e o parágrafo seguinte, em especular sobre compras de materiais de proteção. “Teria sido melhor entrar diretamente no assunto, pois a matéria tem informações interessantes sobre como escolas e pais estão se adaptando a uma realidade nova com a pandemia”, opina.

Na opinião de Rita, “o texto é bom de ler e interessante pela sua abordagem, apresentando as diferentes atuações do RS, RJ e SP”. Para ela, o tema central do texto foi justamente o comparativo entre a administração do ensino em três estados brasileiros e o título não reflete isso. Vale destacar que foi oportuno fazer essa comparação começando pelo local e ampliando para as outras unidades federativas.

Na opinião de Júlia, a reportagem poderia ter abordado a questão do acesso à internet para os alunos e para a população em geral. “Vi algumas reportagens falando justamente sobre essas dificuldades do acesso à internet, como pagar os pacotes de dados tendo em vista as dificuldades enfrentadas especialmente pelos alunos das escolas públicas”, exemplificou.

Reportagem falou sobre as escolas públicas da rede estadual (Foto: Arquivo Pessoal/Nair Lopes)

Quanto à grafia, é possível perceber problemas em relação à crase, que é utilizada incorretamente em “levar em consideração às possibilidades” e “de segunda à sexta”. Já a palavra on-line foi escrita em língua portuguesa na maior parte do texto e em uma citação aparece com a grafia inglesa.

Na reportagem Isolamento social é desafio para pais separados com guarda compartilhada, de Ketlin de Siqueira, a escolha das fontes foi a grande força. Foram trazidas duas famílias em situações diferentes e abordaram-se os aspectos jurídico, psicológico e econômico. “O texto é muito bom e bem interessante”, elogiou Rita. Como ponto positivo, também vale destacar o vídeo e as fotos produzidos pela repórter. Ela mostra que com criatividade é possível encontrar saídas para as limitações impostas pela quarentena.

Já a abordagem da pauta poderia ter algumas melhorias. O termo separados, por exemplo, poderia ser suprimido. Duas pessoas podem ter um filho e nunca terem sido casadas, nem compartilhado a mesma residência. Além disso, poderiam ser explicados mais claramente os diferentes arranjos e cenários legalmente possíveis, pois não existe somente guarda a compartilhada.

Neste sentido, Rita considerou desnecessário o último tópico abordado no texto — sobre divórcios com guarda compartilhada. “O mesmo traz dados de dois e seis anos antes da pandemia, o que diretamente, como foi apresentado, não tem nenhuma relação com o restante do texto”, aponta Rita.

A leitora pensa que os dados poderiam ter sido abordados apenas como justificativa para as mães terem mais responsabilidade de guarda do que os pais, mas de outra forma. Em oposição, Renner acredita que “os números de menores em guarda compartilhada no país poderiam ter entrado pelo menos em parte no primeiro parágrafo, para reforçar o tamanho do problema”

Neste caso, a repórter também fotografou as fontes (Foto: Ketlin de Siqueira/ Beta redação)

Pensando na estrutura da narrativa, a orientação para as crianças ficarem apenas em uma casa parece ser o mais importante. Essa informação poderia ser destacada para depois se apresentar os casos e as opiniões das especialistas.

Quanto à grafia, algumas desatenções foram percebidas. Na primeira linha do texto, falta a crase em “devido a pandemia”. Já “comunicação à distância” não tem crase. Em “Boa vista do Sul” houve o uso da letra minúscula, enquanto o termo videochamada foi escrito de forma separada. Na parte “há uma maior movimentação dos pais sem saber como lidar com essa situação”, parece haver um erro de digitação, pois o correto deveria ser “em saber”. O mesmo acontece em “ele optou por entrar em um acordou com a ex-esposa”, onde o termo certo seria acordo.

As leitoras Janaína, Júlia e Rita ainda notaram algo de errado na parte “se houver modificação nas possibilidades (rendimentos) daquele que paga a pensão e nem nas necessidades da criança que recebe o valor, deve ser mantido o mesmo pagamento da pensão”, provavelmente porque o correto seria escrever “se não houver modificação” no início da frase.

O texto ainda deixou algumas dúvidas, como a localização do município de Boa Vista do Sul e qual era o acordo entre os pais Adelar e Andreia antes da pandemia, além do significado da retranca “Recomendações a garantia dos direitos à proteção”, que não fica claro.

Conheça os leitores convidados para o conselho da Beta Geral em 2020/1

Em todos os semestres, a Beta Redação tem um conselho de leitores que opina sobre as produções jornalísticas da editoria Geral, contribuindo para a coluna de ombudsman. No período de 2020/1, quatro novos voluntários estão lendo e o ouvindo as matérias.

Conheça os componentes do conselho do leitor:

Janaína Carvalho, 47 anos, solteira, mãe de Tanise, 29 anos. Nascida em Canoas, é moradora de Nova Santa Rita. Trabalha como técnica em radiologia no Hospital Nossa Senhora das Graças, em Canoas, e cursa Gestão Hospitalar na FADERGS.

Júlia Inês Kunrath, 33 anos, solteira. Natural de Montenegro, é moradora de Canoas. Formou-se em gestão ambiental pela Unisinos, onde atualmente cursa Engenharia Ambiental. Trabalha como assistente de meio ambiente na General Motors.

Maurício Flach Renner, 39 anos, casado, pai do bebê Ingo. É natural de São Leopoldo e mora atualmente na Alemanha. Jornalista formado pela Unisinos em 2006, é sócio e editor do site Baguete, que cobre o mercado de Tecnologia da Informação.

Rita Luz, 49 anos, casada, mãe de Leonardo, 25 anos, e Pedro, 15 anos, cristã protestante. Natural de Porto Alegre, mora em Canoas há 15 anos. Formada em Processos Gerenciais pela Ulbra, cursa a segunda graduação, em Marketing, na mesma instituição, onde também se especializou em Gestão de Instituições de Ensino Superior e em Docência para o Ensino Superior. Cursa, ainda, MBA em Finanças e Controladoria pela Uniritter. Profissionalmente, atua como professora particular, além da revisão e formatação de textos e de trabalhos acadêmicos. Trabalha também como consultora de processos e finanças para o segundo e terceiro setores, além de voluntariar há mais de 20 anos em ONGs.

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Luana Rosales
Redação Beta

Escrevo, aprendo, viajo, logo existo. Não necessariamente nessa ordem.