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Black Soul
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8 min readJun 1, 2016
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Portugueses desembarcaram em nossas terras em 1500, trazendo em seus navios, o domínio sobre os povos indígenas que viviam no Brasil e, mais tarde, a escravidão da raça negra. Isso todo mundo sabe, mas o que poucos sabem, são as origens étnicas desses indivíduos. De acordo com a historiadora Marilda Soares, costuma-se dizer que os povos capturados na África são de três diferentes etnias: “mina”, “banto” e “sudanês”, mas, na verdade, não são. Apesar de serem os principais traficantes de escravos da Idade Moderna, os portugueses não conheciam os povos africanos, nem os territórios que eles penetravam, assim, escolhiam nomes para denominar o povo negro capturado.

Quanto aos negros “mina”, Marilda explica: “um negro ‘mina’, é um negro que foi capturado em sua tribo, na sua localidade, mas que foi transportado de um lugar para outro até chegar num porto, que é o porto de São Jorge da Mina, porque era uma região que ficava próxima da área de mineração”. Ainda de acordo com a historiadora, os “sudaneses”: “são todos os povos que estão na região próxima ao Sudão”, enquanto os “bantos”: “era como um dos povos africanos chamava um determinado povo; a palavra ‘banto’ nada mais é do que ‘um povo’”. Para fazer a divisão dos povos, os traficantes de escravos, começaram a designar as duas regiões abaixo do Saara: na região próxima ao Sudão, todos os povos passaram a ser chamados “sudaneses” e abaixo da região sudanesa, os povos passaram a ser chamados de “bantos”.

Foto: Divulgação

Entre os séculos XV e XVI, a escravidão corria solta em nosso país, e um dos únicos refúgios para a população negra e indígena, foram os Quilombos. O mais conhecido deles, Quilombo dos Palmares, localizou-se na Serra da Barriga, então capitania de Pernambuco, hoje pertencente ao estado do Alagoas. Comandado por uma lenda na história dos movimentos da luta negra, Zumbi dos Palmares, o maior Quilombo brasileiro, persistiu por mais de um século, tendo suas primeiras referências citadas lá por 1580, e um auge que estudos apontam ter recebido mais de 20 mil pessoas.

Durante a escravidão, por todo o território americano, escravos encontraram formas de fugir de seus senhores, buscando nos Quilombos, um refúgio, junto a outros escravos na mesma situação. Nestes lugares, sua cultura, mas principalmente, sua vida, eram resgatadas. Manifestações religiosas e musicais faziam parte do dia-a-dia do “escravo fugitivo”, que começou a trabalhar e produzir para si e sua família, dentro dos Quilombos.

Durante a invasão holandesa em Pernambuco (1630), muitos senhores de engenho acabaram por abandonar suas terras. Assim, uma grande quantidade de escravos abraçou a oportunidade e fugiu, acabando no famoso Quilombo dos Palmares. Zumbi, seu líder, fez sua força valer até 1695, quando, traído por um dos integrantes do Quilombo, foi morto pelos portugueses, tendo sua cabeça exposta em praça pública, para servir de exemplo a outros escravos. Sem a liderança de Zumbi, é por volta de 1710 que estão os últimos registros do Quilombo dos Palmares.

Ao trazer negros da África para o Brasil, evitava-se os de uma mesma etnia fossem transportados juntos, para inviabilizar a comunicação entre eles. Isto era feito para evitar, assim como nos Quilombos, formas de rebeldia e surgimento de revoltas. “Porém, isso nem sempre era possível. Nós sabemos que os malinqués, povos da região do Mali, juntos com os iorubás, são os grupos que fizeram a revolta do Malês em 1835 na Bahia. Eles falavam a mesma língua, eram todos alfabetizados em língua árabe, sabiam escrever e conseguiram se organizar para uma revolta”, afirma Marilda.

A historiadora explica também que a sociedade escravagista tinha medo desses grupos, por serem organizados, e, deste modo, foram emitidos 70 passaportes, de pessoas que tinham sido trazidas da África para Salvador e que participaram da revolta dos Malês, dando-lhes o direito de voltar para casa. “Eles conseguiram esse direito porque em 1831 saiu a primeira lei que proibia a entrada de africanos traficados como escravos no Brasil. Essa lei, que não foi obedecida, justificou o fato de que em 1835 essas pessoas se revoltaram contra sua entrada no país. Portanto, dão uma dimensão para a revolta, de pessoas negras organizadas, determinadas, alfabetizadas e conhecedoras de seus direitos”, complementa Marilda.

Mais um reflexo do conservadorismo da época, mesmo após o fim da escravidão no Brasil, em 1888, os negros que aqui viviam continuaram a sofrer castigos físicos por seus atos. “Em novembro de 1910, um grupo de marinheiros, em sua maioria negra, da Armada Brasileira, se rebelou contra o Estado, tomando o controle dos mais potentes navios de guerra que o país tinha naquele momento. Os canhões foram diretamente apontados para a sede do poder federal, presente na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, então capital brasileira”, afirma Sílvia Capanema Pereira de Almeida, doutora em história, em reportagem para o portal Uol. Os marinheiros, liderados pelo Almirante João Cândido, ameaçaram bombardear a cidade. Suas reivindicações eram simples: o fim das chibatadas.

Após quatro dias de tensão e pânico na então capital federal, o governo acatou as reivindicações dos revoltosos. No entanto, alguns dias depois, o Estado começou a perseguir os marinheiros que participaram do ato. Muitos marinheiros acabaram mortos. João Cândido, líder do movimento, virou herói. A história passou a ser conhecida como a Revolta da Chibata, e o Almirante Negro conquistou mais do que admiração, mas direitos a uma sociedade.

Foto: Arquivo do Estado de SP
Foto: Acervo Iconographia / Reminiscências

No século XX, numa sociedade ainda retrógrada em relação aos direitos dos negros, permanecem os preconceitos étnicos, tanto culturais, como raciais, mesmo que ocultados pela “democracia racial”. Segundo a historiadora Marilda Soares, a partir da Era Vargas, os negros começam a ser incorporados na sociedade, para trabalhar nas indústrias e no comércio. “Mas isso é só uma forma de ocultar a permanência dos diferentes modos de preconceitos, das diferentes formas de exclusão. Até porque, a gente precisa lembrar sempre que: ao mesmo que se criava no Brasil esse mito da democracia racial, existia também a divulgação das teses de branqueamento e as teses eugenistas”, afirma a historiadora.

Tais teses, formuladas pelos teóricos racistas, que faziam parte das estruturas de poder da época, afirmavam que o Brasil era um país atrasado economicamente, culturalmente, em função do processo de miscigenação. “Eles diziam que esse atraso, do Brasil, se devia ao fato de que sua população era constituída de uma sub-raça, mestiça, crioula. Então, a gente tem a convivência, de um lado, a prática das teses racistas e, do outro, a teoria e a propaganda política do mito da democracia racial”, complementa a Marilda.

Em virtude disso, em 1931, surge a Frente Negra Brasileira, um movimento social de São Paulo que buscou conquistar posições para o negro em todas as frentes da sociedade. O principal passo, dado em 1936, foi a representação política. A Frente proporcionou à população que à época fora marginalizada por sua cor, organização social, educação e combate ao preconceito.

Agregando diversos departamentos, dentre eles o esportivo, o musical, o feminino e o educacional, a Frente Negra funcionou como uma união para a população afrodescendente, resultando, inclusive, na filiação de outras entidades que lutavam pelo povo negro, fortalecendo ainda mais o movimento.

Em 1936, a Frente Negra se tornou um partido político. No ano seguinte, Getúlio Vargas assinou o decreto que estabeleceu todos os partidos políticos como ilegais e, assim, o movimento se dissolveu.

Mas a luta negra, muito pelo contrário, continuou. Em meio ao golpe de 64, se destacou, na Guerrilha do Araguaia, região norte do Brasil, Osvaldo Orlando da Costa. Com 1,98m de altura, o guerrilheiro foi um dos primeiros militantes a chegar à região do Araguaia, em 1967. Membro do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Osvaldo foi obrigado a viver clandestinamente após o golpe militar. Antes, porém, teve uma vida agitada, sendo campeão de boxe pelo clube Vasco da Gama, e estudante de Engenharia em Praga, atual República Checa.

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Considerado mítico e imortal pelos moradores do Araguaia, Osvaldo tinha alto conhecimento militar e de caça. Morto em 1974, aos 35 anos, foi o maior militante do Araguaia. Seu corpo foi exposto como exemplo pelos militares, enterrado e nunca mais sendo encontrado.

Mesmo com anos de luta, o preconceito racial não deixou de existir. Em junho de 1978, na cidade de São Paulo, Robson Silveira da Luiz, feirante, é acusado de roubar frutas em seu próprio local de trabalho. Foi levado para um departamento de polícia local, onde foi torturado e morto por policiais militares. Semanas depois, quatro garotos do time de vôlei do Clube de Regatas Tietê, de São Paulo, foram impedidos de praticarem seu esporte.

A semelhança entre os casos? Os envolvidos eram negros.

Dias depois, milhares de pessoas se reuniram nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo para denunciarem as discriminações raciais sofridas nestes casos, criando, assim, o Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial, posteriormente denominada como Movimento Negro Unificado (MNU).

O MNU passou a ser um ato de resistência para a população negra no Brasil, confrontando atos de racismo e discriminação racial, elaborando ações públicas, criando núcleos organizados em associações de moradores, trabalhadores, e voltados também para estudantes. Até os dias de hoje, representa o movimento trabalhando para importantes conquistas recentes, como os direitos às terras onde há remanescentes de quilombos, a criminalização do racismo, o estudo da história e da cultura afro-brasileira na Educação Básica, e as cotas raciais nas universidades federais.

Para Daniela Gomes, doutoranda em estudos africanos e da Diáspora Africana, é através destes casos que surge oficialmente o Movimento Negro no Brasil. “Ainda que desde sempre já existissem diversas entidades de luta negra, é a partir de então, que o ativismo negro passa a ser chamado de Movimento Negro”, conta.

Depois de 500 anos, a história dos negros no Brasil, às vezes, parece não ter mudado muita coisa. Lá atrás, Zumbi já lutava contra o racismo. Os incontáveis movimentos pela causa, em toda a história do nosso país, não cessaram a luta de parte da sociedade pelo fim do preconceito enraizado em nossa cultura. Veremos em Racismo, por exemplo, o quanto o mito da “democracia racial” está presente em nossa sociedade e continua a provocar embates sociais, raciais e culturais.

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