Educação

Um direito de todos

Black Soul
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7 min readMay 31, 2016

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Foto: Lucas Lima

Negros e o ensino básico

A emenda constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009 que prevê a “obrigatoriedade da educação básica dos 4 aos 17 anos” estimulou o crescimento de crianças e jovens matriculados na escola. Em contrapartida, o censo demográfico de 2010 estima que mais de 3,8 milhões de brasileiros nessa faixa etária não frequentam a sala de aula.

Infográfico elaborado no Picktochart

Então, entramos na questão do preconceito sofrido por negros na escola, que é um dos maiores motivos desse número alto de esporadicidade.

Presenciamos um crescimento das mobilizações sociais contra o preconceito e a discriminação racial. A criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNDC) e Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) foram frutos dessas mobilizações e ajudam na luta pela igualdade, mas não são suficientes.

Carla Fray, professora de história, conta que cenas de preconceito são constantes no ambiente escolar. “Nota-se que os sujeitos reproduzem de forma natural o preconceito que existe do lado de fora da instituição escolar. É algo ainda arraigado nas famílias e na sociedade como um todo”.

Para combater esse preconceito, Carla lembra algumas leis e iniciativas que estimulam a igualdade racial: “a lei 10.639/03 foi muito importante na educação e deve ser destacada: é ela que versa sobre o ensino de história, cultura afro-brasileira e africana; ressaltando a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira. Já na esfera estadual, por exemplo, há uma iniciativa realizada desde 2011, no estado de São Paulo, que visa à prevenção do bullying e preconceito racial nas escolas estaduais. ”

O ensino escolar compõe a formação pessoal do individuo, portanto a lei que ressalta a importância do ensino da cultura negra é um grande passo para quebrar essa corrente de discriminação. “Essa lei, por si só, não é capaz de erradicar o preconceito arraigado na sociedade brasileira, mas é o primeiro passo na construção de uma nova cultura educacional”, comenta Carla.

Negros e o ensino superior

Segundo a revista Fórum, mais da metade da população brasileira se autodeclarou negra, preta ou parda no censo realizado pelo IBGE em 2010. Quando comparado ao número de jovens negros nas universidades, esses números parecem exagerados. Apesar dos avanços conquistados com ajuda das cotas raciais, os dados ainda demonstram uma grande divergência entre o número de jovens negros e brancos no ensino superior. Segundo o IBGE, em 2004 apenas 16,7% dos alunos pretos ou pardos estavam em uma faculdade.

Infográfico elaborado no Piktochart

Como observamos no gráfico ao lado, em dez anos, essa porcentagem aumentou para 45,5%. Mas ainda não é o suficiente. O número de jovens negros ainda é menor do que a porcentagem dos brancos em 2004. Além disso, para cada 100 jovens formados, menos de 3, ou 2,66%, são negros, segundo a revista Fórum.

As cotas raciais geram opiniões favoráveis e desfavoráveis. Um exemplo de reação negativa às cotas raciais, foram as cenas de discriminação orquestradas na USP de Ribeirão Preto. Os jovens negros sofreram preconceito através de pichações, que mais tarde foram divulgadas em páginas nas redes sociais.

Apesar dos históricos lamentáveis, as cotas raciais vêm ajudando muitos jovens negros. A Unicamp, por exemplo, alcançou os melhores números de sua história em relação à aprovação de estudantes negros ou pardos. “A Unicamp não tem 10, 15 anos. Se isso é inédito, demonstra que as políticas de investimento em educação estão dando certo, e eu encho a boca para falar que é através da educação que mudaremos esse cenário”, diz Heitor Chagas, advogado especialista em crimes cibernéticos e membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB de Campinas.

Chagas defende a luta pela igualdade, lembrando que, segundo a constituição, todos são iguais perante a lei e estabelecer as políticas de cotas nada mais é do que cumprir com o que está previsto na constituição. “Sou a favor das cotas raciais sim, entendo que não basta igualdade, é necessária equidade, que é um princípio da qual a igualdade é extraída. A igualdade vem da equidade. Precisamos saber enxergar as diferenças, para saber tratar com igualdade aqueles que estão em situação desigual”, conta Heitor.

Confira todas as fotos da expressão dos negros na universidade

Ainda falta informação sobre a política de cotas e seu funcionamento e isso favorece a formação de um pré-conceito sobre o assunto. “Não é fácil concorrer por cota. As pessoas acham que a gente rouba vaga. A gente não rouba.” comenta Bruna Ananias, aluna de psicologia da Unimep. “Não sei até que ponto eu concordo ou discordo. Acho que o problema não está ai. O problema vem bem a fundo, vem da educação.”, completa Bruna.

Lucilaine Dias, também aluna de psicologia na Unimep, reforça: “Ou a gente toma um rumo que só vai mudar com a educação ou pode esquecer. Se continuar na educação que temos hoje, pelo menos no estado de São Paulo, pode colocar a cota que for, não vai mudar. Os cotistas são ameaçados na USP, na UNESP, nas federais, nas estaduais. Aqui mesmo em Piracicaba. Você está convivendo com pessoas que cometem esse ato. ”, lembra Lucilaine.

Beatriz Kunze, comentarista na CBN Curitiba e consultora em Tecnologia Móvel, se posiciona contra as cotas e explica que a luta contra séculos de opressão deve começar desde pequenos, em escolas. Ela exemplifica com o caso da escola Leonor Castellano, situada próxima à sua residência e eleita entre as 15 melhores do Brasil no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2013:

“Aqui no bairro onde moro, que é de classe média e média baixa, há uma escola de ensino fundamental que é uma das mais bem posicionadas no ranking de desempenho. Fica no meu quarteirão. Eu vejo todo tipo de mãe. A dondoca, a médica, a dona do mercadinho, a diarista, a balconista da farmácia. Todas com filhos estudando juntos.

São as melhores crianças do mundo que você possa imaginar. Educadas, alegres, convivem com todas as classes sociais, não discriminam ninguém. É impressionante o ambiente lá.

Só que quando elas saem do fundamental, as que têm recursos vão para as particulares e as mais pobres para as estaduais… aí cai tudo morro abaixo. As de escola particular continuam estudiosas, mas se tornam um pouco arrogantes. As da estadual não tem aulas, não são cobradas a estudar, se sentem discriminadas e começam a vandalizar as ruas e a própria escola. E aí começa o racismo também. O meu vizinho é negro e os filhos dele estão na particular. E conheceu o estigma… E o mais curioso: os colegas são os mesmo da escolinha municipal.

Eu acho que cotas em universidade é tarde demais para começar a buscar igualdade. E não acho que faz bem para a autoestima dos negros. Dos poucos negros que pelo menos pensam em Enem. Nas escolas estaduais, nem se fala em Enem. A evasão é alta e, por estarem marginalizados, esses negros sequer pensam em universidade.

Tem que começar na escolinha. E tem que ser pública, com o filho da médica e o filho da diarista estudando juntos, igual vejo aqui na minha rua. Mas não pode acabar quando as crianças fazem 10 anos! Tem que haver uma continuidade.

Por isso me posiciono contra as cotas na universidade, mas não gosto de ficar sem me aprofundar no assunto porque se eu disser que sou contra, caio na vala comum do pessoal que fala em mérito, e usa a exceção das exceções que sai em matéria do G1 como exemplo de determinação. Sou totalmente a favor do mérito, desde que haja igualdade de condições de disputa, o que infelizmente não acontece.

Gosto de pensar na questão dos negros lado a lado com a questão judaica. De cara parece que não tem nada a ver, mas tem tudo a ver! Precisou de um Hitler para o mundo acordar. Não descendo de sobreviventes do holocausto, só de perseguidos pela etnia mesmo, e até hoje isso existe na região da Bohemia, Áustria e Hungria. É triste demais. Lá até hoje há uma discriminação brutal entre sérvios, croatas etc.”

Segundo pesquisa realizada pelo Black Soul, dentre os que votaram, a maioria se posicionou a favor das cotas raciais. Confira o infográfico:

Infográfico elaborado no Canva
Enquete realizada no Twitter
Resposta à enquete

A educação é a base para a formação do indivíduo que contribuirá para a construção do futuro do país. Para conseguirmos disseminar uma nova cultura, uma cultura contra a descriminação racial, a educação precisa ser modificada.

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