“A virtude da raiva” ou como eu parei de reprimir minha raiva

Míriam Medeiros Strack
Introverso
4 min readMar 11, 2019

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Em outubro do ano passado eu li o livro “A virtude da raiva” de Arun Gandhi, neto do Mahatma Gandhi. Nesse livro ele conta como foram os dois anos em que morou com o avô e as lições que aprendeu com ele, principalmente a respeito da raiva.

O que mais me impressionou no livro foi o fato de Gandhi ter falado para seu neto que ele sentia raiva o tempo todo, principalmente perante as injustiças que ele via na Índia. O ponto é que ele não utilizava essa raiva de forma violenta, mas de forma pacífica. No livro, Arun conta inclusive alguns dos protestos pacíficos feitos por seu avô (como ir até a praia com uma multidão para pegar sal, fato que era proibido por lei para que todos fossem obrigados a comprar o sal inglês).

“A raiva, para as pessoas, é como o combustível para o automóvel. Ela nos dá energia para seguir em frente e chegar em um lugar melhor. Sem ela, não teríamos motivação para enfrentar os desafios. A raiva é uma energia que nos impele a definir o que é justo e o que não é.” Gandhi *”

No filme Divertidamente (Disney Pixar), a Alegria explica justamente que a função da raiva é essa: combater possíveis injustiças. Essa parte passa quase despercebida, pois é bem no início quando ela está apresentando as emoções. Mas está lá!

Continuando a falar sobre o livro, o tema da raiva o permeia do início ao fim, mas Gandhi fala também de outras lições que aprendeu com seu avô, como não ter medo de expressar suas opiniões e conhecer seu valor, apreciar a solidão, educar os filhos sem violência, como o desperdício é uma violência, entre outros. Recomendo a leitura!

Sobre reprimir a raiva

Há uns dois anos, fazendo terapia, eu descobri ser uma pessoa cheia de raiva reprimida, por que eu achava que sentir raiva era uma coisa ruim. Aprendemos que raiva é um sentimento negativo, não cristão e que pessoas de bem não sentem raiva, principalmente mulheres.

A raiva feminina é mais reprimida que a masculina, porque fomos ensinadas que é feio uma mulher sentir raiva e que isso não combina com a delicadeza que se espera delas (leia os textos da Furiosa sobre isso). Para os homens, a raiva é normalizada e até esperada.

Assim, além do fato de ser mulher, também há o fato de que pessoas que sofreram traumas na infância ou tiveram problemas familiares mais graves acabem sentindo mais raiva pelo que ocorreu com elas, mesmo que de forma inconsciente. Assim, reprimi em mim esses dois tipos de raiva: pelo que passei na infância e por sentir as injustiças diárias que são cometidas pelo machismo.

Além disso, eu sempre tive dificuldade em expressar minhas opiniões, principalmente quando, de alguma forma, eram uma crítica a algo ou alguém. Eu achava que a outra pessoa ficaria com raiva de mim e eu tinha medo da raiva alheia. Minhas experiências me ensinaram que a raiva poderia afastar as pessoas de mim e fazer com que elas deixem de me amar (o que não é necessariamente verdade). Para mim, no momento em que eu deixasse alguém com raiva de mim, eu “perderia” essa pessoa.

Porém, não conseguimos reprimir tudo sempre e, eventualmente, eu acabava falando o que pensava, e acabava fazendo isso de uma forma violenta, já que estava reprimindo há tanto tempo. E isso só fazia com que meu medo se concretizasse e as pessoas se afastassem de mim.

Entender que minha raiva era o medo que eu tinha de que uma injustiça fosse cometida, ou o medo que eu tinha das consequências de uma injustiça já cometida, fez com que eu olhasse para ela com mais carinho. Tanto a minha raiva, quanto a raiva dos outros. Também percebi que não necessariamente uma pessoa que te ama vai deixar de te amar porque você deixou ela com raiva. A raiva é uma emoção natural e se utilizarmos ela como combustível, como sugeriu Gandhi é possível conseguirmos mudanças.

Como usar a raiva a seu favor

Lendo o parágrafo anterior, parece até que é fácil assim conter o impeto de violência que pode vir junto com a raiva ou liberar a raiva acumulada durante anos. Para mim com certeza não foi. Porém, tive uma sugestão da minha psicóloga que me auxiliou demais! A ideia é pegar um papelão, uma revista ou um outro bolo de papel qualquer e rasgá-lo enquanto fala sobre o que você sente raiva. Isso libera a raiva reprimida no corpo, através do tônus muscular exigido, sem causar mal a ninguém.

Se você estiver usando essa técnica para liberar raivas passadas, pode ser que você precise fazer isso por várias vezes até liberar tudo. Porém, quando é algo mais recente ou algo que acabou de acontecer, rasgue o papelão até que você se sinta mais calmo e consiga enxergar o problema com mais clareza.

Quando falo enxergar o problema com mais clareza, significa encontrar o ponto que você considera injusto na situação e como isso afeta você, seus direitos, sua vida ou a de outra pessoa (por isso falar sobre o que te deixa com raiva enquanto você rasga o papelão). Tendo claro que injustiça é essa e as consequências que ela traz, você pode encontrar meios não violentos de resolver a situação, seja através de uma conversa, de ações, de comportamentos, de decisões, etc. Fazendo isso você pode então sentir raiva o tempo todo como Gandhi e usá-la como combustível a seu favor.

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Míriam Medeiros Strack
Introverso

Escritora, professora, bailarina, artista. Falo sobre consciência emocional, consciência corporal e autenticidade. Insta: @miriam.mest