Narrando segundo as regras da Pixar — Parte IV

Hades Oneiroi
Luis Storyteller
Published in
5 min readMay 10, 2020

Demorou, mas finalmente estamos de volta. Uma pandemia está acontecendo, e com ela fica muito complicado se focar em coisas como escrever artigos de RPG por passatempo. Mas uma hora o cérebro precisa descansar, então seguimos com a vida. Se você ainda não viu, já publicamos as partes um, dois e três desta extensa matéria sobre como aplicar as regras de roteiro da Pixar nas suas mesas de RPG. Sem mais delongas, retomemos nossas dicas!

#15: Se você fosse o seu personagem, e estivesse na mesma situação, como você se sentiria? Honestidade dá credibilidade para situações inacreditáveis.

#15: If you were your character, in this situation, how would you feel? Honesty lends credibility to unbelievable situations.

Ninguém precisa ser um exímio ator, fazer vozes e trejeitos para interpretar um personagem de RPG. Mas lembra quando a gente falou sobre NPCs rasos e sem personalidade? Então, isso volta aqui. Tente diferenciar quem são teus NPCs, e saiba quem são os personagens dos teus jogadores. Diferencie as vozes e objetivos dos primeiros, para saber o que acontece com eles quando as coisas vão bem ou vão mal. E planeje de acordo com a história dos segundos.

Afinal, se aquele teu personagem tem preconceito com Escandinavos porque a aldeia dele foi atacada por eles, agora é obrigado a viajar por aí com um deles, quais tensões surgem? E o que acontece se couber dentro da história do personagem que ele descubra, em uma viagem para a Escandinávia, que o irmão que ele julgou ter morrido agora vive entre aquele que ele considera seus inimigos? Quanto mais os ganchos de história se amarrarem com o background dos teus jogadores, mais sentido e importância aquela história terá para eles.

Quem tem mais motivações para resgatar a nobre donzela? Um aventureiro qualquer, ou o guerreiro perdidamente apaixonado por ela? Acho que Robert Baratheon tem uma opinião bem formada sobre isso.

#16: O que está em jogo? Nos dê uma razão para nos importarmos com o personagem. O que irá acontecer se ele fracassar? Coloque as probabilidades contra o sucesso.

#16: What are the stakes? Give us reason to root for the character. What happens if they don’t succeed? Stack the odds against.

Uma coisa que eu demorei a aprender no RPG é *quando é a hora de pedir uma rolagem?*. A resposta é mais simples do que parece. *Quando a rolagem fizer diferença*. Se você só tem uma consequência para o sucesso, e não uma contingência ou um plano para a falha, você não pede uma rolagem. Em um combate isso é fácil. Quando você acerta, você dá dano, chegando mais próximo da vitória. Quando você falha, você se expõe ao perigo, à um ataque, à possível derrota. Mas e quando você pede uma rolagem para perceber uma pista? Desativar uma armadilha? Evitar um frenesi?

Claro, isso não significa que você só vai pedir rolagens quando elas forem beneficiar seus jogadores. Já conversamos sobre isso em uma dica anterior. Mas você precisa saber pesar se aquela falha é algo que você está pronto para lidar naquele momento. Afinal, se seu grupo inteiro de heróis falhar em um teste de escalada e cair para um abismo de morte certa… Bom. Você vai ter mais trabalho ainda pensando em uma próxima aventura, com novos personagens.

#17: Nenhum material é inútil. Se não está funcionando, largue de mão e siga em frente. Ele pode ser útil mais tarde.

#17: No work is ever wasted. If it’s not working, let go and move on — it’ll come back around to be useful later.

Lá atrás a gente comentou sobre anotar suas ideias, e tirar o óbvio do caminho. Isso também volta aqui. Eu costumo dizer que RPG é 70% preparação, 50% improviso.

Se a matemática parece a do Instituto Data-Foda-se, é porque ela é. 20% do seu planejamento, ou ás vezes muito mais do que isso, vai simplesmente sair voando pela janela durante o jogo. Os jogadores tomam caminhos imprevisíveis, os dados falham com você na pior hora possível, o humor das pessoas pode não condizer com o que você preparou para aquele dia. Enfim, uma infinitude de possibilidades.

E o que você faz quando isso acontece? Joga tudo fora, rasga as anotações e vira a mesa? Não, você improvisa. E guarda aquela preparação extra toda para um dia de chuva. Normalmente aquelas anotações vão voltar para dentro do jogo, de um jeito ou de outro. Fazendo com que seu improviso nas próximas sessões seja menor. Afinal, você já tem um coelho na sua cartola, não precisa criar ele do 0 usando as esferas Vida e Matéria.

#18: Você deve saber a diferença entre dar o seu melhor e ser espalhafatoso. Histórias são para testar, não para refinar.

#18: You have to know yourself: the difference between doing your best & fussing. Story is testing, not refining.

Apesar da dica acima, às vezes tudo que você precisa é 12% de um plano.

Sério. Uma aventura toda elaborada é legal, plot twists são legais, miniaturas, mapas, props, tudo isso é legal. Mas não é essencial. às vezes basta uma ideia legal e um pouco de jogo de cintura, e você pode narrar uma aventura inesquecível mesmo assim.

É legal ler, pesquisar, aprender, conferir todos os outros posts dessa matéria. Mas você não precisa disso tudo. Claro que é fácil falar sobre improviso, difícil é fazer. E eventualmente eu posso até fazer uma matéria aqui sobre isso. Mas se você nunca tentou narrar assim, tente. Se tudo der certo, vai te fazer perceber que narrar não é tão difícil assim quanto alguém que escreve um artigo em 5 partes faz parecer ser. E se tudo der errado, você vai saber quais são seus pontos fracos, e onde melhorá-los. Com sorte, utilizando algumas das ficas que demos até aqui.

Tente. Experimente. Se jogue. Faça.

Por hoje é isso. Fique em casa, se cuidem, e até a próxima — e última- parte!

Parte 5: https://medium.com/bibliotecadasancestrais/narrando-segundo-as-regras-da-pixar-parte-v-o-final-c89508ef1127

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