Narrando segundo as regras da Pixar — Parte V — O Final

Hades Oneiroi
Luis Storyteller
Published in
4 min readMay 18, 2020

E como tudo nessa vida uma hora acaba, nós FINALMENTE chegamos ao final essa matéria. Como o usual, as partes um, dois, três e quatro podem ser lidas nos respectivos links. Não existe uma ordem exata, mas existe uma construção lógica em cima de algumas das dicas. Então vai lá conferir depois de terminar de ler essa aqui.

#19: Coincidências que colocam os personagens em problemas são ótimas; as que os tiram deles são trapaça.

#19: Coincidences to get characters into trouble are great; coincidences to get them out of it are cheating.

Você provavelmente já ouviu falar sobre Deus Ex Machina. Se não ouviu, em resumo, se trata de uma ferramenta narrativa onde um evento, personagem ou artefato surge sem introdução prévia e salva o dia. No teatro grego, significa literalmente que um deus descia à cena e resolvia o problema, independentemente das ações dos personagens até alí. Se você está acompanhando de perto esses artigos, já entendeu por que isso é ruim. Se não, vamos lá.

Os jogadores precisam de merecer o desfecho da aventura. O esforço deles, suas idéias e sacrifícios precisam ser recompensados. Se um NPC surge do nada para salvar o dia, isso tira o protagonismo e a agência dos personagens. E isso compromete muito a experiência do jogo. A maior graça do RPG é exatamente você ter agência sobre o mundo e escolher o que vai fazer. Sem “barreiras invisíveis” de videogames. E, claro, colher os frutos e as consequências de suas próprias decisões.

Se você realmente precisar tirar uma carta da manga pra salvar os personagens — se é que esse é seu estilo de narrativa. às vezes seu grupo prefere perder os personagens e começar de novo, e tudo bem também. — o ideal é sempre buscar uma forma de essa situação ser um payoff de algo que os jogadores fizeram anteriormente. Quem sabe aquele mercante que eles salvaram no passado não fosse apenas um simples mercante? Ele aparece para empurrar os personagens na direção certa, mas nunca para resolver o problema por eles.

#20: Exercício: Separe os blocos de construção de um filme que você não gosta. Como você os reorganizaria em algo de que você gostaria?

#20: Exercise: take the building blocks of a movie you dislike. How d’you rearrange them into what you DO like?

Aqui vou dar um conselho que eu demorei muito para receber, e ainda mais tempo para seguir. Reveja suas aventuras passadas. Não só faça anotações sobre tudo que aconteceu de bom ou ruim e repense em como poderia ter sido diferente ou como você poderia ter feito melhor. Se puder, grave teus jogos, dê um tempo para tirar os acontecimentos da sua mente, e depois veja de novo. Assim você vai perceber muito mais facilmente onde você está errando, e o que está fazendo bem.

Aliás, não precisa ser só com os seus jogos. Aproveite a tecnologia disponível que temos, e veja streams, ouça podcasts com jogos. Veja o que você faria diferente desses narradores. Veja o que gostaria de aprender com eles, também. Isso vai fazer com que seu processo seja muito mais consciente, e você perceba erros muito mais rápido.

#21: Você deve se identificar com as situações e seus personagens, e não escrevê-las “maneiras”. O que TE faria agir dessa forma?

#21: You gotta identify with your situation/characters, can’t just write ‘cool’. What would make YOU act that way?

A lição básica aqui, pra mim, é a empatia. Não jogue nunca contra seus jogadores. Seu objetivo não vê-los sofrerem, perderem personagens ou saírem da mesa chateados com você. Como você gostaria que alguém narrasse para você? Tente manter isso em mente, e ser o narrador com quem você gostaria de jogar.

#22: Qual a essência da sua história? Qual a forma mais curta de contá-la? Se você souber a resposta, pode começar a construí-la a partir daí.

#22: What’s the essence of your story? Most economical telling of it? If you know that, you can build out from there.

Agora que você já tem todo o caminho das pedras pra pensar na sua próxima aventura, faça um pequeno exercício. Você vai narrar pra pessoas que nunca viu antes, e não sabe previamente como são. Você precisa apresentar sua ideia pra elas de uma forma simples, rápida e eficiente. Você precisa deixar claro logo de início qual a sua ideia geral, pra não haver falha de comunicação e ninguém sair decepcionado.

Qual seu cenário? O foco da sua aventura é em política, em combate, em algum outro tema? É um jogo letal, ou os heróis nunca morrem? O mundo é sombrio e não perdoa nenhum tipo de erro, ou existe espaço para arcos de redenção? O que é importante que seus jogadores saibam sobre o mundo, sobre você e sobre seu estilo de narrativa? Alinhe sua expectativas com as deles. Isso vai evitar frustrações para ambos os lados.

E o mais importante de tudo. Comece.

Ufa! Finalmente acabamos. Obrigada por ter me acompanhado até aqui!

Algumas dessas dicas não são só para vocês. Elas são para mim mesma, também. Eu refleti sobre alguns temas e aprendi ao longo desse processo. Novamente, essas são as minhas interpretações sobre o roteiro de criação da Pixar. Você pode certamente ter interpretado alguma dessas coisas de forma diferente, e eu adoraria ouvir sua opinião nos comentários. No mais, eu espero que estes artigos tenham ajudado alguém a refletir sobre construir uma narrativa no RPG, e nos vemos na próxima!

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