Você escreve como um amador ou como um profissional?

Porque ler muito e escrever muito não é o suficiente para ser um bom escritor.

Tales Gubes
Ninho de Escritores
5 min readJul 5, 2017

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Há três anos, meu trabalho é criar experiências de aprendizagem que efetivamente ajudem as pessoas a escrever melhor. Isso tem me levado a desenvolver novos exercícios, como a escrita de observação, e novas práticas, como o mapa da narrativa. Meu trabalho também me leva a ler muito sobre aprender a escrever, tanto em português quanto em inglês (e às vezes traduzo alguns textos que acho bacanas). Em geral, nos textos que leio, dois conselhos se destacam: ler muito e escrever muito.

O problema é que esses conselhos, embora bem intencionados, são insuficientes.

Simplesmente ler muito e escrever muito pode até nos ajudar a criar o hábito da leitura e da criação literária, mas faz relativamente pouco pela nossa habilidade. Se você devora 10 livros por mês, parabéns, você certamente terá um currículo extenso de leituras e absorverá algumas ideias, mas o quanto podemos dizer que você aprendeu com a estrutura fina da escrita? Se você escreve 5 mil palavras todos os dias, quanto tempo cada palavra está merecendo nos seus pensamentos?

Já escrevi sobre o tipo específico de leitura que bons escritores fazem, então neste texto vou me concentrar no conselho sobre escrever como um escritor.

Fonte: https://www.flickr.com/photos/simpleromance/6078108578/

A diferença entre escritores amadores e profissionais

É importante escrever nossos textos e histórias e colocá-los no mundo? Sem a menor dúvida! Hoje, contudo, quero comentar sobre um exercício de escrita que nos ajuda a escrever melhor, em vez de escrever mais. Esse exercício demanda reduzirmos a quantidade para aprofundarmos na qualidade.

Um bom texto é intencional. Isso significa que suas palavras são escolhidas por oferecerem o melhor encaixe naquela frase e naquele texto. Essa é a primeira regra do exercício que vou apresentar: a escolha das palavras deve ser intencional.

Se você quer escrever de qualquer jeito, está tudo bem. Contanto que seja uma escolha, você pode fazer o que quiser. O meu problema com a escrita ligeira e despreocupada começa quando não sabemos fazer de outra forma. Quando tudo o que conseguimos escrever se encerra na velocidade do fluxo, a tendência é recorrermos aos mesmos recursos e ideias às quais já estamos acostumados — porque é fácil.

Dizem que a diferença entre um escritor amador e um profissional está no ponto final. O amador acredita que terminou seu trabalho no momento em que alcança o ponto final de seu texto. O profissional, por sua vez, reconhece ali o início do seu verdadeiro trabalho.

Um exercício para escrever com mais consciência

Venho aprendendo a desenhar. Um segredo para o desenho é que, antes do traço no papel, nós aprendemos a olhar melhor. Penso que o mesmo é válido para música, perfume, gastronomia etc.

Aprender a escrever é aprender a ler melhor. Portanto, o exercício que agora apresento depende muito da capacidade de leitura que desenvolvemos.

Para fazê-lo, você vai precisar de:

  • um texto que você gosta muito;
  • uma folha de papel;
  • um lápis ou caneta.

Releia o texto que você gosta muito. Sem medo: leia devagar, reimagine as cenas e se delicie com as metáforas. Pode não parecer, mas você está trabalhando.

Depois de reler, escolha um parágrafo do texto. De preferência, um parágrafo que tenha uma descrição interessante, uma metáfora instigante, um ritmo bacana, algo que você aprecie na leitura e gostaria de fazer igual.

Usando seu lápis ou caneta, copie o parágrafo na folha de papel. Isso mesmo, você leu certo, copie palavra por palavra. Se quiser fazer esse exercício no nível mais avançado, copie uma palavra, inspire, expire, copie a próxima, inspire, expire… até terminar.

Pronto: você acabou de escrever um parágrafo que gostaria de ler. Se já escreve há algum tempo, você sabe o quanto isso é difícil.

Depois de copiar o texto, é hora de adicionar o seu tempero. O passo seguinte é substituir as palavras. Cada uma delas deve ser trocada por outra palavra que desempenhe o mesmo papel. Para quem entende de classe gramatical e estrutura sintática, isso é ainda mais específico: troque adjetivo por adjetivo, verbo no passado por verbo no passado etc.

Se você é como eu e sempre tropeça na hora de reconhecer o nome das coisas, não tem problema. Você não precisa entender de gramática para fazer esse exercício, você precisa apenas saber ler. Com o que você já sabe, dá para aprender todo o resto que necessita.

Ao final, você terá um parágrafo novo. Ao lê-lo, poderá analisar se ele manteve o efeito que você sentia antes e averiguar o que mudou.

O segredo deste exercício é pensar sobre as palavras e o que elas estão fazendo na exata posição que ocupam. Em um encontro recente do Círculo do Ninho de Escritores, trabalhamos com um parágrafo do livro O perfume, de Patrick Süskind:

Gritaria, correria, para em círculo a multidão de olho arregalado, busca-se a polícia. A mulher continua, com a faca na mão, deitada na rua; lentamente, recobra os sentidos.

Cada participante reescreveu à sua maneira e nós aprendemos sobre ritmo, pontuação e formas de conectar e substituir palavras (por rima/sonoridade, por significado, por oposição etc.).

O objetivo não é escrever um bom parágrafo. Não estou dizendo que você escreverá um best-seller se copiar e modificar Harry Potter. Contudo, este exercício permite tomar consciência das escolhas que tornam um texto capaz dos efeitos que ele produz.

É possível realizá-lo de diversas formas. Você pode:

  • escolher uma frase e reescrevê-la diversas vezes, mantendo as palavras em seu lugar;
  • reescrever uma frase, sem observância de tamanho ou posição das palavras, mas mantendo sempre o mesmo sentido;
  • ler a definição do dicionário de cada palavra em uma frase;
  • trocar cada palavra por um sinônimo, quando possível;
  • trocar cada palavra por um antônimo, quando possível.

O importante é brincar com o texto e rearranjar sua estrutura para entendê-la e dominá-la. De pouco em pouco, sem perceber, você internalizará algumas perguntas essenciais para a escrita, como “essa é a melhor palavra para ser colocada aqui?”.

Com essa prática, talvez você não termine o ano tendo lido 100 livros, mas poderá aprofundar muito sua relação com os livros que ler.

Com essa prática, talvez você não escreva 100 livros em um ano, mas poderá escrever um texto, conto ou romance bem pensadinho, cuidadoso, daqueles que nos enchem de orgulho (e leitores).

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Tales Gubes
Ninho de Escritores

Um olhar não-violento para uma vida mais livre, honesta e conectada. Criador do Ninho de Escritores, da Oficina de Carinho e do Jogo pra Vida.