Cartões-postais digitais (e atrasados)

Em 2020 a maioria das viagens foram canceladas ou adiadas

Regiane Folter
Revista Passaporte

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Então nós, viajeiros de plantão, não tivemos opção além de sonhar com aventuras futuras. Ou relembrar viagens já vividas com álbuns de fotos (digitais ou analógicos) e a boa e velha imaginação. Pelo menos essas foram as minhas ferramentas para acessar memórias de viagens passadas e desfrutar de uma nostalgia gostosinha.

Se você for dessas que tem o costume de relatar suas andanças por aí em diários de viagem, eu tiro o chapéu! Sempre quis registrar minhas viagens em papel — afinal de contas, escrever é uma das minhas atividades preferidas. Curiosamente, nunca consegui fixar o hábito de levar adiante um diário de bordo. Acho que me emociono tanto em uma viagem, me sinto tão cheia de energia e expectativas pelas coisas que vou fazer, que simplesmente me esqueço de escrever sobre o que estou vivendo. Somente vivo. O pouco que escrevo se resume a listas de lugares a visitar e mapas conectando todos os locais que quero ver.

Para suprir essa falta, o que sim faço é colecionar pedacinhos físicos de cada viagem. Além de tirar muitas fotos e depois imprimi-las, guardo entradas de museus, papeis de restaurantes, folhetos diversos, sempre pensando que esses objetos vão ser formas de voltar no tempo e relembrar de detalhes que com os anos inevitavelmente termino esquecendo. Tanto colecionei que hoje a gaveta do meu criado-mudo está repleta de papeis de lugares onde estive e coisas incríveis que vi. Abro a gavetinha e viajo para minha Nárnia particular.

Minha Nárnia particular

Ano passado visitei minha gaveta de memórias (tanto a física como a biológica, também conhecida como cérebro) em diversas ocasiões. 2020 foi difícil, muitas vezes sombrio e solitário, emoções bem diferentes das que sinto quando viajo. Claro que algumas vezes durante as viagens que fiz vivi momentos complicados — muitos dos meus destinos foram um pouco hard core! Mas mesmo os desafios tinham um sabor doce, porque em cada experiência vibrava com a alegria típica do desbravar e conhecer paisagens nunca sonhadas dentro e fora de mim.

Outro hábito que nunca consegui adquirir, mas que sempre achei legal, é o de enviar cartões-postais. Que lindeza deve ser receber pelo correio um desses postais bonitões de alguém que amo e que está do outro lado do mundo — e, mesmo assim, olha só que simpática, lembrou de mim! Que chique ver o selo e o remetente num idioma diferente e pensar o quanto aquele pedaço de papel viajou para chegar até a porta de casa. Nem preciso dizer que nunca mandei nem recebi um postal. Nunca lembrei! Mas gostaria de remediar ao menos um pouco essa situação.

Sei que não posso voltar no tempo para viver novamente as viagens que me marcaram e assim ter uma nova oportunidade de enviar cartões-postais pra geral. Porém, com minhas memórias, fotografias e todas aquelas fontes de lembranças que mencionei antes, sei que posso reviver minhas viagens escrevendo sobre elas. Cada lugar que conheci me mudou, transformou quem eu era e como me relacionava com os demais. Por isso não é difícil me transportar mentalmente para cada lugar que visitei e reconhecer as pessoas que foram importantes para mim naquela experiência. Todas elas merecem, ainda que um pouco atrasado, um cartão-postal digital.

Então vamos lá!

Provavelmente aquela que mais receberia cartões-postais meus e que a essa altura já teria uma belíssima coleção é a minha mãe. Essa mulher sempre foi a que mais me apoiou e incentivou a viajar. Além do que, muitas vezes também foi a pessoa que investiu para que meus sonhos virassem realidade. Minha melhor amiga, a pessoa que levo comigo a qualquer lugar que vou. Sinto uma necessidade enorme de tirar fotografias (reais ou imaginárias) de tudo que vejo para poder contar a ela depois.

Outras pessoas também merecem uma lembrancinha. Da Turquia, mandaria um lindo cartão mostrando uma das mesquitas que visitamos à menina que naquela época era minha melhor amiga e que esteve do meu lado nessa aventura, a primeira de todas. Do Egito, enviaria um cartão-postal ao rapaz que foi meu primeiro grande amor. Pra compartilhar com ele todas as mudanças que esse intercâmbio gerou em mim e que, embora não continuamos juntos, eu aprecio o que vivemos. Da Inglaterra, um cartão cheio de clichês londrinos para a minha teacher. Com ela aprendi o inglês que me permitiu viver tantas experiências internacionais. Da Argentina e da Itália, dois super cartões-postais para meu irmão. São lugares que sempre me fazem pensar nele e em como se encontrou nesses destinos. Quem sabe não voltarão a aparecer em seu itinerário?

Aqui do Uruguai, onde de visitante virei residente, mandaria cartões-postais para a minha vó e vôs do lado materno. Gostaria de compartilhar com eles a pessoa que me tornei e a vida que escolhi viver. Gostaria que se sentissem orgulhosos de mim. Da Colômbia, mandaria uma variedade de cartões coloridos e alegres a todas as minhas amigas. Já estive duas vezes lá e me apaixoneu por sua cultura, ritmo, leveza e boa energia… Queria que minhas migas vivessem essa mesma emoção comigo. Da Guatemala, mandaria alguns cartões muito especiais às mulheres que foram minhas líderes. Estar naquele país pelo cargo que ocupava naquele momento só foi possível graças a elas e a como me inspiraram.

Lá da Alemanha, mandaria um cartão ao meu pai e meu avô do lado dele. Gostaria que soubessem que conheci um pouquinho mais das minhas raízes e que Berlim é uma cidade fascinante. A mesma coisa faria lá da Espanha: um cartão para minha vó do lado paterno, que tinha sangue espanhol. Gostaria de contar a ela que amei cada pedacinho do seu país e a comida então, meu Deus… Da França, mandaria um cartão postal super romântico e brega para o homem que é meu companheiro mais amado e leal. Afinal de contas, foi lá que descobri que se tornaria meu marido!

De Nova York, mandaria um cartão à mulher que fui. Quando cheguei a esse destino estava destroçada por distintas razões. Me sentia tão perdida, tão diminuida… Gostaria de ter sido mais carinhosa comigo mesma naquela época. Da Índia, mandaria um cartão-postal para a mulher que sou hoje. Uma das viagens mais difíceis que realizei também foi a que mais me mostrou como a dificuldade forjou meu caminho e me motivou a seguir em frente, lutando para mudar o que queria mudar.

Não é que entre as palavras que criei e as imagens que vi consegui realizar a sonhada viagem no tempo e revisitar essas experiências tão boas? Prometo solenemente não perder oportunidades no futuro e ser mais atenta para que os próximos cartões-postais assinados por mim sejam reais e cheguem às mãos de seus devidos destinatários. Acho que depois de 2020 todos estamos aprendendo a valorizar mais algumas coisas, entre elas a delícia que é viajar e compartilhar nossas jornadas com as pessoas importantes da nossa vida.

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Regiane Folter
Revista Passaporte

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros