de barco #4

Café das sete
Revista Passaporte
Published in
9 min readJun 23, 2019

Oi! Esse é um diário de viagem, temos parte 1, 2 e 3

09/01/2019
rondônia

Acordei as 6hrs. Não sei se é a diferença do fuso (por exemplo agora, enquanto escrevo, são 19h52min, mas eu estou morrendo de sono, porque em BH seriam 21h52min). Mas, acordei cedo, fiquei assistindo série até dar hora do café. Numa mesa falavam inglês, numa outra português. E em outra uma língua que não sei qual é. Tomei um café reforçado. “You can put your toast?” Um banho e parti do hostel Manaus em direção ao porto. No táxi, Elaine, mais uma conversadeira, me dizia que cobraria 20 reais, pois tinha muito trânsito no caminho. Eu disse que tudo bem, sem saber ao certo a distância. Antes que eu saísse do carro, vendedores ambulantes já abordavam a taxista perguntando sobre vagas, assim que desci um deles se ofereceu para levar minha mala, agradeci, achei melhor negar e seguir. Pelo caminho vários vendedores diferentes me ofereciam passeios e passagens de barco, continuei seguindo em direção a plataforma amarela, de lá saía o barco Rondônia, meu novo lar pelos próximos dois dias.

Chegando lá, Sandra, a funcionária do barco não havia feito minha reserva. Eu tinha feito por e-mail, mas elas se esqueceu de marcar. Na mesa, Manoel contava os bolos de notas de 50 e 100 enquanto conversava com Sandra e outros funcionários. Me perguntaram de onde eu era, disseram que eu só podia ser mineira mesmo, pela simpatia. Fecharam minha cabine por 700 reais, perguntei se podia fazer por 600 e ele aceitou. (No fim desse texto, algumas informações). Voltei na entrada do barco com a passagem em mãos, uma folhinha simples de papel e coloquei meu nome na lista da entrada, em seguida acompanhei Vitória que me levou até minha cabine. Cabine 18. Saí do barco e fui até o mercado e dei uma volta enquanto não dava hora do barco partir. Ele saia às 12hrs. Voltei para plataforma amarela, nas barracas, música alta e vendedores gritando diferentes tipos de produtos: reifeiçãoooo, redeeee, batata, banana assada e pipoca. Comprei uma marmita, duas latas de cerveja e fiquei na sacada do barco observando o movimento.

O capitão estava todo de branco com seu uniforme típico de marinheiro. No cais, familiares se despediam, uns choravam sentidos, outros riam e se divertiam entre goles de cerveja e acenos. Comi minha marmita e a dividi com a Helena, uma senhora que estava ao meu lado. Ofereci e ela aceitou. Nós, duas Helenas partilhamos a marmita e a vista. Em poucos minutos ela se foi e dois senhores começaram a conversar comigo. Conversamos até o barco partir, depois eles foram se juntar a suas famílias. Um deles era Antônio, que eu conversaria vezes ainda o outro eu não me lembro o nome. Mas, todos momentos que eu passava por ele na minhas andanças pelo barco ele me saudava sem esquecer que eu era a mineira perdida ali pelo Amazonas sem parentes para visitar ou companhia de viagem. De agora em diante seriam 30hrs em média dentro do barco. Meu destino era Santarém chegaríamos lá na quinta a noite.

Como essa era uma das únicas certezas da minha viagem, que eu queria passar ao menos um dia inteiro no barco, eu pesquisei bastante antes. E descobri que é muito difícil encontrar informações sobre essas viagens. Através de uma indicação de um blog, descobri a empresa ARtransportes. Que é umas das únicas que tem site, e-mail e telefone de contato. E ainda sim, minha reserva não foi feita. Vou acrescentar um parágrafo de informações sobre essa viagem no fim do texto, informações que eu queria muito ter tido. Estou relatando de uma forma muito pessoal toda minha viagem, sem necessariamente informações turísticas. Mas, nesse caso, se alguém cair aqui porque vai fazer a mesma viagem eu vou ser essa coleguinha legal.

Lá no fim um relato só sobre isso.

o tempo que corre na velocidade do rio

As viagens de barco são muito comuns entre os moradores da região o que para outras regiões do Brasil são exceções lá é considerado normal. Meu barco ia em direção a Belém, que totalizam 5 dias de viagem, decidi ficar no meio do caminho. Tem uma curiosidade que me fez escolher ir para Manaus, em vez de Belém. Existe o mesmo trajeto, Belém — Manaus. Só que a correnteza está a favor quando você vai do Amazonas para o Pará. Assim, nessa minha aventura pelas águas, quando comprei as passagens de avião eu decidi unicamente que começaria em Manaus seguindo o fluxo da água.

Não sei bem ao certo quantas pessoas cabem no barco, creio que mais de 300. O jeito mais barato de ir é nas redes, centenas delas ficam espalhadas pelo barco. Também é possível alugar cabines, que são bem mais caras, já que são fechadas, contam com banheiro, frigobar e uma beliche. Decidi ir de cabine, pois estou sozinha e com minha mala cheia de coisas. Aparentemente é tranquilo ir de rede, as coisas ficam embaixo da rede ou do lado. Os manauaras também são muito simpáticos, tenho certeza que faria amizade com quem estivesse do meu lado. De toda forma devo confessar que é bom poder sentar aqui na escada de cara com rio sem me preocupar com minhas coisas e escrever.

Não tem nenhum entretenimento no barco, desses que a gente está acostumada. Apenas um bar, observar o rio, as pessoas e um jogo de dominó. Baralho é proibido, imagino os motivos. Para mim é suficiente. Na maioria do tempo o celular não tem sinal, o que deixa tudo bem legal. Talvez porque eu vim exatamente para isso, observar as pessoas e a natureza. Em cima do bar, o que seria o último andar do barco, tem uma área aberta descrita como área de lazer. Lá o vento é mais intenso e você pode observar sem obstáculos todas as direções. A visão é de floresta e rio e em alguns momentos outros barcos passam.

Todo canto que paro, alguém conversa comigo. Os manauaras tem aparência bem característica e nesse aspecto eu tenho cara bem de turista. Por isso, chamo atenção. Alguns jovens pediram inclusive para tirar uma foto comigo. Tirei. Me adicionaram nas redes. Outro ponto em comum. Que todos eles pedem seu número de WhatsApp, já adicionei mais números de manauaras no meu celular nesses 3 dias do que adicionei de mineiros no último ano. Decidi tirar um cochilo na minha cabine. Quando acordei saí com a câmera, por sorte, saí bem na hora do encontro das águas. Aqui eu já tinha descoberto que na verdade temos: Rio Negro e Rio Solimões que quando se juntam viram Rio Amazonas. As águas negras que não se misturam com a vermelha, isso ocorre porque existe uma diferença na temperatura e na velocidade delas.

Nesse momento eu tenho a impressão que nessa viagem eu não terei palavras para descrever algumas coisas que vejo e sinto, como agora, da escada de ferro entre um andar e outro do barco posso ver o rio amazonas pela sacada.

(trecho que escrevi no celular) Estou aqui no último andar do barco. Estou escrevendo sobre as experiências dessa viagem num diário. Que tá lá na minha cabine. Acabei de mandar uma mensagem para um amigo dizendo que talvez eu não seja capaz de escrever sobre essa viagem. Não sei se as palavras vão dar conta. Se terei metáforas suficientes. Aqui no meio do Amazonas eu olho pros lados e vejo floresta, vez ou outra aparece uma casa solitária na mata. Penso naquelas casas distantes e solitárias e penso em mim. Uma mulher solitária, buscando estar em contato com mais íntimo e intenso do meu ser. Tentando entrar em contato com meu lado selvagem. Enquanto eu procuro palavras para descrever o que sinto uma criança perto de mim dança sem que toque nenhuma música. Eu paro de escrever e observo, somos duas mulheres em busca de significar a vida para além do que os olhos vêem e o ouvidos escutam, eu tento transforma rio em palavra e ela vento em música.

Começa a ficar escuro. Um minuto que olho pra tela do celular e escrevo quando volto meus olhos pro Rio e pra floresta enxergo cada vez mais tons de preto, cinza e azul, com pequenos pontos amarelos, são as vidas na beira do rio. Chega a noite e o Rio Amazonas agora é negro.

Lá pras 18hrs começa a servir o jantar. Uma das funcionárias do barco passa tocando um sininho, que anuncia que a comida está pronta. Um outro funcionário fica na beira da escada que desce para refeitório vendendo as fichas. 15 reais por uma marmita com arroz, macarrão, feijão, uma carne, duas rodelas de tomate e duas de pepino. Na mesa uma jarra de água, copos descartáveis, um pote de farinha e um sal. Pedi peixe. O peixe estava muito gostoso, mas o resto estava um pouco sem sal. Semeie um pouco de sal e comi tudo. É uma comida muito simples, mas é suficiente para matar a fome. A que vende nos portos é mais saborosa e mais barata. Porém ainda não tínhamos parado em nenhum.

Decidi ir para cabine e dormir. Como é um barco grande eu não sinto mexer e talvez por isso não tive nenhum enjoo, nada do tipo. Antes de dormir subo lá no último andar do barco para ter aquela visão do breu novamente, sentir o vento no rosto e o silêncio da noite.

Volto para a cabine, fecho os olhos e breu, dormi.

… continua em “Itacoatiara” — de barco #5

SOBRE AS VIAGENS DE BARCO: É muito difícil conseguir achar relatos completos sobre essas viagens, sei, porque foi umas das únicas buscas que fiz quando decidi fazer a viagem. Decidi fazer a reserva pela ARtransportes, porque era a única empresa confiável que eu consegui contanto antes de viajar, por telefone e por e-mail. Chegando lá descobri algumas coisas. Dá para achar preços bem melhores e dá para negociar na hora, no porto mesmo tem muita oferta, algumas perigosas e outras de boas. O legal é se informar com os moradores fora dos portos. Porque eles vivem fazendo essas viagens, para ver parentes, etc. Os preços são muito variáveis, de 100 a 1000 para o mesmo trajeto. Como disse, as redes são mais em conta. E não são perigosas, porque a maioria do barco são famílias. Vende-se a rede e a corda no porto, em média 25 reais no total. Sim, você tem que levar e amarrar sua própria redes, mas novamente, as pessoas são solicitas e ajudam, eu mesma ajudei uma moça com a dela. Tem opções mais modernas também, de lanchas que não gastam tantos dias, porque são mais rápidas e podem ser contratadas nos portos. Eu queria passar os dias no barco, então escolhi esse barco grande, que demora mais. Uma dúvida boba, mas que eu tive é como pensar o trajeto até essa viagem. Eu comprei uma passagem de avião BH-Manaus somente ida e uma Santarém-BH somente volta. Como o trajeto é longo se você tiver poucos dias não dá pra voltar pro lugar de chegada. A única coisa que tem que ter em mente é que esses barcos grandes tem dias certos para sair dos portos. O meu, por exemplo, saia toda quarta. Tem barcos saindo sempre, mas esses grandes tem dias certos. O porto é um lugar um tanto quanto e literalmente a margem, é necessário ter cuidados e maldade em relação a preços e a segurança. Existem muitas paradas, em algumas tem ambulantes vendendo lanches, outras não, em algumas dá para descer, outras não. É legal levar algumas coisas, ou comprar nos portos, tem comida no barco: café da manhã (5 reais), almoço e janta (15 reais). No meu tinha que pagar e elas não são muito gostosas. Alguns incluem alimentação no preço. No mais, acompanhe o resto dos textos, que trarei mais descobertas e detalhes.

--

--

Café das sete
Revista Passaporte

Por Helena Merlo. MUITOS erros de digitação pq eu escrevo na fritação do sentimento! CATARSE. "A arte é uma confissão de que a vida não basta" F.Pessoa