A incrível geração de adultos que choram
no caminho para o trabalho
Era sempre assim. Uma vez por mês, pelo menos, as lágrimas corriam pelo rosto, antes das 08 horas da manhã enquanto o carro percorria 5km por hora na Radial Leste.
Não tinha muito o que fazer e a vantagem é que as janelas do meu carro eram escuras o suficiente para que eu permitisse que as lágrimas escorressem livres até a blusa.
Era sempre indo. Nunca voltando…
O choro vinha de dentro de um carro com direção elétrica, ar-condicionado, insulfilm e cheirinho de lavanda. E quando eu constatava que pelo menos metade da população de São Paulo daria tudo para estar naquele exato lugar eu chorava mais ainda me achando a pior pessoa do mundo inteiro. Ingrata, mimada, rídicula – eu repetia enquanto a água salgada continuava a procurar um mar para chegar.
Nem todo dia era assim. A maioria, aliás, era cantando uma música animada.
Mas esses dias chegavam, sempre. Às vezes coincidiam com a TPM, às vezes não.
Um dia eu percebi que eu não era a única. Eu pertencia a uma geração de adultos que choram, como as crianças que choram quando entram na escola a primeira vez.
Mas eu não fui uma criança que chorou indo para escola. Pelo contrário, eu peguei minha lancheira e fui andando em direção a professora sem nem dizer adeus para minha mãe (que chorava). Sem olhar para trás, rebolando aquele bumbum ainda de fraldas.
Talvez, por isso, eu nunca tenha admitido um choro se quer no caminho para o trabalho. "Aconteceu alguma coisa? Quer conversar?" Além de tudo eu era cercada por pessoas muito boas e compreensivas, como eu podia explicar tudo isso? "Atacou minha rinite" eu respondia.
Mas um dia eu percebi que somos muitos escondendo as lágrimas dentro de um insulfilm ou dentro de um metrô. Perdi a conta das centenas de reportagens, relatos, desabafos no Facebook e na mesa de bar que eu já li e ouvi sobre.
Esse choro é bem diferente daquele quando a gente é maltratado, humilhado ou de quem trabalhou demais. Na maioria desses casos, os chorões tinham chefes legais, horários flexíveis, salários ok, status e um nome cool para sua profissão.
Deve ser por isso que costumam diagnosticar esse choro como: DEPRESSÃO.
Assim na lata. Nada que um antidepressivo não ajude.
Será? E quando o remédio acabar?
Nem toda lágrima se cura com um bromazepan.
Somos privelegiados. E sabemos disso. Mas no peito dos privilegiados também bate um coração.
Um coracão que quer agregar, somar, ser útil. É o choro de gente que sabe que veio pra cá para servir, mas sente que está desperdiçando suas horas.
Essas histórias costumam ter inicio, meio e fim parecidos: pedido de demissão -uma grande idéia- sucesso.
Parecem simples. Fáceis. Matemáticas.
E é por isso, que antes de terminar essa história, eu já devo avisar que ainda não tenho um desfecho como: "depois que pedi demissão eu empreendi em uma causa que eu realmente acredito e me sinto útil e feliz" ou então "e um belo dia a empresa X me convidou para fazer parte do seu time…"
Nada disso…
E, claro, meu ego me alertou centenas de vezes para que eu não publicasse esse texto. Porque as pessoas gostam de ouvir os desfechos. E a gente gosta de contar as superarações.
Ele ainda sussura em meu ouvido de que eu deveria guardar no rascunho (junto aos outros 54 que guardo aqui) para publicá-lo quando eu finalmente tivesse uma conclusão bonita para encerrar. E claro que seria muito bom e inspiracional eu terminar com algo do tipo.
Mas esse é um texto sobre os processos e não sobre os fins. Já existem muitas histórias falando sobre o sucesso (e eu agradeço MUITO a elas).
Essa história que vos conto é para falar que os meios precisam se justificar por eles mesmos. Algumas decisões devem ser tomadas sem que haja um final pré-estabelecido. (Mesmo porque o futuro é mera ilusão, mas isso, a gente deixa pra conversar outra hora…)
Talvez o "fim" demore pra chegar, chegue muito diferente do que você imaginou ou talvez nem chegue.
Esse é um relato de quem está no processo, escrito para quem também está no processo. Sem gran finale, sem fórmulas prontas. Mas com a certeza de que pouco a pouco a gente pode traçar um caminho mais bonito, mais leve e verdadeiro.
Com amor, com vontade e com água salgada que vai escorrendo até a água doce… (De quem agradece o processo).
Sigamos.
— outubro de 2018. Chapada dos Veadeiros.
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