5 Dicas: Como ajudar alguém com depressão?

Neste Setembro Amarelo, trago algumas sugestões práticas sobre como lidar com entes queridos que estejam passando por episódios depressivos.

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
8 min readSep 20, 2020

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Em minha tentativa de falar sobre o Setembro Amarelo neste mês, já comecei as conversas num tom um tanto quanto abrasivo, falando do quanto as intervenções que são propostas nesse mês são, por vezes, ineficazes. Todavia, quero fazer deste artigo uma chance de promover mudança. Não é que eu vá mudar o mundo, até porque esse texto não terá nenhum segredo que ninguém te conta sobre ajudar um amigo deprimido: tudo o que escrevo aqui já tem começado a fazer parte do senso comum. Com isso, espero participar da discussão sobre o que realmente está a nosso alcance fazer por quem está passando por um episódio depressivo.

É importante também ressaltar que não falo aqui de um lugar de absoluta certeza. O tema de saúde mental sempre me interessou, e fui acumulando certo conhecimento por meio de leituras e conversas com profissionais e estudantes da medicina e psicologia. Tenho também certa experiência prática com a depressão, pois muitos dos meus amigos possuem essa doença e recorrem a mim para pedir ajuda em momentos difíceis, e eu mesma a tenho há alguns anos. Entretanto, quando resolvi escrever esse texto, não consegui encontrar facilmente estudos que tratassem especificamente da melhor maneira de lidar com alguém deprimido. Fica, então, o alerta de que não posso oferecer orientações com perfeito respaldo.

Por fim, quero frisar que nenhuma dessas dicas gerais substitui a orientação essencial: se você ou alguém que você ama estiver em risco imediato de suicídio, ligue para o CVV em 188.

1. Cuide de suas próprias necessidades

Sempre que alguém compartilha comigo as dificuldades — que são absolutamente reais! — pelas quais tem passado ao auxiliar um ente querido com depressão, dou a metáfora das máscaras de oxigênio em um avião. Em todos os voos, a instrução de segurança é a mesma: em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão sobre sua poltrona. Coloque sua própria máscara antes de prestar auxílio ao passageiro ao seu lado.

Também a amigos e familiares de pacientes de qualquer doença, como é o caso da depressão, se aplica a regra de colocar a autopreservação em primeiro lugar. Pense o caso da cabine despressurizada: se você não colocar a máscara primeiro em si, deve perder a respiração antes de ser capaz de colocar a máscara no passageiro ao lado, e, assim, ficarão ambos desamparados.

Não é errado colocar a si mesmo em primeiro lugar. Por mais que você ame alguém com depressão, será incapaz de ajudá-lo se não estiver com sua própria saúde — física e mental — em dia. Se, portanto, não estiver em condições de auxiliar ao seu ente querido, não se culpe! Você está fazendo o melhor que pode com os recursos que tem a seu dispor, e ajudá-lo nesse momento seria contraproducente.

2. Procure estudar um mínimo sobre a depressão

Existe evidência de boa qualidade sugerindo que a psicoeducação de familiares de pacientes deprimidos pode auxiliar em seu tratamento, além do que o bom senso já é capaz de sugerir que seja benéfico entender a razão do sofrimento de alguém amado.

O estudo citado ofereceu um curso para familiares de pessoas com depressão, que incluía temas como epidemiologia e causas, sintomas, tratamento e prognóstico, e como lidar com o paciente. É claro, nem todos podem ter acesso a um curso que aborde esses conhecimentos em específico, mas que tal se perguntar acerca do básico? Uma pesquisa rápida no Google já pode te direcionar a uma página do Ministério da Saúde que explica o que é a doença. Também acredito que valha a pena entender sobre como funciona seu tratamento, até para oferecer maior tranquilidade (nesse tópico, escrevi semana passada sobre medicamentos antidepressivos).

Ademais do aspecto técnico, deixo a seguir um vídeo clássico, que acredito que expresse maravilhosamente o estado emocional ao qual estão submetidos os pacientes da depressão:

3. Não sugira curas mágicas

É natural querer que a pessoa que amamos se cure de uma doença tão terrível quanto a depressão, mas uma das partes mais importantes do tratamento é compreender que ele é um processo. A depressão não vai sumir do dia para a noite, não importa o que façamos. É preciso fazer terapia, é preciso ter um estilo de vida saudável, pode ser preciso tomar remédios, e, ainda assim, o tempo mínimo para que a doença se resolva é de três meses.

Então surgem os “milagres”. Fulano se curou indo à igreja, Beltrano se curou com esses óleos, e Ciclano se curou com esse chá. Não serei prepotente em dizer que nenhuma dessas opções funciona: a mente é complexa, se procurarmos o suficiente é possível que encontremos até mesmo alguém que se curou da depressão empinando pipa. Só que esses casos são a exceção, e não a regra.

Quando se sugere que um paciente abandone o acompanhamento psicológico/psiquiátrico, de efeitos comprovados, está se sugerindo que ele percorra um caminho que não se sabe aonde leva. Isso é uma munição para falsas esperanças e, sobretudo, para crenças num atalho. A verdade é que não existe atalho para tratar da depressão, e o paciente está sujeito a uma carga imensa de frustração quando deixa de levar em conta que seu processo de cura será longo e, por vezes, desafiador. Recaídas são comuns, e passar por elas exige a compreensão de sua normalidade. Quem acaba acreditando em falsas promessas de cura deixa de ter esse entendimento, e sofre com a desesperança oriunda da percepção de que o tratamento “falhou”.

4. Diga o que precisa ser dito

Seu amigo está deprimido, e foi periodicamente se afastando de você. Na realidade, ele reage com agressividade quando você tenta se aproximar dele. Os hábitos dele também não são os melhores: você sabe que ele se alimenta mal, não faz exercícios, não toma remédios consistentemente, e está prestes a perder seu emprego. A situação é imaginária, mas decerto muitos entes queridos de vítimas de depressão já passaram por algo semelhante. Quem está deprimido se autodestrói facilmente.

Um problema que amigos e familiares podem vivenciar nesse caso, que por si só já é de difícil resolução, é o medo adicional de que a intervenção, por mais que bem intencionada, sirva de gatilho para piorar a situação de quem já está passando por um momento difícil. Assim, as conversas desconfortáveis são evitadas. Omite-se o “Você precisa se cuidar”, e mente-se quando alguma opinião é solicitada. Contudo, essa abordagem de fuga não é muito útil. Ninguém gosta de ser colocado em uma redoma, além do que o paciente deprimido dificilmente sairá de uma espiral de atitudes e pensamentos autodestrutivos sem que alguém intervenha de fora.

É preciso criar coragem e intervir por aqueles que se ama, o que não significa abandonar a compaixão. Se, por exemplo, seu amigo deprimido tem se afastado, por que não ligar para ele? Avise que sabe que ele está em um momento difícil, e que pode não querer conversar, mas que você continua disponível para ele. Se ele não tem aderido ao tratamento, por que não começar a conversa perguntando o motivo? Se não se exercita, que tal se oferecer para frequentar com ele a academia? E, em último caso, nada te impede de tomar uma atitude firme com gentileza. Dizer “Eu sei o quanto é difícil, e que você não faz isso por má vontade, mas você realmente precisa voltar a se alimentar” é um ato de cuidado maior que a complacência cega.

Por fim, uma ressalva: não se deve intervir indiscriminadamente. Mesmo que alguém que você ama esteja deprimido, ele ainda é um indivíduo com vontades e necessidades próprias. Por isso, é necessário restringir presunções a um mínimo. É preocupante que um paciente deprimido abandone sua psicoterapia, mas será mesmo preocupante que ele tenha abandonado algo como um curso que frequentava? A perda de interesse em atividades anteriormente prazerosas é um sintoma da depressão, e obrigar seu amigo a voltar para o curso não fará com que ele recupere o prazer que tinha naquilo. Para que forçá-lo a fazer algo que deveria ser divertido? Impedir a autodestruição é um ato de cuidado, porém retirar da pessoa sua liberdade de escolha é uma intromissão que servirá apenas para deteriorar a confiança dela em você.

5. Valide os sentimentos da outra pessoa

Essa deveria ser a mais simples de todas as dicas, mas é surpreendentemente raro vê-la colocada em prática. É quase instintivo responder a desabafos com frases genéricas como “Eu te entendo”, ou “Vai ficar tudo bem”, no entanto elas não necessariamente trazem conforto a quem as escuta. Um “Vai ficar tudo bem”, por exemplo, soa quase cínico aos ouvidos de alguém que vem constantemente perdendo a esperança. Um “Eu te entendo” pode soar como uma simplificação brutal de sentimentos complexos.

O que, então, deve ser feito? Em suma, escutar. Em vez de oferecer conselhos imediatamente, por que não perguntar se a pessoa quer realmente recebê-los? Por vezes, a necessidade dela é meramente por um ambiente seguro para expressar seus sentimentos, e é importante que ela se sinta acolhida ao fazê-lo. É importante fazer com que ela sinta que seus sentimento são uma experiência válida, e não algo que precisa ser extirpado, como a um tumor. Evidentemente, ninguém quer passar pelas emoções negativas, mas também elas precisam ser sentidas, e o excesso de positividade pode ser invalidante nesse momento. “Não chore”, “Vamos nos distrair”, “Calma”, “Olhe pelo lado bom”… Essas são frases que dificilmente auxiliarão alguém em momentos de crise.

É claro que tudo possui um contexto. Às vezes, aquele amigo deprimido realmente precisa de distração, ou a situação não é propícia para chorar, e é melhor que ele se acalme e expresse sua emoções mais tarde. Porém, via de regra, acolher é melhor que buscar “solucionar” a negatividade que é vivenciada durante a depressão. Afinal, a depressão é uma doença, e, como tal, seu tratamento dificilmente estará restrito a “Vamos encontrar um motivo para sorrir!”. Que tal, então, oferecer um ombro amigo? A escuta compassiva pode auxiliar muito àqueles que lutam contra essa doença, e evita que eles sintam-se como um fardo por causa dela.

Obrigada por ler este texto! Se tiver gostado, não se esqueça de deixar seu aplauso (de 1 a 50) e de enviar para um amigo que possa se beneficiar por esse conteúdo.

Ao longo do mês, continuarei escrevendo sobre depressão e prevenção ao suicídio, então, se esse tema te interessa, não deixe de me acompanhar nas redes sociais.

Fontes consultadas:

Ao longo do texto, inseri hiperlinks para fontes de citações indiretas. Contudo, para orientação geral, empreguei as seguintes referências:

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